UNA (BA) - As franquias têm visto um crescimento considerável nos últimos anos, em especial no período pós-pandemia. No primeiro semestre deste ano, esse avanço foi representado por um aumento de 15% no faturamento nominal do setor.
Em meio aos números animadores, a Associação Brasileira de Franchising (ABF), que representa o setor, tenta aumentar sua interlocução com o governo federal e, em especial, com o Congresso. Isso porque o texto da reforma tributária, como posto hoje, deve causar um aumento de carga tributária para o setor de franquias, segundo a associação.
Em entrevista ao Estadão, durante conferência anual do setor, o presidente da ABF Tom Moreira Leite pontuou sua visão sobre o atual texto da reforma e seus possíveis impactos para o setor. “A gente vem advogando, como outros representantes do setor de serviços, sobre a possibilidade de gerar crédito a partir da folha de pagamento”, disse.
Leite, que também é CEO do Grupo Trigo - que engloba marcas como Spoleto e China In Box - apresentou os pontos debatidos em recente encontro com o vice-presidente Geraldo Alckmin e sua visão, dita como otimista, da atual política econômica do governo.
Ele advogou ainda pela criação de políticas de fomento para o setor, como linhas de crédito específicas e programas voltados para a abertura de novos postos de trabalho. “Por que não gerar mecanismos de fomento e aceleração, em vez de só depender da criatividade do empreendedorismo?”, questionou, mencionando as dificuldades apresentadas pelo novo texto da reforma tributária.
Abaixo, os principais trechos da entrevista.
Representantes da ABF se reuniram com o vice-presidente Geraldo Alckmin recentemente. Quais assuntos foram tratados no encontro?
O principal objetivo foi estabelecer um ponto de diálogo estruturado entre a entidade e o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC). Nos colocamos à disposição para o compartilhamento de dados e discutimos sobre a questão da taxação de produtos no comércio cross border (compra de produtos do exterior), porque temos segmentos que sentem a entrada desses produtos no Brasil, com o teto da tributação de até US$ 50. Acreditamos que o modelo que o governo colocou até agora (programa Remessa Conforme) não é o ideal. Mas vemos também um movimento de esforço para fomentar o caminho inverso, de marcas brasileiras comercializando seus produtos no exterior.
Discutimos ainda sobre o programa de recuperação do setor de eventos e a necessidade de registro junto ao Cadastur dos bares e restaurantes e sobre linhas de financiamento voltadas para o franchising, já que temos recebidos devolutivas dos bancos de que as franquias tem uma inadimplência relativa muito inferior à dos empresários independentes. Uma das possibilidades que eu imagino é o próprio BNDES como um fomentador dessas pequenas e médias empresas, podemos criar programas específicos para o setor.
E qual a visão da ABF sobre a política econômica do atual governo?
Nós somos otimistas por natureza. E, claro, independentemente do governo, temos ciclos econômicos que estão relacionados às mais diferentes variáveis, como foi o caso da pandemia. O avanço do Brasil no ranking das maiores economias do mundo é algo a ser celebrado, assim como a independência do Banco Central. Percebemos que já está pacificado o entendimento do ente público da importância de se ter uma política monetária que tenha no radar os possíveis desdobramentos inflacionais, mas que também considere que juros elevados são um desestímulo para a atividade econômica.
Vemos uma redução da curva da Selic, impactando na redução do CDI, que obviamente também acaba gerando efeitos positivos sobre a perspectiva do investidor, com a franquia sendo uma das alternativas para investimento. Esperamos que o BC siga nessa agenda de redução da taxa de juros e diminuição também da taxa de inflação. A curva descendente na taxa de desemprego sem sombra de dúvida também é uma notícia boa, assim como as políticas sociais de transferência de renda, quem tem impactado positivamente.
Eu estou querendo dizer, através dos fatos mais econômicos, que a gente vê uma melhoria. Eu tenho um olhar voltado mais para o otimismo, apesar de todas as incertezas com as quais entramos em 2023, finalizamos o primeiro semestre com crescimento de faturamento nominal de 15%. Prevendo que a gente ainda vai assistir a uma redução maior de taxa de juros, a gente tende a crescer de maneira ainda mais vultosa nos próximos anos.
Sobre a reforma tributária, a ABF defende um regime específico de tributação para o setor de franquias ou redução nas alíquotas da CBS para o setor. Dado que esses pontos não foram contemplados no texto apresentado no Senado, qual será o posicionamento da entidade a partir de agora?
