Ala de Lula propõe mudar regra de eleição interna do PT e é acusada de agir em favorecimento próprio

Próxima reunião do Diretório Nacional do partido, prevista para o fim deste mês, vai deliberar sobre o calendário e as regras do Processo de Eleições Direitas (PED) da sigla

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Foto do author Zeca  Ferreira
Atualização:

A próxima reunião do Diretório Nacional do PT será crucial para definir a dinâmica interna da sigla em 2025. Previsto para o fim deste mês, o encontro vai deliberar sobre o calendário e as regras do Processo de Eleições Diretas (PED), meio pelo qual os dirigentes petistas são eleitos. No fim do processo, a legenda definirá o nome que comandará o partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante as eleições de 2026.

Entre as propostas de alteração ao regulamento do PED, duas têm causado intensos debates e troca de acusações de favorecimento entre grupos petistas. Uma trata de mudanças na ordem de inscrição das candidaturas, e a outra propõe alterações no sistema de votação. Embora essas questões sejam definidas no estatuto do partido, o Diretório Nacional pode aprovar mudanças a cada eleição, desde que obtenha a maioria qualificada de dois terços dos 94 membros do órgão.

Proposta do grupo de Lula e Gleisi sugere iniciar as inscrições pelas chapas municipais (120 dias antes) e finalizar com as nacionais (60 dias antes) Foto: Pedro Kirilos/Estadão

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Segundo o estatuto do PT, as chapas e teses nacionais devem ser registradas 120 dias antes das eleições, marcadas para 6 de julho. As estaduais precisam ser apresentadas com 90 dias de antecedência, enquanto as municipais devem ser registradas 60 dias antes. No entanto, integrantes da tendência Construindo um Novo Brasil (CNB), à qual pertencem o presidente Lula e a presidente nacional do partido, deputada Gleisi Hoffmann (PR), defendem alterar essa ordem.

A proposta do grupo sugere iniciar as inscrições pelas chapas municipais (120 dias antes) e finalizar com as nacionais (60 dias antes). Os defensores da mudança argumentam que, como o PT é um “partido de base”, faz sentido começar pelo nível local. Eles também acreditam que essa inversão refletiria melhor a força real de cada tendência, evitando que os arranjos nacionais influenciassem as disputas locais. Desde o primeiro PED, em 2001, a ordem atual tem sido mantida.

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Petistas contrários à mudança, porém, acusam a corrente majoritária de propor a alteração em benefício próprio. Valter Pomar, dirigente nacional do PT e líder da tendência Articulação de Esquerda (AE), defende a manutenção do que está previsto no estatuto. Para ele, a eleição é essencialmente nacional, o que justifica iniciar pela inscrição das chapas e candidaturas nacionais. Segundo Pomar, essa ordem facilita a organização política das chapas estaduais e municipais.

“Os que defendem mudar o estatuto estão preocupados, antes de qualquer outra coisa, em ganhar tempo para tentar resolver suas divergências internas, uma vez que ainda não resolveram que candidatura apoiarão para a presidência nacional do PT. Mas os problemas de uma tendência não podem provocar mudanças no estatuto do Partido”, afirmou Valter Pomar ao Estadão, sem mencionar diretamente a CNB.

Pomar afirma que a Articulação de Esquerda lançará um candidato próprio à presidência nacional do PT. O nome será definido durante o congresso nacional da corrente, previsto para março. Para ele, o próximo presidente do partido deve ser “100% petista, comprometido com o método da direção coletiva, disposto a derrotar a oposição, capaz de defender nosso projeto socialista”.

Indefinição no grupo de Lula

Já a CNB ainda não definiu o nome que lançará para a presidência do PT. O ex-prefeito de Araraquara (SP) Edinho Silva é apontado como um dos favoritos e teria o apoio de Lula. No entanto, outros nomes da ala majoritária também são cogitados, como o líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (CE), e Paulo Okamotto, presidente da Fundação Perseu Abramo, entidade ligada ao PT que atua como centro de estudos e formação política.

