Elas fazem tatuagens que cobrem cicatrizes, devolvem autoestima e viraram até série de TV

Raquel Gauthier e Margarita Sultanova criaram o Sobre Essa Pele para atender a um nicho de mercado que tem poucas opções e estrelaram série do Discovery Home & Health

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Foto do author Geovanna  Hora

A paulista Raquel Gauthier, de 28 anos, sempre gostou de desenhar, mas não pensava em seguir carreira na arte. A história mudou em 2017, quando ela tatuou a própria mão com um aparelho de micropigmentação de sobrancelhas e descobriu uma nova profissão.

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Em 2020, ela percebeu que faltavam tatuadores dedicados a cobrir cicatrizes com traços finos e resolveu se especializar. Raquel influenciou a esposa, a russa Margarita Sultanova, de 34, a seguir o mesmo caminho. Já em 2023, o negócio ganhou nome e endereço: nascia ali o Sobre Essa Pele, na Avenida Paulista (SP).

Os desenhos delicados e a atenção redobrada às histórias por trás das cicatrizes conquistaram clientes de todos os cantos do Brasil e até de outros países, como Dubai, Estados Unidos e Portugal. As duas ainda estrelaram uma série documental do Discovery Home & Health.

Raquel aprendeu a tatuar sozinha com vídeos no YouTube

Margarita nasceu na Rússia, mas se mudou para o México em 2012. Ela entrou em um aplicativo de namoro em 2019 para aprender português e conheceu Raquel, que nasceu e cresceu em Guarulhos, na região metropolitana de São Paulo.

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As duas se casaram em 2020 e Margarita veio morar no Brasil. Na época, Raquel já trabalhava com tatuagens havia três anos. Antes, ela tinha tentado vários empregos, em lojas, restaurantes e clínicas de estética, mas o seu caminho sempre esteve ligado à arte.

Margarita Sultanova (à esquerda) começou a tatuar por influência da esposa, Raquel Gauthier. Foto: Divulgação/Sobre Essa Pele/Lucas Silvestre

“Aprendi a fazer micropigmentação de sobrancelhas, mas achava monótono. Peguei o aparelho e tatuei a palavra ‘respirar’, em inglês, na minha mão. Eu percebi que combinava mais comigo ser tatuadora, porque teria espaço para desenvolver a criatividade”, conta a brasileira.

Raquel aprendeu a tatuar sozinha, com vídeos no YouTube. Para colocar em prática as técnicas, ela adaptou um quarto vazio na casa dos pais e começou a realizar os primeiros atendimentos.

Depois de alguns meses no espaço improvisado, a brasileira aceitou um convite para trabalhar em um estúdio de tatuadores no bairro Pimentas, ainda em Guarulhos. No ano seguinte, em 2018, ela preferiu sair e voltar a trabalhar sozinha.

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“Eu nunca me identifiquei com a estética dos estúdios de tatuagem. Sempre preferi ambientes mais claros, semelhantes a clínicas. Decidi que era melhor alugar salas privadas para atender os clientes”, diz Raquel.

Sobre Essa Pele começou depois de projeto para pessoas que se automutilam

Raquel só trabalhava com peles íntegras, mas, em 2020, participou de um projeto, organizado por uma colega, para tatuar pessoas com marcas causadas pela automutilação. Ela conta que, durante a experiência, percebeu que faltavam profissionais especializados em cobrir cicatrizes em geral, não só nos casos de automutilação, e começou a estudar o tema.

“Os trabalhos que eu encontrava eram com artes pesadas, mas, na maior parte das vezes, as mulheres querem cobrir cicatrizes com desenhos delicados”, afirma. Ela estudou as lesões na pele para entender as características e exigências de cada uma.

Segundo a tatuadora, existem cinco tipos de cicatriz: hipertrófica, queloide, atrófica, normotrófica e contratura. As mais desafiadoras são aquelas resultantes de queimaduras, mas Raquel acredita que entender a parte física é só metade do trabalho: “É importante entender o que o cliente quer, não adianta ser bonita se ele não gostar”.

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Margarita ajudava a esposa com a parte administrativa e participou de todo o processo, mas só começou a tatuar em 2021. No início, ela fazia desenhos pequenos em peles íntegras, mas aos poucos também se especializou em cicatrizes.

Elas queriam um nome para o negócio que fosse além de Raquel e Margarita, mas não sabiam por onde começar. A marca Sobre Essa Pele nasceu em 2023, após a sugestão de um profissional de uma equipe contratada para fazer vídeos das tatuagens.

O casal chegou a montar um estúdio em casa, mas preferiu ir para espaços separados em 2023. Margarita optou por uma sala no Itaim Bibi, área nobre da zona oeste de São Paulo, e Raquel escolheu ir para a Avenida Paulista, no coração da capital.

“Trabalhar em lugares diferentes nos ajuda a manter a individualidade, tanto na vida profissional quanto na pessoal”, diz a brasileira. No ano passado, Margarita alugou uma sala no prédio onde Raquel trabalha, mas em um andar diferente.

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Clientes de todos os estados brasileiros e 9 países

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A maioria dos clientes do Sobre Essa Pele é mulher e conhece o trabalho do casal por meio das redes sociais. Margarita conta que elas já tatuaram pessoas de todos os estados brasileiros e até de outros países, como Alemanha, Austrália, Canadá, Estados Unidos, França, Londres e Portugal. Em 2021, elas foram para Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, com todas as despesas pagas por uma cliente.

