Tecnologias aprimoram qualidade do cacau fino no sul da Bahia

Com técnicas que melhoram fermentação e secagem das amêndoas, produtores têm mais controle do processo; fora das lavouras, empresas oferecem dispositivos e consultoria

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Foto do author Ludimila Honorato

Fazendas de cacau centenárias no sul da Bahia abrigam produções em diferentes escalas e métodos. A necessidade de se reerguer após a devastação da vassoura-de-bruxa (doença causada por fungo em cacaueiros) combinada com a crescente demanda pelo fruto de qualidade superior tem feito produtores buscarem técnicas e tecnologias, não necessariamente digitais, para melhorar o processo que vai da árvore ao chocolate, o chamado tree to bar.

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Apesar do sentimento dos produtores de que é preciso avançar, há desafios. A própria crise da vassoura-de-bruxa, que durou 30 severos anos e ainda persiste em algumas lavouras, pode ter atrasado o progresso. Outro fator é a tradição dentro de uma cultura com mais de 200 anos de história, aponta a engenheira de alimentos Luciana Monteiro, que presta consultoria para a cadeia de cacau e chocolate.

“Na Bahia, tem famílias herdeiras de processo, tem apego emocional que pulsa muito forte e norteia de maneira diferente. Algumas vezes, essa questão ligada à família enrijece, mas, às vezes, bombeia e, neste perfil, começo a ver que vão buscando tecnologias”, diz. Ela tem visto mudanças nas etapas de fermentação, secagem e seleção das amêndoas, bem como a quebra mecânica do cacau.

Tais e Carlos Tomich, proprietários da Fazenda Capela Velha, no sul da Bahia, onde buscam aprimorar a qualidade do cacau. Foto: Ana Lee Sales

“Não existe voz única em tudo isso. O Centro de Inovação do Cacau (CIC) é um orientador, tem cartilha, mas não vejo sendo aplicada integralmente, porque sempre vão fazendo ajustes”, completa. E são ajustes necessários a cada produção, testes que os produtores desenvolvem sozinhos ou com a colaboração de universidades e do próprio CIC.

Mais um desafio da região baiana é o manejo da plantação, feita no sistema cabruca, em que os cacaueiros ficam sob a Mata Atlântica. “As árvores da mata acabam tendo um adensamento grande, então, para mecanizar e passar um trator, por exemplo, é mais difícil. Esse processo reflete um pouco na produção pós-colheita, porque como grande parte das etapas são manuais, as tecnologias são feitas para que se possa trabalhar em cima desse processo para alavancar a qualidade”, explica Marina Paraíso, engenheira agrônoma e especialista em cacau e chocolate.

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Aprimoramento de sabores e aromas

Retiradas do fruto, as sementes de cacau ainda envoltas na polpa branca só se tornam amêndoas quando perdem a capacidade de germinar. Isso ocorre na fase de fermentação, em que um amontoado delas cria um ambiente ácido e quente que vai matar o embrião da planta. É nesse processo que os sabores e aromas começam a ser formados e no qual o técnico agrícola Carlos Tomich desenvolveu uma melhoria.

Na Fazenda Capela Velha, localizada na Estrada do Chocolate, entre as cidades de Ilhéus e Uruçuca, ele coloca as sementes dentro de barris plásticos totalmente vedados e deixa por cerca de 15 dias, intocáveis, sem contato com o meio externo. Uma espécie de mangueira conecta o ambiente interno com uma garrafa de água a fim retirar todo o ar gerado na fermentação.

Com umidade, mas sem luz nem oxigênio, a semente não germina. A partir daí, a transformação ocorre e, se bem sucedida, resulta em uma amêndoa de cor marrom e interior compartimentado, características de boa qualidade. “Com esse método, a amêndoa não tem amargor, não tem adstringência nem acidez. Então, corrigi defeitos que estão em 90% das amêndoas do Brasil”, diz Tomich.

Na Fazenda Capela Velha, as sementes de cacau são colocadas para fermentar embarris de plástico; dispositivo retira o ar interno. Foto: Ana Lee Sales

Ele destaca que a técnica não é melhor do que a tradicional, apenas diferente e com maior controle. No método convencional, as sementes ficam em caixotes de madeira, chamados de cochos, sob uma proteção de lona plástica ou folhas de bananeira. Elas são reviradas com uma pá algumas vezes a partir de um protocolo de tempo. “A fermentação convencional vai continuar, essa não é para substituir. Quem faz a convencional entende que existe uma ação externa para poder ocorrer a transformação, e eu entendo que se baseia na germinação”, pontua.

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Batizado de Sprouting Process, o método foi apresentado a Tomich por Leo Moço, barista e torrefador que o utilizava nas sementes de café. “Ele disse que poderia funcionar com o cacau, comecei a fazer experiências e precisou de dois anos para chegar no que faço hoje”, explica. A técnica ainda deve ser testada e discutida cientificamente, mas, por enquanto, tem dado resultados sensoriais positivos que são verificados nos chocolates da marca própria, Do Cacao, e das que compram a amêndoa do produtor.

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Uma década de transformações

Aumentar a qualidade do cacau permite aos produtores tornar o negócio mais rentável, uma vez que o produto commodity, de menor valor agregado, é vendido em grande volume e preço baixo. Com essa visão, há dez anos, Guto Paraíso começou a buscar formas de fazer cacau fino na Agrícola Conduru. Também pegou referências da produção de café, visitou chocolaterias em outros Estados e fez convênio com universidades para pesquisas e desenvolvimento.

