Vinho natural, de mínima intervenção, movimenta microvinícolas pelo País

Filosofia de sustentabilidade e do não uso de aditivos atrai pequenas empresas para o vinho natural; Feira Naturebas, pioneira no segmento, ocorre em SP em junho

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O restaurante de alta gastronomia Maní, em São Paulo, completou 15 anos e já teve a chef Helena Rizzo em listas de melhores cozinheiras do mundo. No mês passado, a casa lançou seu novo menu-degustação incluindo dois vinhos naturais, de mínima intervenção - um deles era o novíssimo Merlot da Montaneus, uma microvinícola do Sul que acabou de nascer e teve sua primeira safra produzida no ano passado. Teve 80% das 600 garrafas arrematadas pelo Maní.

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O caso ilustra um holofote que tem sido colocado em pequenos negócios de vinhos naturais, de produção em escala humana, de mínima intervenção, sem adição de produtos enológicos que a indústria geralmente usa, e que vêm ganhando mais destaque nos últimos tempos. Surfam uma tendência atual do mercado consumidor que levanta a bandeira de alimentos orgânicos, de base vegetal (plant based), em defesa do pequeno produtor e da sustentabilidade, dos princípios ESG e do clean label (rótulo limpo).

Ainda que vinhos naturais sejam vistos há anos, com nomes nacionais mais conhecidos como Era dos Ventos, Domínio Vicari e DeLucca, o movimento era mais tímido. Nos últimos quatro anos, o mercado viu surgirem novas vinícolas como Vivente, Montaneus, Casa Viccas e Outrovinho. Tudo é feito em pequena escala e de forma artesanal. Se vinícolas chamadas de butique, que ainda são pequenas, costumam produzir de 100 mil a 300 mil garrafas de vinho por ano, essas microvinícolas não passam de 15 ou 20 mil a cada safra, com unidades que podem passar de R$ 200.

O casal de fundadores da vinícolaMontaneus, Leonardo Haupt eGabriela Suthoff, que fazem vinhos naturais, de mínima intervenção. Foto: Acervo Feira Naturebas

No caso da Montaneus, fundada pelo casal Gabriela Suthoff e Leonardo Haupt, a safra 2021 produziu pouco mais de 2 mil garrafas em caráter de estreia e, em 2022, o volume foi a 7 mil garrafas. Para isso, eles fizeram nos dois últimos dois anos um investimento total de R$ 200 mil - compraram uma prensa de uvas, por exemplo, já que no ano anterior, prensaram as uvas à mão. A ideia da vinícola é não passar de 10 mil garrafas por ano, para manter o trabalho artesanal e de cuidado com a uva.

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Essa preocupação e filosofia se justificam na carreira de Leonardo, que trabalhou cerca de 30 anos na grande indústria vitivinicultora. “No meu primeiro emprego como enólogo, com 22 anos na mesma empresa, o que mais pesou para eu sair foi a agressão ao ambiente que eu estava fazendo e que não precisava fazer, com uso de agrotóxico e outros produtos”, conta ele, que além de enólogo também é viticultor (produtor de uvas).

Em 2019, o casal resolveu fazer vinhos naturais em casa, até que estruturaram a empresa em 2020, instalada nos arredores de Farroupilha (RS). “Nosso estilo de vida já era pautado nos orgânicos, somos coletores de cogumelos silvestres”, diz Gabriela. Segundo ela, o projeto da empresa envolve mais do que fazer apenas o produto final natural, sem conservantes ou clarificantes, mas ter uma relação sustentável com os produtores. “É um movimento de respeito à terra, e é esse respeito que vai para dentro da garrrafa.”

Movimento saudável e sustentável

Para a sommelière Patricia Brentzel, especializada há dez anos em vinhos de mínima intervenção, a pandemia foi um catalisador desse movimento. “O resgate de comer melhor e ajudar o pequeno produtor ficou cada vez maior. Muita gente passou a comer orgânico, vi isso acontecer também no vinho. O vinho natural está sendo mais demandado no mercado.”

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Dentro do conceito de se cuidar da terra, dos trabalhadores e dos produtores envolvidos, diz Patricia, deve estar clara a obrigação de as vinícolas remunerarem justamente o viticultor, não como a indústria faz. “É toda a sustentabilidade do processo.”

A sommelière Patricia Brentzel, especializada em vinho de mínima intervenção, faz curadoria de vinícolas pelo País. Foto: Katiuska Salles

Há 20 anos no setor de vinhos e após ter saído do trabalho em importadora, Patrícia passou a se dedicar na pandemia, como microempreendedora, a dois projetos próprios com vinhos de mínima intervenção: o Beba Bem em Casa (para pessoas físicas) e o Beba Bem Trade (pessoas jurídicas). “Mesmo restaurantes mais tradicionais, de vinho convencional, querem ter algum vinho orgânico na carta. Depois da pandemia, aumentou essa demanda.”

Em suas listas de opções oferecidas aos clientes, estão vinícolas como Montaneus, Domínio Vicari (que vinifica vinhos naturais desde 2008), Família Faccin, Outrovinho, Bellaquinta (que fica em São Roque, SP) e Casa Viccas - muitas dessas marcas participam da 10ª edição da Feira Naturebas, em São Paulo, evento no qual Patrícia também trabalha desde a primeira edição (leia mais abaixo).

