A Advocacia-Geral da União (AGU) deve aconselhar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a vetar parte da lei que estabelece o marco temporal das terras indígenas. A ideia é respeitar a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que decidiu pela inconstitucionalidade do marco no dia 21 de setembro, e evitar atrito com o Senado, retirando o Executivo do palco da disputa.
Como antecipou o Estadão, logo depois da votação que aprovou o projeto de lei, interlocutores do presidente já diziam que o petista vetaria o texto. A aprovação do marco temporal na Câmara dos Deputados, por ampla maioria e em regime de urgência, foi um dos reveses que a Casa impôs ao presidente durante o primeiro semestre do ano. Para apaziguar a relação com os deputados, o governo Lula inaugurou um novo recorde em liberação de emendas Pix aos parlamentares.
O projeto de lei do marco temporal foi para o Senado sob a promessa do presidente Rodrigo Pacheco (PSD-MG) de uma tramitação minuciosa. No entanto, o julgamento do Supremo atravessou os senadores, que pautaram e aprovaram a normativa no dia 27 de setembro, uma semana depois. O Planalto tem 15 dias para decidir se veta ou sanciona a lei - e a oposição já se articula para derrubar no Legislativo um possível veto do presidente.
Se Lula decidir atender ao conselho da AGU, terá que se manifestar dentro do prazo de 15 dias previsto na Constituição. Isso porque, depois disso, a lei diz que o silêncio da presidência leva a uma sanção tácita do projeto. O veto, ao contrário, precisa ser explícito.
A rejeição do marco temporal das terras indígenas é uma das bandeiras do governo, que criou uma pasta para os povos originários, comandada por Sônia Guajajara. Na Esplanada, o único dissidente declarado é o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, que disse ser a favor do marco durante uma entrevista concedida em maio deste ano. A sanção do projeto de lei teria um alto custo político para o presidente, enquanto o veto retira o Executivo da cena e preserva o governo de novos desgastes.
Ainda que o Congresso derrube o veto presidencial e sancione, por sua iniciativa, o marco temporal, a discussão sobre a validade do projeto de lei se arrastará entre Legislativo e Judiciário. Como o Supremo decidiu no dia 21 de setembro que a tese que respalda a proposta é inconstitucional, a tendência é que esse mesmo entendimento seja aplicado a quaisquer as normativas que ressuscitem o tema.
Uma liminar vinda de um ministro do STF é suficiente para suspender a vigência de uma lei considerada por ele inconstitucional. É o que pode acontecer se o Congresso derrubar o veto do presidente e sancionar o marco temporal.
De olho nesse tipo de possibilidade, o Legislativo tem resgatado diversas propostas de emenda à Constituição (PEC) que limitam os poderes do Supremo. Na última quarta-feira, 4, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou em cerca de 40 segundos, por meio de uma votação simbólica, uma PEC que impede os ministros de derrubarem, por meio de decisões monocráticas (aquelas em que decidem sozinhos) leis de alcance nacional, atos do presidente da República e dos presidentes da Câmara e do Senado. O próximo passo é o plenário.
Entre os deputados, ganha forma uma PEC que permite à Casa derrubar as decisões do Supremo, mesmo que transitadas em julgado (finalizados os prazos de recurso). A proposta foi protocolada com a assinatura de 175 parlamentares e é encabeçada pela Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), aliada a outros grupos conservadores da Câmara.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.