BRASÍLIA - Em dois anos de mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, a Comissão de Ética Pública (CEP) da Presidência puniu cinco ministros do governo de Jair Bolsonaro, enquanto arquivou denúncias contra aliados do petista. O colegiado livrou 17 integrantes do primeiro escalão do atual governo de censura ética, uma penalização válida por três anos e que funciona como uma “mancha” no currículo de servidores do Executivo.
Procurado, o Planalto afirmou que “decidiu os casos com base nos princípios e normas éticas constantes do Código de Conduta da Alta Administração Federal, com absoluta isenção e assegurando a todos os acusados o direito ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa. Julgou os casos concretos, sem fazer qualquer distinção quanto à gravidade dos fatos ou à pessoa do acusado. Respeitado o direito à privacidade dos interessados, todas as pautas e decisões da CEP são publicadas no seu site”.
O ex-ministro da Educação Abraham Weintraub foi o bolsonarista com mais sanções sofridas. Ele recebeu três punições. Uma delas se deveu a ofensas ao patrono da educação brasileira, Paulo Freire, a quem se referiu como “feio”, “fraco” e “energúmeno”. O pedagogo morreu em maio de 1997. Já Gilson Machado, ex-titular do Turismo, foi punido por chamar Lula de “safado, ex-presidiário e cachaceiro” em seu perfil no X (antigo Twitter), em novembro de 2021.
Estes atos foram considerados mais graves do que, por exemplo, o uso de avião da Força Aérea Brasileira (FAB) pelo ministro das Comunicações, Juscelino Filho, para ir a um leilão de cavalos em São Paulo. Ou do que a atuação de seu sogro, Fernando Fialho, que fez despachos junto a aliados como se fosse servidor da pasta.
Revelados pelo Estadão, ambos os casos foram arquivados. Sobre a ingerência do sogro de Juscelino na gestão do Ministério, o relator Bruno Espiñera Lemos alegou que a atuação de um parente era “compreensível” devido ao caráter voluntário do serviço e à experiência de Fialho na administração pública.
“É compreensível que o interessado José Juscelino dos Santos Rezende Filho, ao assumir tão importante pasta, tenha procurado cercar-se, no âmbito do MCom, de pessoas que conhecem a estrutura e os meandros da Administração Pública”, sustentou.
Outro caso levado ao arquivo é do ministro chefe da Controladoria Geral da União (CGU), Vinícius Marques de Carvalho. O escritório de advocacia do qual fez parte antes de entrar no governo, o VMCA Advogados, recebia valores da empreiteira Novonor (antiga Odebrecht) para atuar no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE).
“Nós chegamos à conclusão de que o escritório do qual ele faz parte e está licenciado não tem processo na CGU. Além disso, aquela reunião que ele participou [com a Odebrecht] era uma reunião genérica. E sobre as entrevistas que ele tinha dado, também não foram levadas em consideração situações específicas desse ou daquele caso. Foram entrevistas que ele deu de forma geral”, afirmou o presidente da CEP, Manoel Caetano, à época em conversa com o Estadão.
O colegiado proibiu Marques de Carvalho de receber participação nos lucros da banca, atualmente gerida por Marcela Mattiuzzo, sua namorada.
Também foram arquivados processos de apuração contra alguns dos principais nomes do governo, como os ministros da Fazenda, Fernando Haddad, da Casa Civil, Rui Costa, de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e do Meio Ambiente, Marina Silva. Os casos dizem respeito a denúncias de conflito de interesses, manifestações partidárias no exercício do cargo e uso indevido do aparato governamental. No período de dois anos, a comissão também arquivou casos contra 11 ministros de Bolsonaro.
O levantamento contou apenas processos públicos da CEP. Alguns são sigilosos. É o caso, por exemplo de duas denúncias feitas contra o ex-ministro dos Direitos Humanos Silvio Almeida, demitido após ser acusado pela ONG Mee Too de assédio sexual. Uma das vítimas seria a ministra da Igualdade Racial, Aniele Franco. Os processos na CEP, no entanto, diziam respeito a outros temas, de acordo com a Casa Civil.
Também não se levou em conta punições e arquivamentos de processos contra figuras de segundo escalão. É o caso, por exemplo, do ex-presidente da Petrobras Jean Paul Prates no governo Lula, que teve dez processos arquivados.
Filipe Martins, ex-assessor chefe da Assessoria Especial de Assuntos Internacionais da Presidência de Bolsonaro, foi punido por fazer gesto supremacista. Além dele, o ex-presidente da Caixa Pedro Guimarães recebeu censura ética por assédio sexual contra funcionárias do banco.
A CEP puniu ministros de Bolsonaro por casos que marcaram o governo do ex-presidente. Um deles é Milton Ribeiro, ex-ministro da Educação. A comissão lhe aplicou censura ética por permitir a pastores evangélicos acesso privilegiado ao Ministério da Educação durante o governo de Jair Bolsonaro. Conforme revelou o Estadão, os religiosos organizaram uma espécie de “gabinete paralelo”, em que mediaram reuniões com prefeitos e discutiram até mesmo a destinação de verbas da pasta. O caso gerou a demissão de Ribeiro, que integrou a CEP até 2020, antes de assumir o comando do MEC.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.