Ainda existe uma tramitação a ser realizada dentro da CCJ (Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania) que vai analisar pelo menos cerca de 500 emendas. A nossa expectativa é que algumas das que apresentamos sejam apreciadas. Independentemente de qual seja o resultado final, seguiremos dialogando com o Congresso para sensibilizar sobre os possíveis impactos de majoração de carga tributária no franchising, uma atividade que é fundamentalmente intensiva em gente. Trazer clareza sobre o impacto socioeconômico nesses diferentes segmentos e de toda indústria que atende o setor de franquias.
Temos setores com uma estratégia de diálogo estabelecida com o poder público há mais tempo, mas acredito que vamos conseguir avançar. Em especial a partir da pandemia, acho que a entidade conseguiu construir pontes com diferentes instâncias do governo e de bancos públicos.
Quais modificações poderiam ser feitas no texto?
A gente vem advogando, como outros representantes do setor de serviços, sobre a possibilidade de gerar crédito a partir da folha de pagamento. Essa é uma outra característica das franqueadoras: a maior despesa de uma franqueadora é a despesa com pessoal e isso explica o porquê do aumento da carga tributária. Você tem uma baixa capacidade de gerar crédito na cadeia, dado que folha de pagamento não gera crédito.
São setores que são altamente intensivos de mão de obra, verdadeiros geradores de postos de trabalho. Deveria se estimular esses grandes contratantes. Se isso vai acontecer agora dentro da CCJ, ou se será discutido via leis complementares, teremos que ver nos próximos dias. Mas é uma conversa que não cessa a partir da tramitação.
Mas caso nenhum desses pontos sejam contemplados, as previsões de crescimento para o setor de franquias podem ser revistas?
Fomos capazes de reinventar a nossa indústria durante a pandemia, a crise mais aguda que enfrentei enquanto empresário. Não tenho dúvida de que mesmo com qualquer percalço, seja de origem tributária ou de qualquer natureza, iremos achar caminhos para manter o setor no rumo do crescimento.
A minha perspectiva é a seguinte: por que não gerar mecanismos de fomento e aceleração, em vez de só depender da criatividade do empreendedorismo? Por que não criar mecanismos reais de fomento para tornar essa trajetória mais suave? Ter uma política de desenvolvimento tecnológico dedicado ao setor, uma política que nos ajude na formação do chamado primeiro emprego, uma política voltada a inserção dos trabalhadores com mais de 50 anos - uma força de trabalho que é produtiva e que tem dificuldade de encontrar oportunidade. A minha proposição dessa interlocução com o governo é sempre no sentido de convidá-los a construir políticas de fomento ao desenvolvimento do franchising.
Eu sou super favorável à simplificação tributária, o que realmente traz um incômodo para o setor é você buscar a chamada neutralidade de carga tributária, mas que, de verdade, não é neutra. Alguns setores serão beneficiados e outros pagarão mais.
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Temos visto cada vez mais modelos de franquia com investimentos iniciais mais baixos, como as chamadas microfranquias. Há um movimento do setor de tentar tornar as franquias cada vez mais acessíveis para o investidor?
Você tem uma demanda do potencial franqueado desses formatos com investimento inicial mais baixo. Do lado do franqueador, você tem aqueles que já nascem com modelos com essas características e outros que desenvolvem projetos de microfranquias para atender essa parcela da população, que quer empreender, mas, muitas vezes, tem recursos limitados. Então, há também uma oportunidade mercadológica de se escalar negócios, se adequando à capacidade de investimento dessa parcela da população.
Todos os formatos de franquias crescem, mas as microfranquias vem ganhando um share (participação) relativo cada vez maior. Ela cresce mais rápido na indústria do franchising.
Quais são os setores que mais tem crescido no setor no pós-pandemia?
É inegável a recuperação do setor de hotelaria e turismo neste período. Além da própria combinação de taxa de câmbio elevada com uma inflação alta, o que acho que tem estimulado o turismo dentro do Brasil.
Saúde, beleza e bem-estar é outro segmento. Toda a parte de beleza de autocuidado vem crescendo bastante nos últimos anos. O setor de alimentação, que é um setor tradicional, segue crescendo, inclusive no franchising. As redes de restaurantes que operam com franquias crescem mais do que a indústria de restaurante que não opera com o modelo.
Por fim, a gente segue assistindo o bom desempenho do setor de casa e construção, que teve um crescimento muito elevado durante a pandemia e que continua avançando.
* O repórter viajou a convite da Associação Brasileira de Franchising.
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