94 mortos compraram mais de 16 mil munições para armas de fogo durante o governo Bolsonaro

Dados constam em auditoria sigilosa do TCU e abrange período da gestão do ex-presidente, quando acesso a armamento foi afrouxado; Exército não comenta

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Foto do author Tácio Lorran

BRASÍLIA - Um total de 16.669 munições para armas de fogo em acervos de CACs (Colecionadores, Atiradores e Caçadores) foi adquirido por 94 pessoas declaradas como mortas, entre 2019 e 2022. O dado foi obtido pela área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU) em auditoria que apontou “sérias fragilidades” e “riscos à segurança pública” no controle de armas realizado pelo Exército.

“As situações evidenciam alto risco de fraude e outras condutas ilícitas na transação, seja do comprador – o qual pode ter apresentado documento falso ou comprado munição para arma sabidamente extraviada, por exemplo – seja do vendedor – o qual pode ter se omitido no dever de cobrar a apresentação da documentação ou, até mesmo, ter lançado uma venda no nome de outrem, por exemplo”, diz o documento.

Quase 12 mil pessoas que morreram entre 2019 e 2022 tinham mais de 21 mil armas registradas em seus nomes Foto: Tiago Queiroz/Estadão

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Procurado, o Exército informou ter se manifestado sobre o relatório no âmbito do processo do TCU, mas se recusou a dar detalhes em razão do caráter sigiloso da ação (leia a íntegra da nota ao fim desta reportagem).

Durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foram afrouxados os critérios para acesso a armas. O relatório obtido pelo Estadão mostrou ainda que 5.235 pessoas em cumprimento de pena puderam obter, renovar ou manter os chamados certificados de registro (CR). São pessoas condenadas por crimes graves, com mandados de prisão em aberto e com suspeitas de terem sido usadas como laranjas pelo crime organizado conseguiram a “carteirinha” de CAC. As constatações estão em relatório de auditoria do TCU que apontou também falta de informações obrigatórias sobre os donos de armas, como o endereço profissional.

Em paralelo, a auditoria apontou um cenário ainda mais complexo envolvendo CACs falecidos. Os 11.912 que morreram entre 2019 e 2022 tinham 21.442 armas registradas em seus nomes. O arsenal aparece no Sistema de Gerencial Militar de Armas (Sigma) com o “status ok”, ou seja, sem restrição específica.

Para o TCU, há risco de desvio e de uso inadequado dos equipamentos, com impacto na segurança pública. “Mais importante do que verificar as pessoas cadastradas no sistema que já vieram a óbito é levantar as armas de fogo vinculadas a elas, pois são esses instrumentos que impactam diretamente a segurança pública se desviados ou mal-empregados”, ressalta o relatório.

A discrepância entre a condição de falecido e o status dos armamentos é justificada por dois fatores. O primeiro é o não cumprimento, pelo herdeiro, do dever de comunicar a morte ao Exército. O outro é a falta de proatividade dos militares em irem em busca de arsenais que ficam sem dono.

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“A autoridade militar também falha ao não acompanhar adequadamente essas lacunas de comunicação e, em especial, ao não adotar posturas mais ativas de fiscalização de acervos de proprietários possivelmente falecidos como, por exemplo, providenciar acordos para acesso a bancos de registro de óbitos com o objetivo de realizar cruzamentos com as bases de pessoas físicas do Sigma”, frisa o relatório.

Em nota ao Estadão, o Exército informou que recebeu o relatório preliminar do TCU e apresentou as manifestações “julgadas de interesse da Força” no âmbito do processo, dentro do prazo determinado.

“Vale ressaltar que trata-se de documento preparatório e de caráter sigiloso, conforme previsto no Art. 3º, inciso XII do Decreto nº 7.724, de 16 de maio de 2012, que regulamenta a Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011. Assim, não cabem considerações a respeito do seu conteúdo. O Exército vem adotando todas as medidas cabíveis para aperfeiçoar os processos de autorização e fiscalização dos CAC”, acrescentou o Exército, em comunicado.

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