Por uma década, a mineira Paula Moreira, de 37 anos, trabalhou com marketing de moda em Belo Horizonte (MG). Ela não pensava em sair do emprego para empreender, mas a busca por hábitos sustentáveis mostrou a oportunidade de investir em cosméticos biodegradáveis.
De um hobby para um negócio de sucesso: a história da OR Natural
No início, a ideia era fabricar xampu em barra e distribuir apenas para os amigos, mas a divulgação boca a boca trouxe clientes até do Recife (PE). Em 2020, ela decidiu fundar a OR Natural, com a ajuda da irmã, Isis Kroeff, de 30, que é engenheira civil.
No ano passado, elas inauguraram uma fábrica no sítio dos pais em Sabará (MG) e agora faturam em média R$ 20 mil por mês com uma linha completa de itens sólidos para banho.
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Receitas são inspiradas na avó das irmãs
Antes de ser apresentada aos produtos naturais, Paula já era acostumada a usar plantas para hidratar a pele e o cabelo. Ela aprendeu a ter esse hábito com a avó, que tem ascendência indígena.
Ao procurar por cosméticos sustentáveis, a empreendedora conheceu os xampus em barra, que não produzem lixo plástico da embalagem.
A inspiração da natureza: ingredientes e processos da OR Natural
Depois de fazer cursos sobre soluções orgânicas de beleza e terapia capilar, ela decidiu investir R$ 2 mil em matéria-prima para produzir os próprios produtos na casa dos pais, em Sabará.
A primeira remessa rendeu cerca de cem unidades de xampu. O planejado era distribuir a criação para os amigos ao longo de um mês, mas a notícia se espalhou pela cidade e o estoque durou só quatro dias.
“Eu não via aquilo como uma venda, então só calculei quanto gastei em cada item e cobrei um valor simbólico. Só percebi que tinha criado um negócio quando recebi uma encomenda de uma mulher que não era do meu núcleo familiar ou de amigos e morava no Recife”, conta.
O primeiro passo de Paula para estruturar a empresa foi levantar quais eram as principais queixas de transtornos capilares. Depois, ela listou quais plantas a avó usava para cada problema e procurou por estudos que fundamentassem a tradição.
“A nossa base é a ancestralidade, mas a gente precisava de um olhar técnico. Um exemplo é o capim-cidreira: a nossa família usava para tratar alergias e, com as pesquisas, descobrimos que realmente é uma erva com função antifúngica e antibactericida”, explica.
Construção da fábrica levou três anos
Isis, a irmã de Paula, foi quem ajudou a lidar com a parte administrativa. Na época, ela ainda morava em São Paulo, mas passou a trabalhar em home office durante a pandemia e foi ficar algumas semanas com os pais.
A oficina improvisada não conseguiu atender o aumento da demanda, então as duas decidiram que o ideal seria investir na construção de uma fábrica.
Elas pesquisaram as exigências legais na internet e Isis desenhou o projeto estrutural, mas a primeira solicitação foi rejeitada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
“A gente não fazia ideia de como todas as etapas eram longas e importantes, no começo foi um susto. Foi a parte mais desafiadora, mas as normas obrigatórias ajudam a facilitar o dia a dia da produção”, aponta Paula.
Construindo uma fábrica sustentável: os desafios e as soluções
Ela conta que um dos principais desafios foi encontrar máquinas, já que não existiam ferramentas específicas para cosméticos sólidos. A solução foi adaptar aparelhos utilizados na gastronomia.
O espaço foi inaugurado em 2023 e custou cerca de R$ 100 mil. Para arcar com os gastos, as irmãs participaram de um projeto que investe em empresas com inovações sustentáveis. Durante esse período, a produção da OR foi terceirizada.
“Ser um negócio disruptivo traz desafios novos até para quem fiscaliza. Tradicionalmente, uma fábrica de cosméticos teria um cômodo enorme para a área de embalagens, mas, no nosso caso, isso foi substituído por um armário”, destaca.
A OR é certificada como indústria de cosméticos pela Anvisa e como agroindústria familiar de cosméticos em barra pela Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais (Emater-MG).
Parceria com os Correios ajuda a baratear o frete
A principal fonte de renda da OR é o comércio digital, segundo Paula. Para reduzir o custo e o tempo do frete, a empresa tem uma parceria com os Correios: os produtos ficam armazenados no centro de distribuição da estatal e saem para a entrega logo após a venda.
Além do e-commerce, as irmãs também faturam com a distribuição para salões de beleza, hotéis e pousadas. “Tem clientes que passam a consumir a marca depois de conhecer por meio desses lugares, então é uma forma de expandir o nosso alcance, sem precisar de uma loja física própria”, analisa a empreendedora.
