Começar um empreendimento do zero é sempre um desafio, principalmente para quem abandonou o país de origem em um contexto de crise para fixar raízes em terras estranhas. É o caso de quase 55 mil refugiados reconhecidos no Brasil, boa parte profissionais liberais, que agora contam com uma plataforma digital voltada à divulgação de seus empreendimentos, a Refugiados Empreendedores. A partir desse espaço digital, eles podem receber apoio não só de consumidores locais, mas também de empresas.
Lançada neste mês pela Agência da ONU para Refugiados (Acnur) em parceria com a Rede Brasil do Pacto Global, a plataforma busca dar visibilidade a pequenos empreendedores que foram acolhidos no País. A iniciativa ainda reúne informações sobre cursos e mentorias, além de oportunidades de acesso ao microcrédito.
“Muitos refugiados tiveram a vida afetada durante a pandemia do coronavírus, então percebemos que havia a necessidade de fazê-los conhecidos nas comunidades onde estavam inseridos e vimos uma forma de aumentar seu alcance por meio da plataforma digital”, explica ao Estadão o oficial de meios de vida da Acnur, Paulo Sérgio de Almeida, que coordena a equipe responsável pela gestão de conteúdo da plataforma.
Para participar, o refugiado precisa preencher um formulário na plataforma, e a equipe responsável entra em contato para registrá-lo. Até agora, 57 negócios de nove nacionalidades estão cadastrados, 70% deles liderados por mulheres. Os segmentos vão desde marcenaria, design, artesanato, maquiagem, moda e produção gráfica até o setor mais recorrente: gastronomia.
A colombiana Liliana Patrícia Pataquiva Barriga, de 42 anos, dona do restaurante Arepas Urbanika, é uma dessas empreendedoras. Ela, o marido e os dois filhos chegaram ao Brasil em 2014, fugindo de ameaças de narcotraficantes em Bogotá. Mas foi só em 2016, já mais adaptados, que o casal criou o próprio negócio para vender arepas, prato típico da Colômbia.
De uma food bike a um food truck em eventos itinerantes, a empresária resolveu apostar em um espaço maior em 2020. Foram anos de sonho e meses de negociação para estabelecer o Arepas Urbanika na Vila Madalena, em São Paulo. Liliana assinou o contrato e, três dias depois, veio a pandemia.
“Já começamos só com delivery, portas fechadas e um serviço bem diferente do que tínhamos pensado”, conta ela. “Procuramos a Acnur para ajudar na divulgação, mostrar que o restaurante existe, que estamos abertos, que temos um ponto fixo.”
Hoje, além de serviços de entrega por aplicativo, ela e o marido já atendem alguns clientes no salão e servem cerca de 30 pedidos no almoço — número que, apesar de crescer, ainda é menor que os 100 atendimentos realizados antes da pandemia.
Para Paulo Sergio de Almeida, oficial da Acnur, incentivar esses empreendedores é importante não só para reforçar sua renda, mas também para o contexto em que estão inseridos.
“Há todo um fluxo financeiro em torno desses negócios que movimenta as economias locais. Se de um lado a prosperidade é importante para esses empreendedores, de outro eles também crescem, contratam pessoas, trazem diversidade e deixam suas marcas nas regiões. É um ganha-ganha.”
AmazoniAtiva e a produção regional
O fortalecimento da produção local também é o mote da AmazoniAtiva. O portal, criado pelo Instituto BVRio em parceria com entidades como a Força-Tarefa de Governadores Pelo Clima e Florestas (GCF Task Force), funciona como uma vitrine para pequenos empreendedores amazônicos, famílias de produtores, associações indígenas, quilombolas e agroextrativistas.
“O nosso lema é conectar pessoas, floresta e mercados, para ampliar o acesso de produtos e ativos da Amazônia brasileira a nichos específicos, com alto valor agregado e contribuição para a manutenção da floresta em pé”, explica o diretor de Relações Institucionais da AmazoniAtiva, Beto Mesquita.
O portal, lançado em 2019 como um piloto em Rondônia, tinha 18 empreendimentos. Em setembro de 2020, quando a plataforma passou a abranger os nove Estados da Amazônia Legal, o número saltou para 60. De lá para cá, cerca de R$ 100 mil foram movimentados em vendas e parcerias comerciais.
Ainda não é possível comprar os produtos na plataforma, que tem previsão para virar um e-commerce no primeiro semestre deste ano. Mas a partir dela o consumidor pode fazer encomendas entrando em contato com os produtores.
A Saboaria Rondônia, pequena indústria de cosméticos gerenciada por produtoras rurais, está na AmazoniAtiva desde o começo da plataforma. Para Mareilde Freire de Almeida, de 59 anos, sócia-fundadora da Saboaria, a vitrine ajuda a diminuir um dos maiores gargalos: a dificuldade de vender o que é produzido.
“Os produtores e extrativistas amazônicos ficam isolados. Estamos no Norte e temos mais dificuldades logísticas. Vemos outras regiões trabalhando a biodiversidade amazônica, feita até de forma exploratória, comprando os insumos amazônicos a preços baixos e fazendo essa venda em outras regiões”, comenta Mareilde.
A preservação é outro eixo do trabalho desses empreendedores. “Nós trabalhamos com a extração e a defesa de duas palmeiras da região, o babaçu e o buriti, fazemos a coleta dos frutos, a extração dos óleos e trabalhamos com a devolução dessas sementes para que elas possam se tornar mudas.”
Cada ativo dos cosméticos da Saboaria Rondônia — cacau, café, óleo de copaíba, mel — vem de produtores e cooperativas da região de Ouro Preto do Oeste (RO). Para a empresária, “a união dos pequenos” é importante para ajudar a romper essas barreiras.
Marketplaces para mulheres, negros e trans
As iniciativas que apoiam empreendedores refugiados ou isolados regionalmente têm correlatos em plataformas para outros grupos politicamente minorizados. A Rede Mulher Empreendedora (RME), o Mercado Black Money e o EmpoderaTrans, por exemplo, dão visibilidade a mulheres, negros e pessoas trans.
O Mercado Black Money é um marketplace que permite a conexão entre empreendedores e consumidores negros. “Ao longo de nossa jornada, percebemos que há muitos brasileiros desejando combater o racismo por meio do apoio a negócios negros, mas não sabiam como encontrar esses afroempreendedores”, explica Nina Silva, sócia-fundadora do Movimento Black Money.
Criado em março de 2020 com um piloto de 30 lojas, o marketplace exclusivo para empreendedores negros já soma mais de 800 lojas sem mensalidade. Destas, 70% são encabeçadas por mulheres nas áreas de moda, infoprodutos e educação.
O projeto tem abrangência nacional, e o ticket médio por consumidor fica em torno de R$ 120, em um mercado de nicho que movimenta R$ 1,9 trilhão por ano, segundo Nina.
Na mesma linha, a Rede Mulher Empreendedora criou, em 2019, um marketplace para auxiliar mulheres na geração de renda e na divulgação de seus negócios. O que começou com 500 empreendimentos cadastrados hoje conta com quase 1.700. No espaço, as empreendedoras fazem o cadastro dos produtos e serviços, e o consumidor pode fechar a venda na própria plataforma.
Quer debater assuntos de Carreiras e Empreendedorismo? Entre para o nosso grupo no Telegram pelo link ou digite @gruposuacarreira na barra de pesquisa do aplicativo. Se quiser apenas receber notícias, participe da nossa lista de distribuição por esse link ou digite @canalsuacarreira na barra de pesquisa.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.