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A deputada estadual Professora Bebel, coordenadora da corrente CNB em São Paulo, nega que sua tendência esteja tentando ganhar tempo com a proposta de alterar a ordem de inscrição das chapas. Segundo ela, o nome do candidato da Construindo um Novo Brasil já está sendo articulado, e a mudança na ordem não teria impacto significativo nesse processo.

Bebel, que se define como “basista”, apoia a alteração na ordem, pois acredita que começar pela base favorece os debates. Ela admite que as correntes que obtiverem melhor desempenho nas disputas locais terão maior representatividade no cenário nacional. Também destaca que a ocupação dos cargos da direção nacional do PT é discutida no Congresso da sigla e que o preenchimento respeita a proporcionalidade das forças entre as diferentes tendências.

O Estadão procurou a Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República para obter uma manifestação do presidente Lula, que também é presidente de honra do PT, sobre as alegações de que sua tendência estaria propondo mudanças nas regras em benefício próprio. A Secom orientou a reportagem a buscar respostas diretamente com o PT.

O partido e sua presidente nacional, Gleisi Hoffmann, também foram contatados, mas não responderam até a publicação desta matéria.

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Sistema de votação também gera divergência

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Outro ponto de debate é o modelo para escolher o próximo presidente. Entre 2001 e 2017, o presidente nacional era eleito diretamente pelos filiados. Desde 2017, passou a ser escolhido indiretamente no Congresso Nacional da sigla por delegados eleitos no PED, enquanto os demais dirigentes continuam sendo escolhidos por voto direto. Como essa mudança não foi incorporada ao estatuto do partido – que ainda prevê a eleição direta –, o tema precisa ser revisado a cada novo Processo de Eleições Diretas.

O sistema de votação gera divergências até entre membros da mesma corrente política. O deputado federal Jilmar Tatto (SP) defende que todos os cargos partidários sejam escolhidos diretamente pelos filiados, por meio de urnas eletrônicas, como prevê o estatuto. Tatto, que integra a CNB, representa uma posição distinta dentro da tendência, já que parte de seus integrantes apoia o modelo de eleição indireta.

Já Valter Pomar, embora contrário ao sistema de votação direta em geral, apoia esse modelo para 2025. Segundo ele, a alternativa proposta combina os problemas da eleição direta com os da eleição indireta, se tornando ainda pior. “Defendemos que o PT faça um plebiscito sobre o método de eleição das suas direções (...) Quando este plebiscito ocorrer, defenderei o método 100% congressual, que nos parece o mais adequado”, disse.

Fim da era Gleisi Hoffmann

O PED deste ano encerrará os oito anos de gestão de Gleisi Hoffmann, a presidente mais longeva da história do PT. Eleita em 2017 e reeleita em 2021, Hoffmann teve seu mandato prorrogado em 2023, quando o partido decidiu não realizar eleições internas para permitir que os filiados se concentrassem no planejamento das eleições municipais de 2024. O PT realizou eleições internas em 2001, 2005, 2007, 2010, 2013, 2017 e 2019.

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Eleições internas do PT deste ano vão encerrar os oito anos de gestão de Gleisi Hoffmann, a presidente mais longeva da história do partido Foto: Dida Sampaio/Estadão

A próxima votação está marcada para 6 de julho. Poderão votar os filiados ao partido até 28 de fevereiro de 2025. Anteriormente, o estatuto exigia um prazo mínimo de um ano de filiação para participar do PED. Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o PT tem 1,7 milhão de filiados.

O Congresso Nacional do partido será realizado nos dias 1º, 2 e 3 de agosto. Caso o PED ocorra conforme o estatuto, no dia 3 de agosto a nova direção e o novo presidente nacional serão empossados. Se o modelo de eleição indireta for adotado, os delegados serão eleitos no dia 6 de julho, e a escolha da nova direção ocorrerá apenas durante o Congresso, com a posse marcada para outra data. O PED define os dirigentes e presidentes nas esferas municipal, estadual e nacional.

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