O primeiro contato das tatuadoras com as mulheres é por meio de um formulário online, onde elas colocam algumas ideias para o desenho e informações sobre a cicatriz. Depois, elas marcam uma reunião - que pode ser por chamada de vídeo ou presencial - para fazer uma avaliação, definir desenhos e finalizar o orçamento.

Essa primeira etapa tem um preço fixo, que as empreendedoras não revelaram. Além do valor final, o orçamento também traz a quantidade de sessões que serão necessárias para concluir a tatuagem.

“Normalmente, os trabalhos precisam de três a cinco sessões, que acontecem em dias consecutivos. Mas o trabalho de Dubai, por exemplo, precisou de 15 sessões, então pode variar”, explica a russa. As sessões duram, no máximo, cinco horas, para garantir uma experiência confortável para os clientes e para as tatuadoras.

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Os preços variam de R$ 2 mil a R$ 15 mil, em média, de acordo com a quantidade de sessões necessárias, características das cicatrizes e detalhes dos desenhos. Para Raquel, saber precificar o seu trabalho foi o maior desafio no empreendedorismo.

“É difícil precificar um trabalho que toca no emocional de outra pessoa, mas a gente vive disso e estudou para isso. É importante se valorizar, porque é um negócio que exige muito do nosso conhecimento”, comenta. O faturamento não foi revelado.

Elas optam por atender, no máximo, duas pessoas por semana, porque entendem que é importante descansar para entregar o melhor resultado, especialmente pelo investimento alto feito pelas clientes. Raquel conta que elas chegaram a ter 100 pessoas na fila de espera, mas conseguiram equilibrar o fluxo ao adotarem o formulário online e a consulta paga.

Sobre Essa Pele se tornou série do Discovery Home & Health e da Max

Tanto Raquel quanto Margarita concordam que tatuar cicatrizes exige uma atenção redobrada aos traumas e histórias por trás das marcas na pele. Algumas das cicatrizes são grandes, profundas e tem origens traumáticas, como acidentes, incêndios e cirurgias, o que afeta a autoestima e o emocional das clientes.

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“O nosso trabalho não começa com o desenho, mas sim com a comunicação. É essencial ter uma escuta ativa, sem julgamentos”, diz a brasileira. Elas fizeram acompanhamento com terapeutas no início do Sobre Essa Pele para aprender a lidar com as emoções das clientes.

As histórias de mulheres atendidas por Raquel e Margarita deram origem à série documental Sobre Essa Pele, lançada no canal Discovery Home & Health e na plataforma de streaming Max, em outubro do ano passado.

Depois da série, o casal conta que passou a receber ainda mais mensagens de pessoas interessadas no trabalho. Para dar conta das demandas do dia a dia, elas contrataram uma assistente, que ajuda a responder a clientes e organizar agendas. Raquel e Margarita ainda são responsáveis por todas as outras etapas da gestão do estúdio.

Nos planos para o negócio, está uma expansão internacional. Em abril, as duas vão passar duas semanas em Portugal para atender a clientes da Europa. Mas o casal entende que a melhor forma de crescer é ensinar outros profissionais a trabalharem com cicatrizes.

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“Gostamos muito da ideia de oferecer cursos para mais tatuadores se especializarem na área, porque há muitas mulheres que não têm condições de viajar e pagar os custos da tatuagem. Os profissionais podem se especializar aqui e depois atenderem em outras cidades e estados”, conclui Margarita.

Mercado de tatuagem cresceu ao quebrar preconceitos, diz especialista

O consultor de negócios do Sebrae-SP Caio Ribeiro Monteiro afirma que o mercado de tatuagem cresceu no Brasil, porque os desenhos na pele quebraram preconceitos e se transformaram em uma tendência.

“Desde o início dos anos 2000, com a ampliação do acesso à internet e o crescimento de artistas, atletas e celebridades tatuados, as pessoas passaram a ver a tatuagem como arte ou uma maneira de se expressar. É uma área em ascensão, mas que já deu sinais de que não vai ser passageira, tornou-se parte da sociedade moderna”, analisa.

Monteiro aponta que a divulgação boca-a-boca é a maior aliada dos tatuadores. Por se tratar de um trabalho que deixa marcas na pele de forma definitiva, as pessoas costumam optar por profissionais recomendados por conhecidos.

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As redes sociais também ajudam a conquistar a confiança dos clientes. Mas, para funcionar, é importante registrar trabalhos e feedbacks - sempre com autorização dos envolvidos, é claro.

O especialista destaca que empresa deve ser obrigatoriamente formalizada. Contudo, além dos trâmites comuns a qualquer empresa, como o Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), esses profissionais precisam estar atentos à legislação sanitária, tanto da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) quanto da administração municipal.

“O primeiro investimento no negócio já deve ser voltado para atender às normas. É obrigatório, por exemplo, ter um espaço com pia e água corrente para higienização e área para descarte dos itens não reutilizáveis, como agulhas e algodão”, diz Monteiro.

Outro ponto essencial, segundo o consultor, é oferecer um ambiente confortável para o cliente, especialmente com as altas temperaturas cada vez mais frequentes.

“É importante que as pessoas percebam que empreender não é só ter o conhecimento daquilo que você faz. Ou seja, o tatuador não pode saber fazer só a tatuagem. O empreendedor precisa estar disposto a fazer o negócio acontecer”, conclui o especialista.

Avaliação de clientes

O Sobre Essa Pele não tem avaliações registradas no Google ou perfil na plataforma Reclame Aqui.

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