A Casa Viccas, fundada por Vivian Vitorelli e Sarah Valar, fez sua primeira vinificação em 2019, com apenas 1.500 garrafas, com uvas compradas de terceiros (prática comum entre microvinícolas). Aumentou no ano seguinte para 4 mil garrafas e, nesta última safra, estabilizou em torno de 8 mil garrafas, com cerca de 16 rótulos. “A gente sempre tenta diminuir o número de rótulos, mas é uma tentação experimentar as uvas”, diz Sarah.

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Vivian Vitorelli (à esq.) e Sarah Valar, da Casa Viccas: vinho natural, de mínima intervenção. Foto: Davi Valar

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A dupla, que se divide entre São Paulo e Serafina Corrêa (SP), onde fica a vinícola e onde se formou a família de Sarah, tiveram o estalo para o negócio ao entrevistarem a vitivinicultora Lizete Vicari, do Domínio Vicari, para um documentário sobre mulheres no vinho. “Ao final, olhei para Sarah e falei: ‘Vamos virar personagem desse documentário? Vamos fazer vinho?”, conta Vivian, segundo quem foram investidos em torno de R$ 200 mil em equipamentos e reforma da vinícola recentemente.

Do mundo cervejeiro para o vinho

O movimento do vinho de mínima intervenção traz características de “garagem”, de quem começa a fazer o produto em volumes experimentais, em casa, antes de colocar um negócio de pé. É algo similar ao que se observou alguns anos atrás com moradores urbanos fazendo cerveja dentro de apartamentos. E foi daí que Pedro Cupertino tirou o gosto pela fermentação e teve a ideia, ao lado de dois sócios, para montar a Outrovinho.

Pedro faz cerveja artesanal em casa desde 2012, em Porto Alegre, e alguns anos atrás conheceu o trabalho do vinho numa vinícola de vinhos naturais de um amigo. “Quando fui (ao trabalho de campo), meu mundo veio abaixo, um mundo muito diferente. Tem toda uma questão política, de ser contra o que a indústria faz, mas também porque a gente queria fazer vinho para beber em casa.” 

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Os sócios-fundadores da Outrovinho,Davi Pretto (à esq.), Pedro Cupertinoe Paola Wink. Foto: Davi Pretto
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Viu que era possível e resolveu começar a vinificar em casa. Assim, foi chegando ao resultado sensorial que queria. Com receitas e estudos em mãos, aliou-se aos amigos e cineastas Davi Pretto e Paola Wink e, juntos, buscaram fazer a produção ao estilo cigano (usa-se a estrutura de uma vinícola já montada, mas com receitas próprias).

Em 2020, a Outrovinho lançou 4 mil garrafas, quantidade que vem mantendo nas últimas safras, com expectativa de que o negócio cresça num futuro próximo, mas não passe de 15 mil garrafas por ano.

A tal vinícola onde Pedro produz os vinhos é a Vivente, que fica em Colinas (RS), cuja primeira safra foi em 2018. Seus sócios, Diego Cartier e Micael Eckert, também têm uma alma dedicada à cevada e ao mundo da cerveja. Diego era beer hunter (caçador de marcas de cerveja pelo mundo) para um clube de assinaturas brasileiro, e Micael foi cofundador e mestre-cervejeiro da premiada marca Coruja.

Os vinhos naturais, explica Diego, têm um quê de cervejas como as lambics, de fermentação espontânea, suas preferidas, e foi assim que ele se apaixonou pela viniviticultura, há mais de 10 anos. 

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Os sócios da vinícola Vivente Diego Cartier (à esq.) e Micael Eckert (à dir.) abraçam o produtor de uvas Zulmir DeLucca, fornecedor da marca. Foto: Autorretrato

Desde 2018, quando lançaram 4.500 garrafas, foram dobrando de tamanho e chegaram a um equilíbrio de produção em torno de 17 mil a 20 mil garrafas por safra. A ideia é chegar a 30 mil, mas mantendo o negócio todo sustentável. “Não adianta ser sustentável na agricultura, na vinificação, e o negócio em si não ser sustentável.”

Assim, a maior questão para os sócios, dentro do cuidado artesanal que demanda uma vinícola de vinhos de mínima intervenção, que não serão corrigidos com outros insumos, é cuidar de todas as etapas, da colheita ao envase.

“Nós produzimos vinhos vivos. Apenas uvas fermentadas espontaneamente por leveduras selvagens e nada mais. Na indústria, se vende a ideia de terroir e safra, que pode ser uma bobagem, pois tem muita gente na indústria que adiciona tantos ingredientes que as uvas acabam sendo coadjuvantes.”

Feira Naturebas

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Evento chega à 10ª edição com 40 produtores brasileiros de vinho de mínima intervenção; na primeira edição, em 2013, eram apenas 6. No total, a feira organizada por Lis Cereja, da Enoteca Saint Vin Saint, receberá 113 expositores.

  • Quando: 18 e 19 de junho
  • Horário: 11h-13h (profissionais) e 13h-18h (público)
  • Ingresso: R$ 185 (1 dia) e R$ 340 (2 dias)
  • Local: Ocupação 9 de Julho, R. Álvaro de Carvalho, 427, Bela Vista, São Paulo-SP
  • Mais informações: www.feiranaturebas.com.br

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