BRASÍLIA - O procurador-geral da União, Marcelo Eugênio, confirmou ao Estadão que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai atuar para pedir a exclusão de postagens que considerar desinformativas. O assunto tem causado polêmica sobre qual conceito será adotado para definir o que é ou não desinformação e abriu discussão a respeito do risco de censura nas redes sociais.
O próprio perfil oficial da Secretaria de Comunicação da Presidência no Twitter, no entanto, tem sido alvo de críticas por compartilhar informações que podem ser classificadas como inverídicas. Nesta quarta-feira, 25, por exemplo, o governo postou um banner no qual afirma não haver risco de prejuízo nos financiamentos de obras no exterior pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
“Os acordos têm garantias, seguro e há uma larga tradição de receber o que emprestou”, diz a imagem. A publicação principal alcançou 170 mil visualizações, às 17 horas. “Mas isso é falso. Risco existe. Pode ser pequeno, mas está lá”, escreveu o economista e colunista do Estadão Pedro Nery ao compartilhar a publicação.
Leia também...
A página oficial do Palácio do Planalto também já tratou como “golpe” o impeachment de Dilma Rousseff (PT), que seguiu os trâmites constitucionais. O PSDB foi à Justiça para questionar o governo. “Afirmar que o impeachment de Dilma se constituiu em ‘golpe’ é ato desprovido de verdade. Golpe, no sentido político, é aquele em que os representantes eleitos são destituídos de seu cargo fora das regras previstas na Constituição”, destacou o partido.
No governo Jair Bolsonaro, o compartilhamento de notícias falsas era rotina, tanto que, à época, se formou o chamado “gabinete do ódio”, com o objetivo de disseminar informações enviesadas. Foi nas redes sociais e nos aplicativos de mensagens que apoiadores do ex-presidente articularam os atos golpistas do último dia 8, quando vândalos invadiram o Palácio do Planalto, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF).
As ações contra desinformação serão agora propostas pela recém-criada Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia, vinculada à Advocacia-Geral da União (AGU). “Vamos atuar em qualquer ameaça à integridade da Nação. Eventualmente, se houver algo desta natureza, dentro, efetivamente, do conceito de desinformação, é possível (atuar na exclusão de publicações)”, afirmou Eugênio ao Estadão.
O procurador-geral disse que o conceito de desinformação ainda será definido e negou se tratar de censura. “O raio de ação da Procuradoria é garantir a liberdade de expressão. Quando se tem fluidez na desinformação, existe uma limitação da liberdade de expressão. Mas o nosso foco é a integridade da ação pública, risco da ação pública, do acesso aos serviços públicos, da deslegitimização dos Poderes”, observou Eugênio. “Extremismo não tem lado: nem direita nem esquerda”.
Lula criou a Procuradoria para atuar em nome do governo no combate à “desinformação sobre políticas públicas”. Não existe no ordenamento jurídico do País, no entanto, a definição do conceito de desinformação. Como mostrou o Estadão, críticos da iniciativa veem risco de avaliações arbitrárias, uma vez que a Procuradoria atua na defesa do governo federal.
O ministro da AGU, Jorge Messias, afirmou que “um dos principais desafios” de hoje é atuar no combate à desinformação. “Nós não temos o direito de ser amador neste tema. Nós sabemos que há um ecossistema de desinformação estritamente profissional, monetizado e colocado a serviço de desestabilização das instituições democráticas. É nosso dever constitucional zelar, guardar, pelas instituições democráticas. O Estado precisa estar preparado para responder a este desafio”, argumentou Messias.
O ministro ressalvou, porém, que a AGU não vai virar fiscal das redes sociais. “Nós temos de ter uma visão estratégica de que a nossa atuação precisa ser certeira”, disse.
Para o professor de Direito Público da USP Floriano de Azevedo Marques, é necessário ter atenção sobre a nova Procuradoria da AGU, uma vez que a fronteira entre a informação e a desinformação é sempre muito arriscada. “Uma coisa é a AGU mover um ação que uma determinada informação é falsa e abala uma política pública do governo. Outra coisa é se esse órgão não gosta da notícia e pode, por exemplo, castigar um veículo de imprensa”, disse.
Procurada, a AGU não respondeu até a conclusão desta edição.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.