Em um churrasco com amigos da faculdade, dois estudantes reclamavam sobre as dificuldades que tinham com aplicativos de nutrição. A experiência do usuário não era boa o suficiente, era necessário inserir as informações das refeições manualmente e os preços cobrados eram altos para o serviço oferecido.
Foi durante essa conversa despretensiosa, que Rafael Cabral, 22, e Gabrio Lina, 21, decidiram colocar a mão na massa e criar uma plataforma concorrente. A partir do uso de inteligência artificial (IA), eles poderiam ajudar na dieta do usuário, ao calcular as calorias de cada refeição com base em imagens e retornar informações personalizadas, com tudo sendo gerido por um chat no WhatsApp.
Nascia ali a ideia da Snack Track, ainda como parte de um projeto para a liga de empreendedorismo do Instituto de Tecnologia e Liderança (Inteli), fundado em 2022 por iniciativa da família Esteves e do CEO do banco BTG Pactual, Roberto Sallouti.
A faculdade oferece cursos voltados para a área de tecnologia, com uma abordagem que privilegia à aplicação prática dos conceitos ensinados. Cabral e Lina, colegas na primeira turma de Ciência da Computação do Inteli, trabalharam durante cerca de três meses no projeto do Snack Track, que foi lançado, ainda em fase beta, para um número reduzido de usuários.
“Hoje temos IA em diversos setores. Há três anos, havia um app que trocava seu rosto com o de outra pessoa, o que é muito legal, mas algo momentâneo, que a longo prazo talvez não agregue tanto valor. A nossa ideia era usar essa análise (feita pela IA) e integrá-la no dia a dia do usuário”, explica Lina, que já programa desde a adolescência e trabalhava como desenvolvedor júnior na plataforma educacional Descomplica antes de ingressar na graduação.
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Testes da plataforma levaram à integração com nutricionistas
Como parte do projeto da faculdade, os estudantes não só desenvolveram a solução, como tiveram que ir atrás de potenciais clientes para testar a viabilidade do novo produto. Tentaram impulsionar anúncios na web e redes sociais, mas os primeiros usuários vieram mesmo de forma orgânica, por indicação de amigos e conhecidos.
Foi durante esse período que eles comprovaram algumas teses — como a de que o chat no WhatsApp para enviar as informações era mais prático do que um aplicativo dedicado — e absorveram sugestões — como o envio das informações colhidas pelo Snack Track para os nutricionistas dos usuários. “Ouvimos (dos usuários) que eles se sentiam muito mais confortáveis abrindo o WhatsApp para tirar uma foto numa mesa de amigos, por exemplo”, explica Cabral.
Com isso, a Snack Track evoluiu para uma plataforma completa de gestão nutricional, auxiliando os usuários a seguir a dieta e munindo os nutricionistas com informações atualizadas. No dia a dia, quem utiliza a plataforma pode fotografar e enviar pelo WhatsApp todos os alimentos que consome. A IA analisa a proporção das porções, identifica os ingredientes e cruza os dados com a Tabela Brasileira de Composição de Alimentos (TACO), que concentra informações nutricionais.
No próprio chat do WhatsApp, o usuário pode perguntar, por texto ou áudio, detalhes sobre o alimento e se ele está de acordo com a dieta sugerida pelo nutricionista. Além disso, a plataforma pode ser usada até na hora de se decidir o que comer. É possível obter ideias do que pedir por delivery ou enviar uma foto do cardápio do restaurante para receber recomendações, tudo sem sair da dieta.
“Quando o usuário passar no nutricionista, o profissional terá acesso ao painel do paciente com as informações alimentares. Assim, há uma maior humanização do processo (com o nutricionista fazendo a orientação alimentar). O tempo escasso do nutricionista é usado para trabalhar com o paciente”, afirma Cabral.
Faculdade tem cursos com metodologia baseada em projetos
Segundo Rajesh Rani, responsável pela diretoria de comunidade e cultura do Inteli, a faculdade surgiu a partir de uma demanda do mercado sobre a falta de profissionais com uma sólida formação técnica em tecnologia, assim como nas áreas de administração e gestão. “A gente também veio buscar as dores dos próprios jovens, permitindo a eles poder aprender com os colegas e conseguir desenvolver as competências técnicas que precisam”, afirma Rani.
Ele se refere à metodologia aplicada na instituição, onde os estudantes não têm disciplinas e sim projetos. Os conhecimentos são transmitidos pelos professores por meio de aplicações práticas em projeto, e para participar dos encontros é preciso ter estudado o conteúdo previamente.
“Aqui a provocação ao aluno é contrária, eles têm que estudar antes para poder aplicar os conhecimentos de base aos projetos”, explica Rani. É essa abordagem que leva a criação de diversos projetos dentro da instituição todos os anos. Alguns ajudam os estudantes a conseguir estágios em grandes empresas, outros, como a Snack Track, despontam como startups prontas para lançar seus produtos no mercado.
Algumas das startups que nasceram no Inteli são:
- Qual a Boa: aplicativo que funciona como uma rede social de eventos, acumulando mais de 10 mil usuários em São Paulo e conta com patrocínio da Microsoft.
- Doki: aplicativo que gerencia plantões médicos e facilita a emissão de notas fiscais e organização contábil destes profissionais
- Camelsec: empresa de cibersegurança com foco em aprimorar a capacidade tecnológico de negócios
Além da metodologia diferente, o Inteli também conta com um extenso programa de bolsas de estudo, que podem cobrir desde a mensalidade até os custos com moradia e alimentação. Segundo Rani, nos últimos três anos de existência do Inteli, cerca de 50% dos alunos contam com algum tipo de auxílio financeiro. É o caso dos criadores do Snack Track, ambos bolsistas da faculdade.
O projeto deles segue em fase de ajustes finais antes de estrear no mercado. O produto será oferecido por meio de assinatura, a um custo de R$ 100 mensais para nutricionistas e R$ 25 mensais para os usuários, a depender das necessidades de uso.
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