Para ganhar dinheiro, a psicóloga Bruna Vasconi, de 44 anos, já fez de tudo: trabalhou em banca de jornal, foi sacoleira, vendeu semijoias e até fabricou velas. Em 2007, após romper a sociedade com uma amiga, ela decidiu criar o Peça Rara Brechó, em Brasília (DF).
Mais de uma década depois, ela tem o empresário José Carlos Semenzato e a atriz Deborah Secco como sócios e quase 200 franquias negociadas. Em 2023, o faturamento da rede atingiu a marca de R$ 156 milhões.
Para conseguir renda extra, ela já teve mil e uma profissões
Vasconi nasceu em Pirassununga (SP), mas já morou em Santa Catarina, Rio de Janeiro, Goiás e DF, devido a transferências do trabalho do pai. O primeiro emprego dela foi na capital federal, aos 14 anos, como vendedora em uma banca de jornais.
Depois, passou a atuar como sacoleira: ia a São Paulo para comprar roupas e revendia em Brasília, até voltar para o Rio de Janeiro, aos 17 anos.
Alguns meses após a mudança, o pai de Vasconi foi novamente transferido, desta vez para o Peru. Ela decidiu ficar no Brasil, casou-se e voltou para a capital federal, onde o esposo morava.
Pouco tempo depois, a empreendedora teve dois filhos, com menos de um ano de diferença. Para conseguir concluir o curso de psicologia que havia começado no Rio de Janeiro e cuidar das crianças, ela decidiu voltar às vendas.
“Meu carro era uma verdadeira loja. Tinha revistas, roupas, lingeries, presentes e bijuterias. Se alguém queria algo que eu não tinha, eu arrumava um jeito de ter. Uma vez, me pediram cem velas, de um quilo cada uma, para um casamento. Eu aceitei e fiz”, conta.
Para complementar a renda, Vasconi também trabalhava com pequenas obras, como supervisora e intermediária entre profissionais e clientes, além de vender semijoias.
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Viagem a SP inspirou criação do primeiro negócio
Em 2006, ela começou a pensar em um plano B, já que terminaria a faculdade e perderia a maior parte dos compradores. Vasconi conta que foi até São Paulo para um curso e aproveitou para conhecer um brechó infantil na hora do almoço.
“Eu já fiz o plano de negócios no avião, na volta para Brasília. Meus filhos tinham itens que sobravam, vi que era uma solução”, diz.
Ela convidou uma colega para ser sócia e pegou um empréstimo de R$ 7 mil com a avó para investir no espaço físico e na parte burocrática da empresa.
Para ter um estoque, Vasconi pediu para as amigas que tinham crianças emprestarem itens que não usavam mais. “A ideia era vender e depois dividir o valor entre as duas partes. Eu não dava nada para elas antes das vendas”, explica.
Peça Rara Brechó nasceu após fim da sociedade
O brechó infantil foi inaugurado no final de 2006 e faturou R$ 100 mil no primeiro mês. Menos de um mês depois, Vasconi preferiu vender sua parte por R$ 25 mil, após um desentendimento com a amiga.
Ela tinha se familiarizado com a moda circular e investiu o dinheiro do fim da sociedade na abertura do Peça Rara Brechó. “Percebi que as mães também procuravam itens para elas, não só para os filhos e vi que era a chance de ampliar o meu público-alvo”, conta.
A empreendedora teve a ajuda dos pais, que usaram o cartão de crédito e o cheque especial para investir R$ 25 mil. Em abril de 2007, ela inaugurou a primeira unidade do Peça Rara, ainda em Brasília.
“Aos poucos, meus pais e meus irmãos entraram no negócio e virou uma empresa familiar. Dois anos depois, o espaço já não atendia a demanda e abrimos a segunda loja”, afirma.
No segundo estabelecimento, além de itens femininos e infantis, Vasconi também decidiu apostar na venda de peças de decoração e pequenos móveis usados. Em 2011, ela abriu o Peça Rara Ele, unidade focada na moda masculina.
Empresária achava que brechó não poderia ser franquia
Ao longo de uma década, Vasconi inaugurou sete lojas na região do Distrito Federal. Ela afirma que recebia com frequência visitas de empreendedores atrás de conselhos para fazer um negócio de moda circular funcionar.
“Meu marido falou para buscarmos um investidor e transformar o Peça Rara em franquia, mas eu achava que não daria certo, porque não tínhamos um objeto para vender. Levei um tempo para entender que o meu produto era o know-how”, diz.
O processo de franqueamento levou dois anos para ser finalizado, com ajuda de uma consultoria.
“Eu tive receio até o fim. Pensava em como seria deixar outras pessoas terem acesso ao nosso negócio, sem saber como elas iriam cuidar, mas vi que era um caminho sem volta”, avalia.
A primeira franquia foi inaugurada em dezembro de 2019, ainda no Distrito Federal. A estratégia no início era ter uma expansão lenta, com poucas unidades negociadas.
Peça Rara cresceu com a entrada de ‘Shark’ e atriz como sócios
Vasconi conta que, após o sucesso da primeira unidade franqueada, não sabia como divulgar o projeto e atrair novos investidores.
A história mudou quando ela recebeu uma ligação da equipe do empresário José Carlos Semenzato, fundador da SMZTO, maior holding de franquias do Brasil, e jurado do reality show Shark Tank Brasil.
“Eles queriam saber mais sobre a Peça Rara. Já conheciam algumas lojas e monitoravam a marca havia um ano, mas eu não sabia de nada”, afirma.
