O primeiro ponto que deve ser ressaltado em relação ao franchising é que, diferentemente do que muitos podem pensar, o franqueado não pode encarar uma franquia adquirida como uma empresa familiar.
Isso porque, conforme consta na própria lei 13.966/2019, que rege o setor, deverá estar presente na Circular de Oferta de Franquia (COF) o “perfil do franqueado ideal no que se refere a experiência anterior, escolaridade e outras características”. E a tendência é que exista alguma cláusula referente ao tema no contrato fechado entre as partes.
Portanto, no ramo de franquias, a empresa deixa claro qual é o tipo candidato que está procurando para poder ceder, mediante venda, know how e direitos de uso da marca, conforme já explicamos neste material sobre o que um franqueado está comprando ao adquirir uma franquia. E é importante entender que, por mais que o franqueado tenha a licença para usar tudo isso e montar a loja, toda a identidade e o conhecimento ainda pertencem à franqueadora. Além disso, existe um prazo de contrato, como já explicamos nesta outra reportagem.
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Vale sempre lembrar que a COF reúne informações essenciais ao funcionamento da parceria entre franqueadora e franqueado, como “histórico resumido do negócio franqueado, qualificação completa do franqueador e das empresas a que esteja ligado, balanços e demonstrações financeiras da empresa franqueadora, relativos aos 2 (dois) últimos exercícios”, entre muitos outros tópicos.
CNPJ com importância para o CPF
Em resumo, por mais que exista um CNPJ para a unidade comprada, a negociação passa muito pelo CPF - pelo indivíduo que vai ficar à frente do empreendimento. Portanto, o franqueado que foi aceito no processo de escolha da franqueadora não vai conseguir passar os direitos para um amigo ou familiar, por mais que queira se afastar dos negócios, por exemplo. Porque ele foi o escolhido pela empresa.
O mesmo vale para o caso de morte ou aposentadoria por invalidez - a “passagem de bastão” não vai ser realizada de maneira automática para filhos, cônjuge ou algum outro terceiro.
Confira
O vice-presidente de consultoria do Grupo 300 Ecossistema de Alto Impacto, Lucien Newton, explica que existem muitas demandas por parte da marca que vão além de competências técnicas do eventual franqueado. Por isso a análise costuma ser mais minuciosa. “O contrato é praticamente um intuitu personae. Tudo é feito na pessoa do franqueado. E isso vai passar por formação, idade, atitude. Soft skills (habilidades comportamentais) no geral”, fala.
Portanto, quando existe essa necessidade de troca de liderança no dia a dia de uma franquia, o processo precisa ser feito em conjunto à marca. E duas partes são primordiais neste contexto:
- avaliação: se o candidato pode, de fato, substituir o franqueado anterior, passando a ser o dono daquela unidade;
- treinamento: que basicamente vai prepará-lo para as necessidades específicas da franqueadora e da própria unidade também.
Esses itens não necessariamente são feitos separadamente - podem ser executados ao mesmo tempo, a depender da franqueadora.
Como exemplo prático, este cenário de sucessão aconteceu com uma unidade franqueada da marca Anjos Colchões & Sofás, há alguns anos. O então dono de uma unidade na cidade de Sorriso, no Mato Grosso, decidiu por se afastar da operação no dia a dia e deixar o comando para a própria filha. Para que isso acontecesse, houve todo um processo junto à marca de preparação para a nova franqueada.
“O que a gente quer evitar, por exemplo, são casos em que os franqueados montam uma loja para entregar para o filho para ver se ele ‘leva jeito’ nos negócios. E aí você vai avaliar o histórico e esse filho não se firmou em emprego algum, não tem histórico de empreendedorismo e também não conseguiu dar certo fazendo algum curso superior. Ficaria tudo muito incerto para a marca. Então, a gente precisa que seja uma pessoa dedicada, que se envolva, e que realmente esteja à frente da loja”, explica o gerente de expansão da Anjos Colchões & Sofás, Victor Chitolina.
Marcas mais experientes
Um último ponto que vale ser ressaltado, de acordo com Lucien, do Grupo 300, é que este assunto sobre sucessão em franquias começa a aparecer mais em operações que já têm um tempo de atuação maior.
Isso porque é apenas depois de um certo tempo que a demanda para o franqueado ser substituído vai aparecer. Em marcas mais novas, por exemplo, que acabaram de ser abertas, isso pode até acontecer, mas com menor recorrência.
E, a depender da franqueadora, pode existir a possibilidade de a própria marca ter uma espécie de “curso preparatório” para eventuais sucessores. “Se o franqueado já está na rede há uns 10 ou 15 anos, já está apto a ser colocado em um programa de formação de sucessores (com o eventual interessado em assumir o negócio)”, explica.
Os dados citados neste texto foram coletados originalmente em novembro de 2023.
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