No desafio de estruturar um negócio voltado ao turismo de base comunitária, a Associação de Arte e Cultura Quilombo Tereré, na Ilha de Itaparica (BA), busca por projetos e parcerias que ampliem o potencial das ações sociais e empreendedoras que realiza. A entidade representa mais de 2 mil integrantes das comunidades Tereré e Maragogipinho, formada por famílias vindas do Recôncavo Baiano que resistiram ao histórico de escravidão.
Criada oficialmente em 2011, a associação está localizada em um sítio histórico no município de Vera Cruz. Ali, promove atividades internas para crianças e adolescentes, como reforço escolar, curso de inglês, aulas de capoeira e iniciação musical.
As práticas reforçam a cultura local e dos antepassados, mas foi só a partir de 2016 que um projeto mais estruturado de preservação e valorização do patrimônio das comunidades tomou forma. Naquele ano, a Fundação Palmares concedeu às comunidades a certificação de remanescentes de quilombolas.
Em 2017, uma parceria com o Instituto de Design e Inovação, que teve apoio do Fundo de Cultura do Estado da Bahia, permitiu a criação do Museu da Memória Viva, instalado em um imóvel logo na entrada do sítio. A artista plástica Beatriz Alcade fotografou alguns moradores locais, que estampam as paredes do espaço acompanhados de frases que marcam a história do lugar.
No ano passado, a associação foi incluída na rota do projeto Quilombo Sou, da Associação Hand Social, para receber oficinas sobre turismo comunitário. A partir daí, foi possível construir o primeiro roteiro turístico da comunidade focado em disseminar e valorizar a história e as tradições dos povos quilombolas.
Quem guia o visitante é Anatelson das Neves, conhecido como Reitel do Berimbau, um dos fundadores da associação. O percurso começa no museu e passa pela casa da farinha, onde o produto é feito de mandioca ou aipim. Para quem acha que é tudo igual, ele explica. “Mandioca é mais amarga e faz mais farinha dela. Aipim tem mais qualidade, é menos ácido que a mandioca, mais adocicado.”
Desses insumos também vem a renda das famílias produtoras do quilombo. Nos últimos anos, o aipim tem ganhado protagonismo por ser vendido mais facilmente in natura e, assim, não depender de processamento, que envolve a queima de lenha na casa da farinha.
“Deixaram de plantar mandioca para a época do São João e plantam só aipim, porque qualquer hora que tirar (do solo) tem dinheiro vivo na mão”, diz Reitel. O produto é comercializado para padarias, restaurantes e mercados, além do consumidor final em feiras.
A visita segue pelo terreiro de candomblé dedicado ao Orixá Ogum, onde o turista pode conhecer mais sobre os símbolos sagrados e peculiaridades da religião de matriz africana. Há, ainda, uma fonte de água, em torno da qual as famílias fundadoras do quilombo se instalaram.
E rumo a um dos pontos mais altos da Ilha de Itaparica, o esforço da subida é recompensado com uma vista panorâmica que contempla, de um lado, a orla de Salvador e, do outro, a costa da ilha.
Por fim, o visitante é convidado a produzir o próprio azeite de dendê. Mais experiente, Reitel tira os frutos do cacho com cuidado, pois há espinhos agressivos, e depois os coloca num pilão.
A técnica é pisar sempre no meio do recipiente, esmagar o dendê até as fibras se soltarem. Quando não restar mais nenhum fruto inteiro, é hora do próximo passo.
A massa resultante é colocada numa grande panela com água, onde é lavada e espremida para liberar o azeite de dendê. Numa cor amarelo-ouro, o líquido com menor densidade fica na superfície da água, sendo retirado com as mãos. O processo artesanal é demorado, muito cuidadoso e quase terapêutico.
Saindo dali, o insumo é levado para uma panela ao fogo onde, misturado com temperos, ferve, reduz e saboriza. Mas rende pouco. E por ser muito trabalhoso, Reitel lamenta que poucas pessoas queiram manter viva a tradição.
Segundo ele, falta incentivo para que elas fiquem na comunidade e melhorem a produção. Com isso, seria possível transformar o empreendedorismo por necessidade em empreendedorismo de oportunidade.
Se encaminhando para o fim da visitação, num canto do museu, uma lojinha expõe o artesanato de moradores da comunidade. São bonecas, bolsas, chaveiros e mandalas dos sonhos. O próprio azeite de dendê também pode ser comprado. A vivência custa R$ 100 por pessoa para grupos de até 15 indivíduos, com direito a almoço também. Visitas solo saem por R$ 150.
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