Advogadas de Flávio se encontraram com chefe da Receita um dia após reunião com Jair Bolsonaro

Advogadas do senador estiveram com José Tostes após sugestão de ‘conversa’ do então presidente; uma das defensoras de Flávio Bolsonaro na Justiça também esteve no Planalto

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Foto do author Juliano  Galisi
Atualização:

Um dia após a reunião em que presidente Jair Bolsonaro (PL) sugeriu uma “conversa” com o chefe da Receita Federal para avaliação do caso envolvendo a possível prática de “rachadinha” no gabinete de Flávio Bolsonaro (PL-RJ), enquanto era deputado estadual no Rio, as advogadas Juliana Bierrenbach e Luciana Pires, defesoras do senador, se encontraram com José Tostes Neto, então secretário especial da Receita.

A reunião com a sugestão de Bolsonaro ocorreu em 25 de agosto de 2020 e não estava na agenda oficial do presidente. A transcrição do áudio encontrado pela Polícia Federal (PF) revela que, durante o encontro, o então presidente afirmou que a situação diante do inquérito contra Flávio poderia ser “o caso de conversar com o chefe da Receita”. As advogadas estavam na reunião e, no dia seguinte, participaram de agenda com José Tostes.

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O sigilo da gravação foi suspenso nesta segunda-feira, 15, pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Após a divulgação do material, Fabio Wajngarten, ex-assessor e advogado de Jair Bolsonaro, saiu em defesa do ex-presidente, alegando que a conversa exposta “só reforça o quanto o presidente ama o Brasil e o seu povo”.

Já Flávio Bolsonaro disse que não foram tratadas ilegalidades durante a reunião. “O áudio mostra só as minhas advogadas comunicando as suspeitas de que um grupo agia com interesses políticos dentro da Receita Federal, com o objetivo de prejudicar a mim e a minha família”, disse o senador em vídeo publicado nas redes sociais.

A advogada Juliana Bierrenbach, por sua vez, disse que uma reunião do gênero era “necessária” diante da situação do processo envolvendo Flávio, mas que não tinha conhecimento prévio de que o então presidente estaria na audiência.

“Eu não tinha a mais remota ideia, foi um susto para mim quando entrei na sala e encontrei o presidente e o Ramagem. Eu achei que fosse ter uma reunião com o general (Augusto) Heleno e com algum assessor dele, foi o que me foi dito”, disse Juliana em entrevista ao portal Metrópoles nesta terça-feira, 16.

Luciana Pires e Juliana Bierrenbach, advogadas de Flávio Bolsonaro, se encontraram com José Tostes em 26 de agosto de 2020 Foto: Câmara dos Deputados

A informação sobre o encontro com o secretário consta em um relatório de agendas emitido pela Receita em junho de 2021, em resposta a um requerimento de informação da deputada federal Natália Bonavides (PT-RN). Segundo o registro enviado à Câmara, Juliana e Luciana estiveram com Tostes das 18h às 19h do dia 26 de agosto de 2020, para uma “visita de cortesia”.

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Além disso, horas antes, Luciana esteve no Palácio do Planalto. É o que aponta um registro solicitado ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI) via Lei de Acesso à Informação (LAI). De acordo com o documento, que não especifica quem Luciana encontrou no local, a advogada entrou no prédio às 11h05 e permaneceu lá até às 11h26. Apesar dos registros de entrada e de saída, o nome de Luciana não consta em nenhum compromisso da agenda pública da Presidência.

O áudio da reunião de 25 de agosto foi gravado por Alexandre Ramagem (PL-RJ), deputado federal que, na época, era o diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). A peça foi periciada pela Polícia Federal e consta nos autos da investigação que embasou a Operação Última Milha, que apura a existência de um sistema de informações “paralelo”, com fins políticos, dentro da estrutura da Abin no governo Bolsonaro.

Além de Jair Bolsonaro, de Ramagem e das advogadas de Flávio, também estava presente no encontro de 25 de agosto o general Augusto Heleno, então chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). É a ele que Juliana se dirige ao expor que o GSI deveria solicitar uma “averiguação” das investigações da Receita contra Flávio Bolsonaro.

“É, general (Heleno). Especialmente pro GSI. Por quê? É um pedido de averiguação. Dos sistemas de inteligência que atendem à Receita Federal, mas o pedido precisa, a averiguação precisa, feita, feito pelo Serpro”, afirmou a advogada durante a reunião. O Serpro é o serviço que realiza o processamento de dados ao governo federal.

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Além do encontro das duas advogadas com Tostes em 26 de agosto, a Receita também informou que, dias depois, em 4 de setembro de 2020, houve um encontro entre Juliana e o secretário. Em 17 de setembro, foi Luciana quem esteve com Flávio e José Tostes. Esta última reunião, segundo o órgão, foi solicitada pelo próprio parlamentar.

No requerimento de informações da Câmara, a Receita foi questionada se era usual que o secretário especial recebesse cidadãos para prestar esclarecimentos sobre situações fiscais e jurídicas. Em resposta, o órgão afirmou que o procedimento “não é incomum”.

“Não é incomum o Secretário Especial da Receita Federal do Brasil receber em audiência sujeitos passivos de obrigações tributárias ou seus representantes legais e entidades representativas de segmentos da sociedade não só para tratar de situação fiscal, mas de todas as matérias de competência da Receita Federal”, respondeu órgão.

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Especialista diz que reuniões infringem preceito de impessoalidade da gestão pública

Conseguir uma agenda com um agente público para obter informações sobre um processo específico não só é incomum como infringe o preceito de impessoalidade da gestão pública. É o que explica Marco Antônio Teixeira, cientista político e professor do Departamento de Gestão Pública da FGV/EAESP.

“Instituições de Estado são instituições de Estado, não importa quem é o contribuinte. Todos precisam ser tratados da mesma maneira”, disse o professor. “É um uso claro das estruturas de governo, de pessoas com cargos de primeiro escalão, para a tentativa de construir uma defesa de seu filho”, afirmou, em referência a Bolsonaro.

Para Teixeira, o trâmite alheio aos canais institucionais da Receita indica que a audiência entre Tostes, defensores e Flávio Bolsonaro só ocorreu por estar na órbita de influência do presidente da República. “Isso agrava a situação de Bolsonaro em termos de Justiça”, afirmou o cientista político.

Já para Felipe de Melo Fonte, professor de Direito da FGV do Rio de Janeiro, não constitui como ilícito, por si só, o encontro que Jair Bolsonaro convocou no Planalto entre a defesa do filho e assessores. “Não há nenhum problema em receber as pessoas, ouvir e apresentar razões e pleitos”, diz Fonte. “O ilícito pode estar no teor da conversa”.

Quanto ao encontro entre Flávio e defensores com o chefe da Receita, pode haver sanção ao ex-secretário até no âmbito regimental. “Se ele (José Tostes) ofereceu a expertise dele para tratar de um processo penal, isso, segundo os regulamento da atividade da Receita (Federal) não é permitido”, diz Fonte.