A Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) completou 190 anos no último mês ampliando gasto com verbas de gabinete, empregando indicados políticos em 80% de seus cargos e com exemplos de privilégios. De departamentos que se tornaram cabides de emprego a ex-integrantes da Mesa Diretora que seguem com salas e funcionários mesmo após deixarem os cargos, os excessos vão além da folha de pagamento e incluem gastos supérfluos – como a compra, sem licitação, de 200 réplicas da escultura “Monumento às Bandeiras” por quase R$ 150 mil para presentear autoridades que visitam a Casa.
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O Estadão questionou a Assembleia Legislativa sobre cargos, benefícios e gastos não prioritários, mas a Casa não se manifestou até a publicação desta reportagem.
Para dar conta de tantas despesas, a Alesp movimenta cifras dignas de uma metrópole. Para este ano, o Legislativo paulista aprovou orçamento de R$ 1,45 bilhão – valor que supera o de municípios inteiros do Estado. Para se ter ideia, Araçatuba (SP), com 200 mil habitantes, tem menos dinheiro (R$ 1,12 bilhão) para gerir saúde, educação e infraestrutura do que a Assembleia para bancar a sua própria estrutura.

Uma fatia desse orçamento bilionário se destina à manutenção de gabinetes com grande estrutura de pessoal. Segundo dados consultados pelo Estadão no dia 13 de março, a 1ª Secretaria, comandada pelo PT, abriga hoje 70 funcionários, enquanto até a 4ª Vice-Presidência, um cargo de pouca relevância prática no dia a dia da Casa, tem oito servidores à disposição.
Os privilégios por vezes não acabam nem com o fim do mandato na Mesa. Quando um deputado deixa o cargo de comando na Casa, ele continua com direito a um gabinete e funcionários durante os dois anos da gestão seguinte. Assim, há gabinetes para ex-presidente e ex-secretários da Mesa, por exemplo. Esses deputados acumulam esses gabinetes com suas estruturas normais de parlamentares. Isso acontece até mesmo no caso de um dirigente reeleito para a função. Assim, o deputado Rogério Nogueira (PSDB), reeleito para a função de 2º secretário, por exemplo, tem direito a gabinete e equipe pelo cargo na Mesa (hoje com 37 funcionários), além de sala e funcionários como ex-2º secretário (atualmente com 23 assessores) e outra estrutura como deputado (com mais 23 servidores).
Atualmente, o ex-presidente da Alesp, Carlão Pignatari (PSDB), conta com 13 funcionários no gabinete de ex-dirigente, além dos 28 que possui no seu gabinete. O número de funcionários varia pois um parlamentar pode optar por ocupar menos cargos, com salários maiores. Na prática esses assessores de ex-integrantes da Mesa atuam em prol do mandato do parlamentar.
Em 2019, a então deputada estadual Janaina Paschoal apresentou um Projeto de Resolução para extinguir os cargos de 2º, 3º e 4º vice-presidentes e 3º e 4º secretários da Mesa Substituta da Assembleia. Na justificativa, ela apontou que, só em fevereiro daquele ano, os gastos com a remuneração dos servidores desses gabinetes ultrapassaram R$ 410 mil. Por outro lado, escreve Janaina, o regimento interno da Casa trata esse cargos de forma meramente substitutiva.
“Na época, eu não via utilidade para os cargos que propus extinguir. Por isso, entendo que seria importante. Creio que não houve apoio, pelo fato de os deputados não concordarem com essa minha opinião. Eu tenho esse olhar de enxugamento, não apenas por economia, mas para tornar a máquina mais eficaz”, diz Janaina, hoje vereadora pelo PP. O projeto encontra-se arquivado.
Presente para autoridade que visita Alesp custa R$ 738
Os gastos da Alesp incluem itens que vão além do essencial para o dia a dia dos trabalhos. Um exemplo é a compra de 200 réplicas da escultura “Monumento às Bandeiras” por R$ 147,6 mil para “agraciar” autoridades que visitam o Palácio 9 de Julho. Cada peça saiu, em média, por R$ 738, e a aquisição foi feita por inexigibilidade, isto é, sem licitação.
