78 pessoas continuam presas sem condenação por envolvimento nos atos golpistas de 8 de Janeiro

Golpistas estão presos preventivamente por representarem riscos à condução dos processos ou descumprimento de medidas cautelares

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BRASÍLIA - Passados dois anos do atentado golpista às sedes dos três Poderes, 78 pessoas seguem presas provisoriamente, ou seja, sem terem sido julgadas. O motivo exposto na maioria das decisões do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes para manter essas pessoas encarceradas é o descumprimento de medidas cautelares, como uso de tornozeleira eletrônica, ou ameaças à tramitação dos processos.

Imagem aérea, feita por volta das 16h do dia 8 de janeiro de 2023, mostra grupo de manifestantes pró-Bolsonaro invadindo e destruindo o prédio do STF, em Brasília Foto: Reprodução/Polícia Militar

Um dos réus que segue atrás das grades, no Centro de Detenção Provisória II de Guarulhos, Aildo Francisco Lima, 54 anos. Morador do Campo Limpo Paulista (SP), ele foi preso em setembro de 2023, na 17ª fase da Operação Lesa Pátria.

Segundo a Polícia Federal, Lima é um dos golpistas que invadiu o STF no 8 de Janeiro e, ainda, fez vídeo sentado em uma cadeira que fora arrancada do plenário. “Aê, pessoal. Essa daqui é a cadeira do ‘Xandão’. Tô sentado na cadeira do “Xandão’. P..., agora eu sou um ministro da Corte. Vamos lá, c...”, diz na gravação.

Segundo a PF, Aildo Francisco Lima participou da invasão ao STF; ele está preso desde setembro de 2023 Foto: Reprodução/STF

Em decisão de setembro do ano passado, Moraes negou recurso da defesa e manteve a prisão do investigado. O ministro alegou a necessidade de “garantia da ordem pública” e que os crimes dos quais Aildo Francisco Lima é acusado “podem totalizar 30 anos de reclusão”. A defesa pede perícia no vídeo citado pela polícia, alega que o suspeito não participou das invasões e que sentar na cadeira, “por si só, não configura nenhum crime”. Ele prestará depoimento no dia 15.

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Outro preso é Anilton da Silva Santos, de 42 anos. O morador de Nova Nazaré (Mato Grosso) foi preso em flagrante em frente ao Quartel General do Exército, em Brasília, na manhã seguinte aos atos golpistas por atacar o Estado Democrático de Direito e praticar terrorismo. Posteriormente, ele foi denunciado pelos crimes de incitação de animosidade das Forças Armadas contra as instituições e associação criminosa.

Santos foi solto provisoriamente em fevereiro de 2023 com a obrigação de cumprir medidas cautelares, mas, em maio do ano seguinte, retornou à prisão por ordem de Moraes por “reiterado descumprimento” das decisões. A Justiça do Mato Grosso informou a Moraes que o réu ficou mais de um mês com a tornozeleira eletrônica desligada e faltou quatro vezes às audiências marcadas para conferir o cumprimento das ordens.

“Mesmo em liberdade, o réu deliberadamente descumpriu as medidas cautelares a ele impostas. E não só. O fez em claro comportamento desafiador, de desrespeito a esta Suprema Corte e às decisões por ela proferidas”, escreveu Moraes em no dia 4 de outubro de 2024. “As medidas cautelares impostas não se mostraram eficazes para a garantia da aplicação da lei penal e ordem pública no caso posto”, completou.

Golpistas atacaram Supremo, Planalto e Congresso no dia 8 de janeiro de 2023.  Foto: Wilton Júnior/Estadão

Um caso semelhante é o da dona de casa Marlucia Ramiro, de 64 anos, que está presa desde março de 2023. Moraes argumentou na decisão que impôs a prisão preventiva que a medida é “razoável, adequada e proporcional para garantia da ordem pública e para a cessação da prática delituosa”. O ministro afirmou no despacho que a idosa “integra associação criminosa que, de forma reiterada e ostensiva, atentou contra a Democracia e o Estado de Direito, pleiteando a implantação de um governo militar”.

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Em outubro do ano passado, a defesa de Marlúcia pediu a revogação da prisão preventiva alegando que a dona de casa sofria com problemas de saúde que seriam impossíveis de serem tratados adequadamente no sistema prisional. A idosa foi submetida a um exame médico, que, conforme citado por Moraes, atestou que ela estava “em bom estado geral, calma, consciente, deambulando normalmente, sinais vitais normais”.

O ministro-relator das ações penais do 8 de Janeiro rejeitou o pedido de revogação da prisão, pois “há fundado receio de que, em liberdade, possa encobrir ilícitos, alterar a verdade dos fatos, coagir testemunhas, ocultar dados e destruir provas, fundamentos que são suficientes para justificar a manutenção da prisão preventiva”.

Consta na lista de presos provisórios o nome do comerciante Hamilton Oliveira Filho, de 27 anos, que cumpria medidas cautelares até novembro passado, quando foi preso por descumprir medidas preventivas. No dia 8 de agosto, o réu cruzou os limites da área autorizada para o seu deslocamento. Ele foi conduzido a uma delegacia após agredir o sobrinho de 9 anos de idade. Na avaliação de Moraes, o ocorrido “evidencia a periculosidade social do réu e risco à ordem pública ao permanecer em liberdade”.

Na avaliação do defensor público federal Gustavo de Almeida Ribeiro, que atua em algumas das ações penais em curso no STF, “há uma massa desigual de pessoas”, com diferentes situações econômicas e casos, que “foram tratadas todas na mesma situação”. “Em alguns casos haveria a necessidade de uma explicação maior, ou uma justificativa melhor antes de se prender, e em outros casos houve realmente descumprimento reiterado (de ordens judiciais) e sem explicação”, afirmou.

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Além dos 78 presos provisórios, existem outras 71 pessoas presas definitivamente, em regime fechado, pelos crimes cometidos no dia 8 de Janeiro de 2023. O gabinete de Moraes já expediu outros 61 mandados de prisão de réus com processos concluídos, mas essas pessoas estão foragidas, assim como outras 61 pessoas com pedidos de extradição.

Das 1552 ações penais em curso no STF, 375 foram julgadas até o momento, resultando em 371 condenações e 4 absolvições. Em alguns casos, a Procuradoria-Geral da República (PGR) ofereceu aos réus a possibilidade de assinarem acordos de não persecução penal que convertem as penas e medidas alternativas, como um curso de reeducação sobre democracia, multas e serviços comunitários. Até o momento, foram assinados 527 acordos.

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