A meia-verdade de Tebet sobre o empréstimo à Argentina; leia análise

Ao contrário do que declarou a ministra, o governo brasileiro repassa recursos da União para o banco de desenvolvimento da América Latina (CAF)

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Por Sérgio Praça
Atualização:

Simone Tebet (MDB), ministra do Planejamento e Orçamento do governo Lula (PT), ofereceu explicações à Comissão Mista de Orçamento (CMO) do Congresso Nacional sobre um empréstimo feito pelo CAF (Corporação Andina de Fomento, um banco de desenvolvimento regional) para a Argentina com aprovação do Brasil. Ela cometeu um erro importante em sua fala. Ao contrário do que disse, o cidadão brasileiro custeou, sim o empréstimo. Vamos à história toda.

No início desta semana, o Estadão publicou que o presidente Lula teria ligado para Tebet sobre esse empréstimo, reforçando a necessidade de ajudar a Argentina. O governo Lula, através do assessor George Marques (Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República) e de Tebet, negou que a ligação tenha ocorrido. Até aí, tudo normal. O governo pode proclamar vitória à vontade e o cidadão que decida acreditar ou não.

A sede do CAF fica em Caracas, na Venezuela. Foto: Divulgação/CAF

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Tebet tem ótima reputação. É confiável, prepara-se tecnicamente bem e nomeou uma boa equipe. Mas a política tem como mínimos denominadores comuns (MDCs) a ambiguidade, a tergiversação e a mentira. Ainda que a carreira de Tebet não possa ser resumida a isso, é certo que, por não ser do PT, a ministra tenha de demonstrar lealdade engolindo alguns sapos, regurgitando-os na forma desses MDCs.

O sapo do empréstimo da CAF para a Argentina veio tranquilo, sem veneno. Tebet negou ter falado com Lula; defendeu, corretamente, que uma Argentina quebrada, sem condições de pegar empréstimos com o FMI, seria terrível para o Brasil; reconheceu, corretamente, que é natural que o Ministério das Relações Exteriores (comandado, na prática, pelo assessor presidencial Celso Amorim) ajude o Ministério do Planejamento e Orçamento a tomar decisões em assuntos desse tipo.

O Brasil é um dos 21 países acionistas do CAF, que funciona, em muitos aspectos, como um banco privado. Cada país compra ações do banco mediante pagamento. O banco decide, em reuniões colegiadas, quais empréstimos serão efetuados (e sob quais condições). Eles são custeados com dinheiro dos países-membros. Podem ser muito bons para esses países, é claro, mas não necessariamente. Todo empréstimo é arriscado.

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Na CMO, Tebet errou o valor do empréstimo pedido no fim de julho para a Argentina. Disse “um bilhão de reais”, em vez de um bilhão de dólares (cerca de cinco bilhões de reais). A ministra também disse: “Não tem dinheiro federal brasileiro lá [no CAF]. Não estamos tirando dinheiro do Brasil para colocar lá”.

Mas uma rápida pesquisa no Portal da Transparência do Governo Federal (https://portaldatransparencia.gov.br/busca/pessoa-juridica/RB1705115-corporacao-andina-de-fomento---caf--mp-) mostra que o CAF já recebeu R$ 2,81 bilhões do Brasil.

Foram vinte aportes – o menor de R$ 1,4 milhão, o maior de R$ 465 milhões – de março de 2014 a dezembro de 2022. No linguajar dos orçamenteiros, o dinheiro é classificado como “inversão financeira”, equivalente a “investimentos” federais.

Para o argumento de Tebet, pouco importa a natureza da despesa. É dinheiro de impostos dos cidadãos que poderia ter sido usado para outra coisa. O custo de oportunidade, usando economês, nesse caso, parece ter sido ok. O CAF recebeu de volta o dinheiro. Caso não o tivesse, um risco não desprezível considerando que o devedor é a Argentina, o Brasil teria arcado com R$ 200 milhões de prejuízo.

Aí está a esperteza da ministra Simone Tebet. Ela está “certa” considerando que não necessariamente o governo brasileiro não teria que tirar dinheiro do orçamento para pagar esse possível calote. O que ela preferiu omitir é que esse dinheiro já saiu do Tesouro Nacional e não volta mais.

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