Por que os estrangeiros trocam a estabilidade pelo empreendedorismo no Brasil

Potencial do mercado consumidor brasileiro atrai quem vem de fora e acelera o nascimento de novos negócios gerenciados por estrangeiros no País

PUBLICIDADE

Foto do author Bruna Klingspiegel
Atualização:

Enquanto o sonho de uma grande parcela dos brasileiros é ganhar em dólar ou trabalhar fora, estrangeiros de todas as partes do mundo se estabelecem no Brasil e encontram aqui espaço para inovar e um mercado ainda pouco explorado. O desejo de inovação, as oportunidades de investimento e o amplo mercado consumidor brasileiro estão entre as razões que atraem ‘gringos’ para empreenderem no País.

PUBLICIDADE

O Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra) estima R$ 1,6 bilhão investido entre 2011 e 2021 por empreendedores vindos de fora no Brasil. Já dados compilados pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostraram que o País teve o quarto maior volume de investimentos estrangeiros no primeiro trimestre de 2022, atrás apenas de China, EUA e Austrália.

O uruguaio Gabriel Roizner esta nessas estatísticas. De olho na evolução das fintechs na América do Sul, ele encontrou no Brasil uma oportunidade para conduzir a expansão do seu negócio. Em janeiro de 2022, a startup de educação financeira Mozper chegou ao País após dois anos operando no México.

Por meio de um aplicativo e um cartão, a empresa atua auxiliando crianças e adolescentes a aprender como controlar gastos e a tomar decisões financeiras inteligentes. Os jovens recebem um valor pela realização de tarefas estabelecidas pelos pais e, com um cartão de débito Visa, os responsáveis disponibilizam orçamentos específicos para categorias de consumo, como entretenimento e alimentação.

Gabriel Roizner, CEO e cofundador da Mozper, com o cartão da startup na mão: autonomia das crianças. Foto: JP. Mubarah

Segundo o empreendedor, a escolha do Brasil para o primeiro passo da internacionalização do negócio estava em mente desde a fundação da startup. Além da amplitude do mercado, a educação financeira ainda é um tabu muito grande no País e em termos de negócios há muito espaço para explorar.

“Sempre soubemos que seria desafiador, principalmente para estrangeiros, mas nós adoramos um desafio, e sempre pensamos duas vezes em cada decisão que tomamos”, explica Roizner, que já atuou em diversos segmentos em sua carreira.

Miklos Grof chegou ao Brasil em outro contexto. Ele empreendeu pela primeira vez no País em 2014 através de um projeto de aceleração de startups do Governo de Minas Gerais voltado a empreendedores do mundo todo. As empresas selecionadas tinham acesso a mentorias e incentivo financeiro de R$ 80 mil. A startup criada durante o programa foi comprada em 2015 por uma empresa americana, mas Grof quis continuar investindo e empreendendo no País.

Publicidade

Em 2019, ao lado do chileno Diego Izquierdo, o húngaro fundou a Company Hero, uma solução para pequenos e médios negócios que integra todos os processos e documentos em um só lugar. Para ele, para além do tamanho do mercado brasileiro, a cultura nacional é bastante aberta e os empreendedores estrangeiros têm um grau de aceitação muito maior em relação a outros países em desenvolvimento.

“Aqui todo mundo é curioso com novas ideias. Você tem mais espaço para criar”, afirma Miklos. “Eu sempre digo que se você quer impactar milhões de pessoas e fazer o mundo melhor, o Brasil é um ótimo lugar para começar.”

Ele explica que o aumento no número de investimentos em empresas brasileiras também ajudam os estrangeiros a olharem o País com bons olhos, Os aportes de fundos de private equity e venture capital em empresas brasileiras tiveram alta de 123% no terceiro trimestre deste ano, em relação ao mesmo período de 2021. Os dados da pesquisa da KPMG e da Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (Abvcap) mostraram que os investimentos chegaram a R$ 29,7 bilhões.

Empreendedorismo à brasileira

Mesmo com as baixas expectativas em relação ao crescimento econômico brasileiro, o País continua sendo interessante para os estrangeiros. É o que afirma o professor de negócios da Fundação Dom Cabrasl, Carlos Braga. A complexidade do ambiente de negócios nacional resulta em incentivos indiretos para criação de soluções. Segundo ele, há uma previsão de US$ 80 bilhões de investimento estrangeiro no Brasil no próximo ano.

Christopher Spikes concorda. O americano fundou a Authen, uma marca de roupas especializada em produtos para mulheres corredoras, de olho em uma demanda interna que não era suprida pelo mercado nacional. As mulheres brasileiras que corriam tinham de escolher entre a performance e o estilo.

Ele destaca o conceito de antropofagia nos negócios como um diferencial do mercado brasileiro. Segundo ele, os empreendedores brasileiros estão acostumados a pegar coisas externas e adaptá-las ao contexto local, o que acaba resultando em uma transformação desse negócio em referência no mercado global.

“O Brasil tem uma super vantagem nessa forma de empreender. Aqui você consegue unir tecnologia, engenharia e revolucionar com todo o estilo brasileiro”, diz.

Além disso, com uma barreira de entrada menor, a fragmentação do mercado nacional foi um dos motivos para ter escolhido o País para empreender, conta o engenheiro. Apesar das dificuldades para se consolidar, há muito espaço para ser explorado e um mercado que consegue atender todo mundo. “Aqui se você tem 10 mil lojas, você tem 9 mil donos, enquanto nos EUA são 3 donos para as mesmas 10 mil lojas”, explica Spikes.

Christopher Spikes, fundador e CEO da Authen Foto: Guilherme Leporace

No caso de Jan Krutzinna, CEO e fundador da ChatClass, a vinda para o País aconteceu a partir de uma decisão estratégica, de olho na amplitude do mercado nacional e forte presença brasileira nas redes sociais. De forma interativa, a inteligência artificial da startup leva aulas de inglês ou treinamentos corporativos via chat pelo WhatsApp e Instagram.

Com experiência na ONU e na consultoria McKinsey, o alemão vê o Brasil com um grande potencial no mercado da educação, mas também observa o País como um primeiro passo para uma visão global de negócio. Segundo ele, incubar a ideia em um local tão diverso e desafiador, possibilita que soluções sejam exportadas também para outros mercados. “O Brasil é tão grande que você pode escolher ficar no mercado doméstico ou pensar nessa expansão”, diz.

O CEO ressalta a heterogeneidade do País e exemplifica a tese com um caso particular. Um robô desenvolvido por sua equipe de brasileiros para o ensino da língua inglesa em Belo Horizonte foi exportado para ser usado na Alemanha como solução para o dia a dia das escolas públicas locais. Para Krutzinna, o Brasil está no centro da transformação digital da América Latina e isso faz com que o País seja uma janela atraente para investimentos em tecnologia e na educação.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.