BRASÍLIA – O Estado de Alagoas é o maior beneficiado no remanejamento de emendas de comissão assinado por líderes partidários da Câmara dos Deputados. Alagoas é o Estado do presidente da Casa, Arthur Lira (PP), que organizou o documento enviado aos ministros Rui Costa (Casa Civil) e Alexandre Padilha (Relações Institucionais) na quinta-feira, 12. Lira e a Câmara não se manifestaram sobre os critérios do direcionamento das verbas.
No documento, assinado por 17 líderes, Alagoas recebe mais R$ 73,7 milhões em emendas de comissão, enquanto nove Estados ficaram sem nenhum recurso adicional. O Estado do presidente da Câmara já é um dos mais beneficiados na divisão original dos recursos.
Para entidades que trabalham pela transparência das informações públicas, o ofício sigiloso dos líderes contraria a decisão do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), que liberou a execução das emendas parlamentares no começo do mês. No documento, os líderes de 16 partidos e do governo, José Guimarães (PT-CE), assumem coletivamente a indicação de R$ 4,1 bilhões em emendas de comissão. A maior parte desse valor (R$ 3,84 bilhões) é de “ratificação de indicação já encaminhada”, segundo o documento, mas há também R$ 158,3 milhões de novas indicações. É nessa fatia que Alagoas foi o Estado mais beneficiado.
Dois municípios alagoanos encabeçam a lista de cidades mais beneficiadas pela “indicação coletiva”. A campeã é Palmeira dos Índios (AL), cidade de 73 mil habitantes a 136 km de Maceió, que receberá R$ 12 milhões a mais. Em seguida, há uma emenda de R$ 10,9 milhões para a secretaria estadual de Saúde alagoana e para Pilar (AL).
Depois vem Cotia (SP) e Iturama (MG), seguidas de mais duas cidades alagoanas, base eleitoral de Arthur Lira: Coruripe (R$ 8 milhões) e Arapiraca (R$ 7 milhões). Nas duas cidades, o presidente da Câmara é aliado dos prefeitos: Marcelo Beltrão (PP) em Coruripe; e Luciano Barbosa (MDB) em Arapiraca. O ofício com a “indicação coletiva” foi revelado pela revista piauí.
Ao contrário das cidades alagoanas, os Estados do Acre, Amazonas, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraíba, Rio Grande do Norte, Roraima, Santa Catarina e Sergipe não receberam nenhum recurso adicional de emendas de comissão. No ranking geral dos R$ 10,1 bilhões já empenhados das emendas de comissão, Alagoas é o Estado com o sétimo maior montante: R$ 566,1 milhões.
O ofício tem origem na Secretaria-Geral da Mesa, órgão de direção da Câmara, comandado por Lira. O documento é assinado pelos líderes de todas as principais bancadas da Casa, inclusive pelos alagoanos Isnaldo Bulhões (líder do MDB) e Luciano Amaral (PV). Os líderes de Novo e PSOL não assinam o ofício. Os dois partidos acionaram o STF para suspender a “indicação coletiva” dos líderes.
Até esta quarta-feira, 18, o governo já tinha empenhado (ou seja, reservado para pagamento) R$ 10,1 bilhões em emendas de comissão, de um total de R$ 15,5 bilhões apresentados ao Orçamento deste ano. Ou seja, ainda faltavam empenhar R$ 5,4 bilhões. Se o dinheiro não for empenhado até a 0h do dia 1º de janeiro de 2025, as emendas são perdidas e o montante passa a contar para o atendimento da meta de superávit primário.
No ofício sigiloso, os líderes explicam que assumem a autoria das indicações como forma de cumprir a determinação de 2 de dezembro do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), que liberou a execução das emendas; e a portaria publicada pelo governo Lula na última terça, 10, para disciplinar a execução das emendas. Entidades consultadas pelo Estadão, no entanto, consideram que o ofício viola a decisão do STF.
A maior parte das indicações do ofício – R$ 3,4 bilhões – é descrita como “ratificação” das emendas de comissão já apresentadas ao Orçamento de 2024. Mas, mesmo neste grupo, é possível que os líderes tenham introduzido modificações em relação àquilo que já tinha sido enviado pelos presidentes de comissões aos ministérios, que são os responsáveis por executar as emendas.
Usando dados do Siga Brasil, a reportagem do Estadão conseguiu confirmar que R$ 2,7 bilhões das emendas “ratificadas” no ofício de fato já tinham sido apresentadas pelos presidentes dos colegiados. Não é possível saber se houve mudança nos cerca de R$ 600 milhões restantes.
O documento é assinado pelos líderes das bancadas do PSDB, Adolfo Viana (BA); do PSD, Antônio Brito (BA); do PDT, Afonso Motta (RS); do Cidadania, Alex Manente (SP); do PL, Altineu Côrtes; do Solidariedade, Áureo Ribeiro (RJ); do PP, Dr. Luizinho (RJ); do União Brasil, Elmar Nascimento (BA); do PRD, Fred Costa (MG); do PSB, Gervásio Maia (PB); do Republicanos, Hugo Motta (PB); do MDB, Isnaldo Bulhões (AL); do PV, Luciano Amaral (AL); do Avante, Luís Tibé (MG); do Podemos, Romero Rodrigues (PB); e do PT, Odair Cunha (MG). O líder do governo, José Guimarães (PT-CE), também assina.
Dino tentou acabar com orçamento secreto
Revelada pelo Estadão em 2021, a prática conhecida como orçamento secreto consistia na utilização das chamadas “emendas de relator” para criar despesas e direcionar recursos para municípios de interesse dos parlamentares. Identificadas pelo código “RP-9″, essas emendas eram assinadas apenas pelo relator-geral do Orçamento do ano, ocultando os nomes dos verdadeiros responsáveis pelas indicações. Em dezembro de 2022, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a prática inconstitucional.
Em 2023, as emendas de comissão assumiram o papel que antes cabia às emendas de relator. Com o código “RP-8″, o valor dessas emendas aumentou 85% em relação a 2022, alcançando R$ 7,6 bilhões. A Controladoria-Geral da União (CGU), em relatório enviado a Dino, apontou que a transição entre os dois tipos de emendas resultou na substituição da opacidade das RP-9 pela das RP-8. Segundo o relatório, o modelo compromete a entrega de políticas públicas eficientes à sociedade.
No dia 1º de agosto deste ano, Dino verificou que a decisão do STF, de dezembro de 2022, estava sendo desrespeitada e convocou representantes do Legislativo, Executivo e Ministério Público para discutir o tema. “Não basta alterar o código do marcador no Orçamento para mudar a essência. Assim como a execução privada de recursos públicos com falta de transparência não é permitida no caso das RP-9, o mesmo se aplica a qualquer outra classificação”, afirmou Dino.
Pouco tempo depois, em meados de agosto, Dino decidiu suspender a execução das emendas e ordenou auditorias para investigar a aplicação dos recursos. Em novembro, a Câmara aprovou um projeto de lei complementar com o objetivo de aumentar a transparência nas emendas, mas entidades que acompanham o tema consideram que isso não ocorreu de forma satisfatória.
No início deste mês, Dino autorizou novamente a execução das emendas, mas manteve exigências para garantir maior transparência, como a identificação nominal dos responsáveis pelas emendas de comissão e dos “restos a pagar” associados às emendas de relator. Embora o governo Lula, por meio da Advocacia-Geral da União, tenha solicitado que Dino abrandasse algumas dessas exigências, ele rejeitou os pedidos.
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