Dez meses após encomendar um estudo para avaliar a possibilidade de conceder tarifa zero no transporte público da capital, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) costura com sua base aliada na Câmara Municipal a aprovação de um projeto de lei que amplia o passe livre para desempregados e beneficiários de programas sociais, como o Bolsa Família. Menos ousada, a proposta, se aprovada, seria colocada em prática em 2024, ano eleitoral, a tempo de virar tema de campanha.
Pré-candidato à reeleição, Nunes trabalha fortemente para montar uma ampla aliança partidária na disputa contra o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL), que terá o apoio do PT em 2024 em sua segunda tentativa de chegar à Prefeitura. O parlamentar lidera as pesquisas de intenção de voto e tem a tarifa zero como bandeira política e proposta oficial de governo. Já Nunes tem enfrentado dificuldades para consolidar uma marca de sua gestão.
Até aqui, os principais projetos anunciados ainda por Bruno Covas (PSDB) não saíram do papel. Muitos deles justamente na área de mobilidade. Para “compensar”, Nunes mantém a tarifa de ônibus congelada na cidade desde 2020 a R$ 4,40, o valor unitário.
Na Câmara, o projeto foi elaborado pelos integrantes da Subcomissão da Tarifa Zero, vinculada à Comissão de Finanças e Orçamento, mas já tem o apoio de parlamentares de fora do grupo e até mesmo da oposição. É o caso dos irmãos Jair Tatto e Arselino Tatto, ambos do PT. “Estamos fazendo o movimento necessário para isso (a aprovação da lei), mas pode acontecer de o prefeito querer mandar um projeto do Executivo com esse mesmo objetivo. É só essa a dúvida”, afirmou Jair.
Paulo Frange (PTB), autor oficial do projeto, explica que a iniciativa é autorizativa, ou seja, permite que a Prefeitura adote a gratuidade sugerida. “É isso que podemos fazer na Casa: abrir a possibilidade e não obrigar. Acreditamos que esse seja o caminho para evoluirmos aos poucos para a tarifa zero completa. O que precisamos é começar a criar os mecanismos”, disse.
Pelo texto proposto, no entanto, o chamado “Vale Transporte Social” não seria ilimitado. Os vereadores sugerem inicialmente dar o benefício de 44 viagens mensais para pessoas inscritas no CadÚnico (Cadastro Único) e contempladas por programas sociais do governo federal e para os desempregados listados pelo Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) com residência comprovada na capital paulista.
Segundo dados oficiais do governo federal, a cidade de São Paulo é a que reúne mais famílias beneficiárias do Bolsa Família: 716.834.
Mas o vice-presidente do colegiado, vereador Isac Félix (PL), já fala em ampliar o passe livre para jovens de baixa renda que cumprem estágio em empresas da capital e até mesmo iniciar o programa com crédito para 60 viagens e não 44. Até chegar ao plenário são esperadas mais mudanças no texto.
A disputa pela Prefeitura de SP
Para o coordenador de mobilidade do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), Rafael Calabria, os vereadores devem mesmo “corrigir” o limite estabelecido no texto original do projeto. “A partir de março de 2025 a remuneração do sistema de ônibus não será mais feita por passageiro transportado, o que tornará o impacto desse benefício quase que nulo. Dessa forma não faz sentido limitar o número de passagens na tarifa zero”, explica.
Ao sancionar ou propor tal projeto, Nunes retomará uma ideia de seu antigo aliado e atual desafeto político: o ex-prefeito e atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Em 2015, o petista vetou projeto semelhante aprovado pela Câmara por questões orçamentárias. Depois, tentou emplacar o programa via decreto, mas desistiu pela segunda vez por sugestão da Justiça Eleitoral. A criação de um benefício novo em ano eleitoral poderia configurar compra de voto. Risco que Nunes sabidamente não quer correr.
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