A campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) discute o que seria uma reação aos avanços do presidente Jair Bolsonaro (PL) e da primeira-dama Michelle sobre o eleitorado evangélico. O temor é que a campanha bolsonarista reforce a alegação de que o petista, se eleito, “fecharia igrejas”. A agenda é vista como uma reedição da discussão sobre o “kit gay” da corrida eleitoral de 2018.
Na última semana, Michelle afirmou que o Palácio do Planalto era “consagrado a demônios” antes de 2019 e compartilhou um conteúdo que associava às “trevas” um ritual de candomblé em que Lula participava.
Nas redes sociais, bolsonaristas divulgaram publicações sobre um falso compromisso de Lula de fechar igrejas se voltar ao poder. A ameaça espalhada a fiéis foi repetida nesta segunda-feira pelo pastor Marco Feliciano (PL-SP), deputado federal que apoia a reeleição do presidente Jair Bolsonaro, em entrevista ao jornal O Globo. A presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, afirmou que estuda acionar a Justiça.
Gleisi declarou que vai estudar “tudo o que é possível”. “Não pode é deixar que a campanha vá para fake news, para mentira. Eles não têm o que debater com o povo, o que eles fazem é eleitoreiro”, afirmou a dirigente em São Paulo, após reunião com Lula e outros líderes da campanha.
Para o pastor Paulo Marcelo Schallenberger, conselheiro de Lula na comunicação com os religiosos, as mensagens do fechamento de igrejas reeditam o “kit gay”, de 2018, quando bolsonaristas alegavam que o então candidato petista, Fernando Haddad, era responsável pela criação de uma cartilha contra a homofobia que, segundo Bolsonaro, estimulava as crianças a se interessarem pelo sexo. Na ocasião, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) chegou a determinar a remoção de seis postagens no Facebook e no YouTube em que o candidato associava o material à gestão de Haddad à frente do Ministério da Educação.
“O ‘kit gay’ de 2018 vai virar a demonização do presidente Lula, principalmente vinculando a Janja (mulher do ex-presidente) à macumba”, afirmou Schallenberger.
Em resposta à ofensiva bolsonarista, o site “Verdade na rede”, criado pelo PT, começou a divulgar peças publicitárias reforçando que Lula é católico e que foi responsável por sancionar a lei de liberdade religiosa, em 2003, que instituiu personalidade jurídica às organizações religiosas.
Como mostrou o Estadão, Schallenberger conversou com o vice na chapa do PT, Geraldo Alckmin (PSB), para encaminhar respostas “urgentes”. Entre as propostas está a realização de um grande culto pentecostal em São Paulo, com a presença do ex-presidente, que aconteceria na Casa de Portugal, na Liberdade. Schallenberger também sugere a realização de uma live para Lula expor atos da sua gestão na Presidência em favor da liberdade religiosa.
O pastor lista como exemplo, além da lei de 2003, a sanção da lei que institui o dia nacional da Marcha para Jesus no Brasil, de 2009. Na data, a solenidade contou com a participação de representantes de várias igrejas evangélicas, inclusive dos bispos Estevam e Sônia Hernandes, da Igreja Apostólica Renascer em Cristo, e do então senador Marcelo Crivella (ex-PRB).
Gleisi também destacou a lei em sua fala. “Lula governou esse país por oito anos. Quando é que fechou uma igreja, perseguiu evangélicos, um pastor? Foi nossa, foi dele a sanção da lei da liberdade religiosa”, disse a petista. “Lula sempre respeitou todas as religiões. Então, vamos enfrentar esse debate com muita tranquilidade e clareza, mostrando para o povo que eles querem ganhar com mentira, com medo sobre a população”, acrescentou.
“Essa não é uma disputa religiosa, tem que deixar isso claro. É disputa política. Você disputa projeto para o País. Mas obviamente que nesse bojo a gente tem que esclarecer as mentiras e as fake news. Mas, se precisar, vamos fazer fala específica [para evangélicos], não há problema nesse sentido”, disse a presidente da legenda.
Levantamento recente mostra que o Bolsonaro reverteu, em um mês, empate técnico com Lula entre evangélicos em Minas Gerais e, segundo pesquisa Genial/Quaest, está 18 pontos porcentuais à frente.
Igrejas
A ideia de que Lula fecharia igrejas começou a circular em templos evangélicos e foi encampada pelo deputado federal e pastor Marco Feliciano. Ele também assumiu pregar sobre a pauta em entrevista à Rádio CBN. “Conversamos sobre o risco de perseguição, que pode culminar no fechamento de igrejas. Tenho que alertar meu rebanho de que há um lobo nos rondando, que quer tragar nossas ovelhas através da enganação e da sutileza. A esmagadora maioria das igrejas está anunciando a seus fiéis: ‘tomemos cuidado’”, afirmou.
Publicações sobre o tema também surgiram nas redes sociais. Neste mês, usuários do Twitter publicaram um vídeo que mostra um cerco policial contra o bispo Rolando Álvarez, na Nicarágua, para colar a imagem de Lula à do presidente nicaraguense Daniel Ortega.
O assunto aparece nas redes deste o ano passado com afirmações falsas. Em fevereiro deste ano, o Estadão Verifica mostrou que era falso um vídeo de 2021 que tentava acusar o PT de intolerância religiosa. No conteúdo, um suposto membro do partido defendia que a esquerda precisa “atacar”, “denunciar” e “não deixar abrir” as igrejas porque os fiéis estariam apoiando o presidente Jair Bolsonaro.
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