Queijarias artesanais paulistas ganham impulso de lei para crescer negócio

Selo de inspeção estadual passa a permitir o uso de leite cru, quintuplica o limite de produção e reduz burocracia; Estado só tem 29 queijarias com SISP Artesanal

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Os produtores artesanais de alimentos de origem animal (como queijos e embutidos) do Estado de São Paulo ganharam um impulso para seus negócios. Reivindicações antigas, como o uso de leite cru na fabricação de queijos, foram atendidas com a assinatura da regulamentação nesta quarta-feira, 23, da Lei 17.453/2021 (Lei dos Produtos Artesanais de Origem Animal do Estado de São Paulo). A lei foi sancionada em novembro e aguardava a regulamentação para detalhar questões técnicas.

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Entre essas questões, outra vitória comemorada entre os queijeiros do Estado é o aumento do limite de produção diária de 300 litros de leite para 1.500 litros, fazendo com que os empreendedores possam crescer ainda se mantendo artesanais, mas sem estrangular as finanças.

É o caso da queijaria Rima, que fica em Porto Feliz e acaba de inaugurar uma fábrica nova, na qual foram investidos quase R$ 2 milhões, para um retorno nos próximos cinco anos. Até o momento, sua produção diária estava em torno de 220 litros de leite de ovelha, mas a fábrica nova já foi pensada para a marca crescer e tem capacidade para processar 1.500 litros por dia.

“A lei permite a gente continuar artesanal, mas ter margem financeira, poder expandir. Só com 300 litros por dia a vida do negócio fica limitada”, conta Ricardo Rettmann, que fundou a Rima ao lado de sua mulher, Maria Clara Serra, quando eles decidiram viver no campo, em 2017.

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Os sócios Maria Clara Serra e seu marido, Ricardo Rettmann, na câmara de maturação da queijaria Rima, em Porto Feliz (SP). Foto: Nani Rodrigues e Marco Londer/Brejo.co

Hoje, o casal cuida de cerca de 900 ovelhas para a produção de mais de 10 receitas (entre queijos, iogurtes e doce de leite), vendidas em empórios de São Paulo como Quitanda e Instituto Chão. Com a permissão para expandir a produção, o plano é fazer também uma expansão da produção leiteira com produtores terceirizados, estimulando uma cadeia de ovelhas no interior de São Paulo.

“Estamos vendo o interesse de um perfil de profissionais como médicos querendo investir no campo”, diz Rettmann, que pretende dobrar sua produção neste ano com essas parcerias. Em 19 de março, um evento abrirá a fazenda a interessados em participar dessa futura cadeia leiteira, para a qual a Rima dará treinamento e assistência.

Diálogo com as demandas dos produtores

A queijaria Rima, que funcionava até então com licença municipal, acaba de obter o selo de inspeção estadual SISP Artesanal. No Estado de São Paulo, o SISP Artesanal era regido pela Lei 10.507/2000, que foi revogada e substituída pela lei que acaba de ser regulamentada, duas décadas de avanços depois. A nova lei - cujo texto foi proposto pelo próprio governo do Estado, e não por deputados - é fruto da pressão e do anseio de produtores, com a regulamentação escrita a várias mãos, dizem os envolvidos.

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“O trabalho foi construído a partir de muito diálogo e de uma ampla parceria entre a secretaria e os produtores”, afirma o secretário de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, Itamar Borges. “A regulamentação contempla a parte de fiscalização, garantindo a segurança da produção, e permite a ampliação da capacidade produtiva. O nosso objetivo é garantir as condições para que a economia no setor artesanal se desenvolva cada vez mais."

Hoje, no Estado, há apenas 35 estabelecimentos com registro ativo de SISP Artesanal. Entre eles, 29 são queijarias, segundo a Secretaria de Agricultura e Abastecimento. O número está bem abaixo das estimativas de profissionais do setor que dão conta de milhares de queijarias espalhadas pelo Estado, muitas delas premiadas em eventos aqui no Brasil e em países como a França.