O produto mais vendido é o xampu, que também atrai o interesse do público masculino. A linha completa conta ainda com condicionadores e sabonetes. Os preços vão de R$ 9,80 a R$ 45,50. O faturamento médio mensal, segundo Paula, é de R$ 20 mil.
Planos incluem fábrica para matéria-prima e lojas em aeroportos
Um ano após a inauguração da fábrica, o processamento das ervas ainda é terceirizado, mas as principais metas da OR são conseguir a autorização para secar, triturar, fazer o pó e analisar a matéria-prima e abrir a segunda oficina. As irmãs já mantêm um jardim experimental, onde testam plantas para o desenvolvimento de produtos.
Paula explica que a outra parte do plano é transformar os vizinhos em fornecedores. “A gente quer montar uma rede de empreendedores por meio da agricultura. Estimular que eles utilizem pequenos espaços para plantar. Assim, vamos garantir que a nossa fabricação envolva a comunidade e agregue valor à marca”, afirma.
A longo prazo, elas querem investir em pontos físicos em aeroportos. A ideia ainda precisa ser amadurecida, mas Paula acredita que os produtos tenham o formato adequado para viagens, já que não correm risco de derramar e podem ser levados na mala de mão, diferentemente dos líquidos.
Avaliação de clientes
A OR Natural recebeu uma classificação média 5 de 5 estrelas no Google, com 61 avaliações até a publicação desta matéria. Os comentários são positivos e destacam a qualidade e benefícios dos produtos.
Os autores das notas concedidas não podem ser verificados. Eventualmente, comentários positivos ou negativos podem ser uma ação a favor ou contra a empresa.
A empresa não tem um perfil cadastrado no site Reclame Aqui.
Sustentabilidade é requisito obrigatório no mundo da beleza
A gestora estadual de beleza do Sebrae-SP, Maisa Blumenfeld, avalia que, no setor de cosméticos, a sustentabilidade caminha para deixar de ser um diferencial de mercado e se tornar um requisito obrigatório para a maior parte dos clientes, especialmente entre os mais jovens.
Ela aponta que os empreendedores brasileiros têm a vantagem de viver em um país com seis biomas diversos, que oferecem inúmeras possibilidades de matérias-primas. “Falamos muito sobre a Amazônia, mas as empresas podem explorar itens naturais do Cerrado ou da Mata Atlântica, por exemplo, para se destacar”, afirma.
Por outro lado, segundo a especialista, o principal desafio do setor são as normas e certificações. Os processos são necessários para atestar que o produto realmente é desenvolvido em uma cadeia sustentável e garantir a segurança dos consumidores, mas exigem um investimento maior em comparação com itens de fabricação sintética.
Maisa também explica que a identificação com o conceito de sustentabilidade é importante, mas que o empreendedor precisa se dedicar à gestão do negócio. “Nós vemos casos em que a pessoa investe motivada pela paixão, para defender um ideal, mas não se atenta a questões estratégicas, o que pode colocar tudo a perder”, diz.
Dicas para quem quer apostar no setor de cosméticos naturais
A especialista afirma que o primeiro passo para quem quer investir em cosméticos naturais é montar um plano de negócio, para listar os materiais e equipamentos necessários e os custos da produção.
Ela destaca que não é possível se inspirar em empresas de soluções sintéticas, já que os processos são completamente diferentes. A dica de Maísa é montar uma lista com fornecedores que estejam alinhados aos princípios do projeto e analisar qual a capacidade produtiva de cada um.
Além de definir quais serão os gastos e quem serão os parceiros, ela aponta que é necessário escolher se o público-alvo serão pessoas físicas ou jurídicas. “É possível atender os dois nichos, mas é interessante ter um foco, em salões de beleza ou no consumidor final, por exemplo, para trabalhar a identidade da marca”, explica.
Segundo a especialista, o empreendedor precisa deixar claro para o cliente os seus valores para atrair mais vendas. Ela recomenda que a empresa aposte em conteúdos nas redes sociais para mostrar quem são os fornecedores, onde eles estão localizados, qual o impacto na comunidade e como eles trabalham para diminuir os impactos ambientais.
Maisa afirma ainda que uma boa forma de aprender o que funciona no mercado, identificar novas tendências e fazer conexões é frequentar feiras de beleza, como Beauty Fair, Hair Brasil e Hairnor.
“Seja o mais experiente ou o mais jovem, é importante estar em contato com outros profissionais. Esses eventos ajudam a traçar estratégias e é possível até evitar erros com base na experiência de empresas semelhantes”, conclui.
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