Os restaurantes veganos deixaram de ser um negócio de nicho e estão, cada vez mais, conquistando também o apetite daqueles que não abrem mão de alimentos de origem animal. Com pratos refinados, alimentos análogos, criatividade e variedade de ingredientes, estabelecimentos como Piccoli Cucina, Green Kitchen, Pop Vegan e Sushimar Vegano têm visto faturamento aumentar na esteira do crescimento dos flexitarianos - aqueles que apenas reduziram o consumo de produtos à base de animais.
“90% do meu público não é vegano”, diz Kamili Piccoli, proprietária do Piccoli Cucina, ao lado de Roberta Pompone. O restaurante é especializado em comida italiana e traz no cardápio pratos clássicos, como massas frescas, lasanha e polpeta, porém, 100% à base de plantas. No local, também são produzidos os próprios queijos, manteiga e leite.
“A ideia é que as pessoas não se deem conta de que se trata de um restaurante vegano. Trabalhamos muito com a sazonalidade. Lançamos um menu novo a cada seis meses”, salienta Kamili, que tem como principais clientes o público da classe A. “São as mesmas pessoas que frequentam restaurantes como Bottega Bernacca e Nino Cucina”, complementa.
O negócio começou há seis anos, em Perdizes, após sucesso dos jantares secretos que Kamili fazia em sua residência. Em julho de 2021, as sócias inauguraram um novo espaço em Pinheiros, em São Paulo. O investimento foi de R$ 500 mil. Atualmente, o faturamento gira em torno de R$ 480 mil por mês.
Paralelamente, elas mantêm um café ao lado do restaurante, desde maio deste ano, o qual contou com investimento de R$ 100 mil. Bolos confeitados, sonho e bebidas geladas vegetais são os mais vendidos. “Também fazemos eventos, como casamentos e jantares para empresas, e estamos prospectando mais um café”, acrescenta a chefe, que viu o movimento aumentar com a pandemia. “A casa hoje fica lotada de segunda a segunda.”
Movimento semelhante ocorreu com o Sushimar Vegano, restaurante japonês à base de plantas. “Foi ele que sustentou a minha renda durante a crise, por meio do delivery”, lembra Maria Costa Cermelli. Ela já era proprietária há 32 anos do Sushimar, que usa ingredientes de origem animal. Em 2017, abriu uma versão vegana do estabelecimento no Jardins, em São Paulo, com investimento inicial de R$ 300 mil.
“O Sushimar é um dos primeiros restaurantes de comida japonesa vegana no Brasil. Fiz muita pesquisa na época, afinal, o sushi é basicamente peixe com arroz”, conta Cermelli, que foi em busca de materiais e ingredientes. ‘Tentei, na verdade, reproduzir o meu cardápio tradicional, por exemplo, substituindo as ovas de peixe por romã no sushi. Hoje em dia, a variedade do vegano é muito maior.”
Fato é que o carro chefe do estabelecimento é o rodízio, que varia de R$ 79 a R$ 92. Atualmente, o faturamento do vegano é quase um terço do restaurante tradicional, cerca de R$ 240 mil por mês, segundo a proprietária, e teve um aumento de mais de 20% entre 2021 e 2022.
“É um sucesso. O custo é mais baixo, a operação é prática e se aproveita quase tudo. No outro, os produtos são caros e perecíveis. Acabou me dando prejuízo na pandemia”, destaca Cermelli, que é muito procurada para a abertura de franquias.
Franquia vegana
Dados do Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria 2021), disponíveis no portal da Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB), apontam que 46% dos brasileiros deixam de comer carne por vontade própria, pelo menos, uma vez na semana. A mudança na alimentação é motivada por questões de saúde, como intolerâncias, apelo ambiental e ativismo contra a crueldade animal.
Ainda segundo a pesquisa, um terço dos entrevistados já busca opções veganas nos cardápios. Atento ao aumento da demanda, o casal Fabio Zukerman e Daniele Zukerman irá lançar ainda neste ano o modelo de franquia da Green Kitchen, com apoio da Francap.
A marca surgiu em 2020, após a liberação dos deliverys na pandemia. “O negócio cresceu. Abrimos uma unidade na Vilaboim e depois mudamos para um espaço maior no Hotel Selina, área central da capital paulista.” Paralelamente, contam com uma cozinha própria em Perdizes, onde desenvolvem itens análogos exclusivos, como ovos mexido e frito, cordeiro e pancetta, e atendem também ao food service.
A versão franquia da Green Kitchen terá um conceito mais express, com comidas prontas para café da manhã, almoço e lanches. Além de comer no local ou levar o alimento para casa, o cliente poderá adquirir produtos próprios da marca, carnes congeladas e queijos, em uma espécie de mini empório.
De acordo com Fabio, que também é sócio da Basi.co, de queijos veganos, e da Geronimo Foods, de proteínas alternativas, para idealizar o projeto foram gastos mais de R$ 1 milhão. A franquia de 20 metros quadrados, contudo, vai custar algo em torno de R$ 400 mill e terá, segundo Zukerman, custo operacional baixo. O faturamento médio mensal estimado é de R$ 250 mil.
A primeira loja será inaugurada em novembro, em um shopping da zona sul de São Paulo. A partir de 2024, estão previstos novos estabelecimentos em outros Estados. “Nossa missão é dar acesso à alimentação vegana e levar uma comida gostosa e nutritiva para mais e mais pessoas. Muitos falam que é um segmento de nicho, mas sabemos que é algo que veio para ficar”, acredita o empresário.
Vegano e acessível
Mapeamento da SBV mostra que já existem cerca de 240 restaurantes vegetarianos e veganos no País e mais de 3 mil estabelecimentos que oferecem a opção no cardápio. Entre eles, está o Pop Vegan que, de 2018 para 2022, cresceu 300% em faturamento (45% por ano), padrão que se manteve durante a pandemia.
“Viramos a chave da nossa operação, que era 75% presencial, para 100% delivery quando foi necessário, e conseguimos prosperar e continuar crescendo. Hoje, 35% do faturamento vem do público presencial e 65%, do delivery”, diz Mônica Buava, uma das sócias, juntamente com Ana Carolina Caliman e Guilherme Carvalho. A empresa passou de 23 funcionários, em 2018, para 86, em 2022.
O restaurante serve cerca de 1,5 mil refeições diariamente e tem mais 200 clientes no food service. O custo do buffet à vontade, localizado na região da Avenida Paulista, é de R$ 15. Segundo Mônica, 70% dos clientes são das classes C e D. “Hoje, somos uma empresa de alimentação, com fábrica própria. Nossa missão é mostrar o veganismo acessível, por isso começamos a produzir alimentos, como queijos, para vender a outros restaurantes”.
Na visão de Alessandra Luglio, nutricionista diretora de campanhas da SVB, os restaurantes veganos e vegetarianos antigamente tinham uma característica muito estereotipada, com pratos que, muitas vezes, fugiam da tradicionalidade.
“Hoje, as pessoas vão a restaurantes veganos porque a comida é muito gostosa. O grande passo que o País está dando nesse sentido é de normalizar o alimento à base de plantas como uma especialidade culinária, que traz uma diversidade de sabores, texturas e o vegetal como protagonista do prato. A ausência do ingrediente de origem animal é um mero detalhe”, finaliza.
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