O café servido na Assembleia também entra nessa lista. Em janeiro, a Casa comprou, por dispensa de licitação, 400 pacotes de café gourmet por R$ 16,1 mil, pagando R$ 80,80 pelo quilo do grão da bebida. Em agosto do ano passado, a Casa já havia desembolsado R$ 28,7 mil em duas compras com preços bem discrepantes: em uma, pagou R$ 79 pelo quilo; na outra, pouco mais da metade disso. Todas as aquisições seguem a exigência de qualidade mínima de 7,30 pontos na escala sensorial da Associação Brasileira da Indústria de Café – critério que classifica o produto como gourmet.
Comissionados são quase 8 em cada 10 na Alesp
Outra característica marcante da Alesp é o alto número de cargos comissionados em seu quadro de pessoal. Diferentemente dos servidores efetivos, que ingressam por concurso público, os comissionados são nomeados livremente pelos parlamentares. Levantamento do Estadão mostra que a atual legislatura tem a maior proporção de comissionados já registrada: 77,2% dos cargos. Isso significa que, das 4.109 vagas na Alesp, 3.169 são ocupadas por indicações políticas.
Para efeito de comparação, na Câmara Municipal de São Paulo, o cenário é diferente. Com um quadro de 2.082 funcionários, 1.165 ocupam cargos em comissão, o que representa 55,96% do total. Essa porcentagem é mais de 20 pontos percentuais inferior à registrada na Alesp.
A quantidade de comissionados na Alesp já levou a questionamentos na Justiça. Em 2021, a 7ª Vara da Fazenda Pública do Tribunal de Justiça de São Paulo considerou excessivo o percentual de cargos comissionados e determinou que a Alesp equilibrasse o número de efetivos e comissionados em até um ano. Caso a decisão fosse cumprida, mais de mil funcionários poderiam ser desligados.
No entanto, o Legislativo paulista recorreu e venceu na segunda instância. A 10ª Câmara de Direito Público do TJSP reformou a sentença, entendendo que, devido ao porte da Alesp e à necessidade de assessoria política e técnica para os deputados, a predominância de cargos comissionados era justificável.
Entre os departamentos da Assembleia Legislativa, o Núcleo de Avaliação Estratégica (NAE) se destaca pelo alto percentual de servidores comissionados. Como o Estadão mostrou, o órgão cresce ano após ano e, atualmente, conta com 51 funcionários, dos quais 49 são comissionados. Criado em 2015 com o propósito de implementar um sistema de avaliação do serviço público, o setor é conhecido por sua baixa produção e por funcionar como um “cabide de empregos”.
A maioria dos comissionados do núcleo tem vínculos políticos diretos. Ao todo, 37 passaram por gabinetes de deputados ou lideranças partidárias antes de serem alocados no NAE. Apenas 13 não apresentam registros de atuação prévia junto a parlamentares da Casa. Apesar das críticas, o setor opera dentro do limite legal, que permite até 50 cargos comissionados.
Gasto com verba de gabinete aumenta em relação à legislatura anterior
Em 2024, os deputados estaduais gastaram R$ 33,68 milhões com a verba de gabinete, valor semelhante ao registrado em 2023, quando a despesa foi de R$ 33,87 milhões em valores corrigidos pela inflação. Somados, os dois anos da atual legislatura geraram gastos de R$ 67,55 milhões, contra R$ 48,89 milhões em valores corrigidos do primeiro biênio (2019 e 2020) da Legislatura anterior e R$ 54,98 milhões do segundo biênio (2021 e 2022) daquele mandato.
Esse recurso é utilizado para despesas do mandato, como assessoria, material de escritório e deslocamentos. Nos últimos dois anos, os principais gastos foram aluguel de imóveis (R$ 10,7 milhões), materiais gráficos (R$ 9,2 milhões) e locação de veículos (R$ 8,9 milhões).