Queijo Azul Britannia, feito com leite de vaca na queijaria BelaFazenda, de Carolina Vilhena, em Bofete (SP). Foto: Lari Lopez

Outro empreendimento que possui o SISP Artesanal e poderá expandir sua produção é a BelaFazenda, de Carolina Vilhena, que faz queijos com leite de vaca desde 2017, em Bofete (SP). “Hoje, eu produzo de 280 a 300 litros de leite por dia. Eu estou bem no limite. Para mim, a mudança da lei é superboa”, conta ela, que tem 10 produtos no portfólio e vende em São Paulo em endereços como A Queijaria.

Segundo a mestre-queijeira, que também aposta no turismo rural com degustações de queijo todos os sábados em sua propriedade, o custo de fazer queijo artesanal de qualidade é muito alto.

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“Eu produzo todos os alimentos das minhas vacas. Eu semeio minha pastagem, faço irrigação no verão e no inverno, o custo é altíssimo para fazer queijo de qualidade. Então, é importante poder ter margem para crescer", diz ela, que teve faturamento em torno de R$ 1,2 milhão no ano passado. A BelaFazenda integra, ao lado de queijarias como a Rima, o Caminho do Queijo Artesanal Paulista.

Fiscalização para pequeno, mini e microprodutor

Outra novidade que a regulamentação traz é a categorização de faixas de produtor artesanal, de modo que a fiscalização não precise exigir a mesma coisa de uma produção de 50 litros de leite por dia e de uma de 1.000 litros. Assim, a lei cria as figuras do microprodutor, do mini-produtor e do pequeno produtor, de acordo com a produção de, respectivamente, até 20% do limite diário estipulado, 20% a 50%, e acima de 50%.

Para Christophe Faraud, produtor de queijo e presidente da Associação dos Produtores de Queijo Artesanal Paulista (APQA), que esteve à frente das conversas com a Secretaria de Agricultura e Abastecimento, a nova lei é uma “revolução”. “O impacto desse texto vai ser enorme, pela primeira vez foi de fato um diálogo entre todas as partes.”

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Ovelhas na fazenda da queijaria Rima somam cerca de 900 cabeças: agora, o plano é expandir a criação de ovelhas por cidades vizinhas. Foto: Angelo Dal Bó

A lei ainda vai estimular, diz ele, que outras queijarias peçam o selo SISP Artesanal, podendo com isso comercializar seus produtos no Estado inteiro. Até a nova lei ter sido sancionada em novembro, a burocracia era enorme para pedir o SISP, só liberado após a comprovação de uma série de requisitos; agora, o registro vai ser mediante depósito de documentos, para posterior fiscalização orientativa (e não punitiva).

“A gente não vai ficar preso por anos tentando fazer um projeto que a fiscalização quer”, diz Faraud, que ainda não possui o SISP Artesanal e está no aguardo do seu selo municipal (SIM). “No Brasil os fiscais são treinados para fiscalizar a indústria, fiscalizar carro de F-1, não a minha ‘carroça’ artesanal.”

Hoje, apesar de só 29 queijarias do Estado terem o SISP Artesanal, há mais de 60 produtores associados à APQA - muitos com selos municipais, que só podem comercializar em seus municípios. Uma das queijarias, a Pardinho, tem o SIF (Selo de Inspeção Federal).

No caso da Pardinho, diz a mestre-queijeira e gerente técnica Vanessa Alcoléa, o SIF foi a única saída quando a queijaria foi criada por se tratar de uma produção de queijos de leite cru (até então só previsto pelo selo federal). Foram dois anos de adaptações e burocracia até o selo sair, em 2016.

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“Quando começamos a idealizar o projeto, a questão maior não era o volume, mas o leite cru. A produção naquela época era de 100 litros por dia. Hoje fazemos 1.400 litros por dia”, diz Vanessa, segundo quem a informatização dos sistemas de fiscalização desde 2020 também tem facilitado a vida desses negócios artesanais. “Isso tudo vai trazer mais viabilidade para os atuais e para os novos negócios.”

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