Enquanto as negociações rolavam, Vasconi abriu as primeiras lojas fora do Distrito Federal, em Recife, São Paulo, Goiânia e Cuiabá. A parceria com Semenzato foi selada em janeiro de 2021, o que acelerou o processo de expansão.
A empreendedora relata que o empresário acreditava que o negócio precisava de um rosto conhecido nacionalmente e convidou a atriz Deborah Secco para se unir à sociedade.
“Ele disse que eu seria a fundadora e ele seria o expert, mas faltava alguém que abrisse as portas do Brasil. A Deborah foi o terceiro nome que ele sugeriu, mas foi a que mais se encaixou”, explica. A atriz se tornou oficialmente sócia em junho de 2022.
Em 2023, o faturamento da rede foi de R$ 156 milhões.
Consignação ainda é a base do negócio
O que começou com roupas emprestadas de amigas se tornou o sistema oficial da Peça Rara. Os fornecedores levam os produtos que querem vender até a unidade escolhida, as peças passam por uma avaliação e, se aprovadas, a pessoa só recebe o valor depois da venda. O pagamento é feito por meio de um aplicativo.
Bruna afirma que o formato tem dois pontos positivos: os itens podem ser analisados de maneira individual, e o franqueado não precisa investir para montar um acervo.
“Isso gera um custo operacional de controle de estoque, logística e devolução. Tudo tem seu preço no final das contas”, explica.
Além das roupas colocadas à venda, a empresa também recebe doações, que são destinadas ao instituto Eu Sou Peça Rara, criado em 2021. A sede da organização fica em Brasília, onde funciona a loja social, que abre às quartas-feiras e aos sábados.
Em 2023, a unidade teve um faturamento de R$ 700 mil. Segundo Vasconi, todo o lucro é destinado para instituições de caridade.
Veja os dados da franquia da Peça Rara Brechó
- Investimento inicial: R$ 530 mil
- Faturamento médio mensal: R$ 185 mil
- Lucro médio mensal: R$ 25 mil
- Prazo de retorno: 24 meses
- Prazo de contrato: 60 meses
- Royalties/mês: 6% do faturamento
- Número de unidades em operação: 119
Avaliações dos clientes
O Peça Rara Brechó Jardins, unidade mais antiga da cidade de São Paulo, recebeu uma classificação média de 4,6 de 5 estrelas no Google, com 155 avaliações até a publicação desta matéria. Os comentários positivos elogiam a qualidade do atendimento e a curadoria das peças e os negativos abordam as falhas no relacionamento entre a loja e os fornecedores.
Os autores das notas concedidas não podem ser verificados. Eventualmente, avaliações positivas ou negativas podem ser uma ação a favor ou contra a empresa.
Já no Reclame Aqui, a Peça Rara tem uma reputação classificada como boa, com nota média de 7,1 de 10 nos últimos seis meses e 107 reclamações registradas no período. Novamente, a maior parte dos comentários negativos abordam as dificuldades enfrentadas por fornecedores na avaliação das peças e saque do dinheiro.
Vasconi afirma que o aplicativo utilizado para pagamentos está em constante atualização para resolver os problemas apontados.
“Trabalhamos para evitar, mas não estamos isentos de ter reclamações. Às vezes, o problema é causado por imaturidade ou falta de experiência de algum franqueado. Podemos até assumir a franquia se houver alguma crise reputacional”, completa.
Especialista diz que brechós atraem gerações mais novas
A gestora de moda do Sebrae Nacional Kamila Merle afirma que investir em um brechó tem quatro principais pontos positivos: sustentabilidade, custo-benefício, valorização do propósito e redução do desperdício.
“Essas características estão de acordo com as práticas de consumo mais conscientes e responsáveis, que as novas gerações, principalmente, já possuem”, avalia Merle.
Já o lado negativo é protagonizado pelo preconceito que alguns consumidores têm com roupas de segunda mão. Anny Tonet, gerente adjunta de inovação do Sebrae Nacional, aponta que o marketing e as redes sociais são os principais aliados para vencer esse desafio.
“Incorporar na mente do público o conceito de curadoria, exclusividade, conforto, preço, qualidade e circularidade ainda é um diferencial pouco explorado pelos donos de brechós”, explica Tonet.
Dicas para quem quer investir em moda circular
As especialistas apontam que o primeiro passo para ter um brechó é se identificar com os princípios de consumo consciente e sustentabilidade. Contudo, Tonet afirma que a sintonia precisa estar acompanhada de capacidade de gestão, para garantir a viabilidade do negócio.
Depois, é importante avaliar três fatores:
- Você tem habilidade para fazer a curadoria dos produtos?
- Você conhece o seu mercado local e sabe como captar bons fornecedores?
- Você sabe como contar a história por trás de um item para atrair valor agregado?
“É fundamental garantir que as peças tenham qualidade, estejam em bom estado e com uma boa apresentação, além de acompanhar as tendências. Alinhar a curadoria e a narrativa são pontos determinantes para o sucesso da empresa”, avalia Merle.
A gestora de moda explica que é importante se posicionar como uma alternativa ao fast fashion, mas sem cair no greenwashing - o ato de divulgar a sustentabilidade de produtos que não são ambientalmente corretos na prática.
Já Tonet destaca que é necessário estar atento às questões presentes em todos os tipos de negócio.
“Planejamento financeiro, para saber quanto vai ser investido e quanto precisa ganhar para se sustentar, investimento em marketing e monitoramento de leis e regulamentações são alguns dos cuidados essenciais”, conclui a gerente.
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