No início, uma das primeiras mudanças foi reduzir o tempo entre a quebra do cacau e o início da fermentação. “Tinha de levar imediatamente, não esperar 24 horas como antes. Aprimoramos a logística e tivemos resultados positivos”, comenta. No modo convencional de fermentação, recomenda-se fazer o primeiro revolvimento das sementes depois de 48 horas e os demais a cada 24 horas. Na Conduru, o protocolo foi incrementado com o acompanhamento em tempo real da temperatura do material a partir de sensores colocados no cocho.

“Sabemos que a primeira fase da fermentação termina quando chega a 32ºC, 35ºC e as demais quando a temperatura diminui. Fizemos a união das duas técnicas e, em vez de alguém ir três vezes ao dia para aferir a temperatura, consigo saber essa informação de casa”, explica a engenheira agrônoma Marina Paraíso, que atua na fazenda há seis anos. “Essa mudança foi muito importante para fazer os revolvimentos no momento certo. Se não fizer, esse cacau produz ácido lático, que dá um amargor às amêndoas que não consegue tirar depois.”

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Na etapa de secagem, a fazenda conta com diferentes métodos. Nas barcaças de madeira, o mais comum, as amêndoas ficam dispostas sob o sol da manhã e fim de tarde e também precisam ser reviradas para secar uniformemente. “Funciona muito bem, cabe muito cacau, mas o contato das amêndoas direto com colaboradores pode dar contaminação e odor desagradavel. No momento da chuva, a barcaça fica completamente fechada e pode criar mofo”, conta.

Uma melhoria foi usar estufas de plástico, que permitem secagem com maior precisão e funciona em períodos chuvosos. “Mas, no verão, fica muito quente, então desenvolvemos junto com uma empresa uma tela que fica acima das amêndoas e diminui a temperatura interna em 10ºC. Consigo secar as amêndoas lentamente e obter aromas e sabores com eficiência”, observa. O combo dessas técnicas é a estufa mista, em que uma estrutura móvel sobre a barcaça permite abrir para secar ao sol quando possível e fechar em dias de chuva.

“Por mais que pareçam simples ou caros, são investimentos para obter retorno na qualidade do cacau e preço melhor”, diz Marina. “Hoje, chegamos em nível aceitável, mas acredito que ainda haveria uma evolução, principalmente na retirada da madeira do processo. Acredito que no futuro será mais controlado e esterelizado”, completa Guto.

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Empresas incrementam produção de cacau

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Fora das lavouras, há iniciativas em prol do beneficiamento das amêndoas. A Cacao Factory, empresa de tecnologia que nasceu no FabLab Itabuna (BA), trabalha com dispositivos inteligentes desde 2000. Mas, somente em 2019, após conversar com produtores de cacau da região, pesquisadores do ramo e visitar propriedades, o criador Teodoro Pires começou a projetar sistemas para automação de processos nas fazendas e fábricas de chocolate.

O Cacao Thermo, por exemplo, possui três sensores e pode ser usado nos cochos de cacau para monitorar o processo de fermentação, medindo temperatura e umidade. “A cada minuto, o dispositivo faz uma leitura desses sensores e armazena os dados em um servidor na nuvem, que ficam disponíveis para acessar no celular, computador ou dashboard”, explicou ele em apresentação no último Chocolat Festival, evento que ocorreu na Bahia em dezembro.

O dispositivo Cacao Thermo tem sensores que captam medidas de temperatura e umidade, por exemplo, o que guia o produtor de cacau em alguns processos. Foto: Breno Pires

Já o Cacao Act lê os dados gerados pelo primeiro dispositivo e, a partir de um conjunto de regras definidas, pode acionar um motor para girar o cacau no cocho ou abrir e fechar a barcaça. Pires afirma que os dados são invioláveis e podem gerar uma etiqueta de registro para incrementar a procedência e manejo do cacau, informação valorizada no mercado de cacau tree to bar. Atualmente, há seis sistemas em operação em fazendas na região sul da Bahia e a empresa está em contato com potenciais clientes de outros Estados, inclusive do ramo do café.

Os dispositivos estão à venda no site da companhia e o preço depende dos processos que o cliente deseja automatizar, diz o empresário, mas uma unidade do Cacao Thermo custa R$ 999, com o serviço de nuvem incluso. “A gente espera monitorar e melhorar todos os processos de negócio, a experiência com o consumidor, economizar tempo, dinheiro, aumentar produtividade, gerar maior valor agregado e elevar o lucro”, destaca Pires.

O Cacao Act lê os dados produzidos pelo Cacao Thermo e pode acionar algum mecanismo, como fechar a barcaça ou revirar as amêndoas. Foto: Breno Pires

Com experiência corporativa, a engenheira de alimentos Luciana Monteiro pegou a formação que tem em chocolate para fundar há três anos uma consultoria para a cadeia do cacau, a Ara Cacao. “Vi oportunidade porque grande parte das pessoas que acompanham o movimento bean to bar não vem de formação técnica e eu podia colaborar, fazer projeto, pensar em produto e trazer inovação”, diz.

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Ela oferece educação em qualidade da amêndoa, processamento do chocolate, torra bem feita e reações químicas. Também busca soluções para algum desafio que um produtor apresenta ou ajuda a desenvolver uma ideia de projeto. “O meu objetivo é conseguir fazer com que cada cliente expresse o que quer na sua barra de chocolate. Além disso, tenho trabalhado com subprodutos a partir do mel do cacau, o que para mim era um desafio. Mas vamos buscando tecnologias e conhecimento para fazer.”

No laboratório da Ara Cacao, Luciana também faz testes para avaliar amêndoas, como fez com as provenientes da Fazenda Capela Velha, produzidas pelo método desenvolvido por Tomich. “Eu recebo as amêndoas, faço análises, faço o chocolate, degusto e digo o que encontrei. Não emito laudos, mas quero ser uma agente para pensar e ajudar o produtor a crescer”, enfatiza. “É para ele mesmo entender e poder negociar na hora de vender.”

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