NOVA YORK – O presidente Jair Bolsonaro faz, nesta terça-feira, 24, sua estreia na Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, sob o olhar e a expectativa de chefes de Estado e representantes dos 193 países-membros da Organização. À sua frente, o presidente brasileiro terá uma plateia interessada em entender quais ações o governo adotará para reduzir o número de incêndios e o desmatamento, e como o Brasil contribuirá para combater as ameaças causadas pelas mudanças climáticas, um dos grandes temas da 74ª Assembleia Geral.
Além da reunião de líderes, está prevista uma cúpula sobre mudanças climáticas. O objetivo é encorajar líderes mundiais a elaborarem políticas públicas capazes de mitigar os efeitos negativos das mudanças do clima. A ONU também será palco de eventos e reuniões diárias com foco nos objetivos de desenvolvimento sustentável — criados em 2015 — e que devem balizar a ação dos países signatários da Organização até 2030. Combate à pobreza, promoção da educação de qualidade, garantia de água e saneamento, erradicação da fome e redução das desigualdades são alguns dos 17 objetivos.
O Estado ouviu analistas, diplomatas e ex-ministros para responderem: que mensagem o Brasil, responsável pelo primeiro discurso, deve passar na ONU?
Para o ex-ministro das Relações Exteriores Aloysio Nunes, o Brasil deve reforçar a imagem de ser um país que defende o meio ambiente, que tem uma matriz energética limpa e uma agricultura competitiva e sustentável. “Eu iria na linha de contrapor toda essa imagem que vem se cristalizando sobre o nosso comportamento em matéria ambiental”, disse.
“O discurso deve reafirmar o que constitui a identidade internacional do Brasil. Dar ênfase a temas em que temos destaque, como direitos humanos, paz, desarmamento, meio ambiente e desenvolvimento sustentável. São nossas credenciais”.
O diplomata Marcos Azambuja, um dos responsáveis por organizar a Conferência das Nações Unidas sobre o meio ambiente e desenvolvimento, a Eco-92, também enfatiza a liderança do Brasil na área ambiental. “A proteção do meio ambiente é um casamento virtuoso entre preocupações globais e interesses nacionais”, afirmou. “O Brasil abre o debate, isso é algo bom e desejável, mas só existe porque nossa voz era ouvida como a expressão de opiniões compartilhadas amplamente, e não isolada. Então, isso é uma coisa a se preservar”, afirmou ele, que ainda chefiou as embaixadas do Brasil na França e na Argentina.
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Luís Alfonso de Alba, enviado especial da ONU para mudanças climáticas na 74ª Assembleia Geral
O Brasil é uma nação muito importante globalmente, obviamente a maior economia na América Latina. Estamos muito engajados com as autoridades locais. E creio que é muito necessário continuar a reconhecer a contribuição muito ativa que a sociedade civil, as autoridades e o setor privado brasileiros têm tido. Visitei o Brasil este ano e fiquei particularmente impressionado com o interesse do setor privado (em ações para reduzir o impacto das mudanças climáticas).
Muitas coisas precisam ser feitas para diminuir o impacto e os efeitos negativos mudanças climáticas. No caso específico do Brasil e da Amazônia em particular, estamos encorajando os países da região para ver qual pode ser a contribuição do sistema das Nações Unidas, mas destacando a importância de uma ação coordenada dos países afetados (a Floresta Amazônica está em nove países — Brasil, Peru, Colômbia, Venezuela, Equador, Bolívia, Guiana, Suriname e Guiana Francesa).
Roberto Abdenur, diplomata e ex-embaixador do Brasil no Equador, Alemanha, Áustria, China e Estados Unidos
O Brasil enfrentará situação delicada no contexto da Assembleia-Geral. O próprio secretário-geral afirmou a importância da abordagem da crise da Amazônia durante a reunião. Haverá por parte de diversos países numerosas e enfáticas expressões de interesse e preocupação com o assunto. É provável que se recomende a criação de algum esquema ou mecanismo para o acompanhamento de riscos para a sobrevivência da floresta. Talvez surjam ofertas de apoio político, material ou financeiro para medidas que nosso governo tome em defesa da Amazônia.
O governo brasileiro deve ser muito firme na reafirmação de sua soberania, mas não convém colocar-se em postura de confrontação com boa parte da comunidade internacional. Precisamos ter jogo de cintura, e mostrar habilidade, serenidade e moderação em face dos desafios.
André Guimarães, engenheiro agrônomo e um dos representantes da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura
Há 40 anos, o Brasil era importador de alimentos e hoje é um dos maiores exportadores. O Brasil alimenta mais de 1,2 bilhão de pessoas todos os dias. A responsabilidade e o papel do Brasil enquanto provedor de alimentos é inexorável e só deve crescer nos próximos anos. Entretanto, esse papel de player importante no suprimento de alimentos vai depender de nossa capacidade de equacionar a relação entre a produção agropecuária e a conservação ambiental. Caso contrário, não continuaremos abrindo novos mercados. Temos que mostrar ao mundo nossa competência em produzir alimentos de forma sustentável. O Brasil deve aproveitar essas inserções nas agendas internacionais e nos fóruns mundiais para reafirmar o compromisso com a sustentabilidade na produção de alimentos.
Ana Flávia Barros-Platiau, coordenadora da pós-graduação em relações internacionais da Universidade de Brasília (UnB)
O Brasil está com a imagem negativa porque não soube responder às provocações e acusações que recebeu. Precisa se reposicionar como país responsável e aberto a negociações construtivas. Em outros termos, trocas de farpas demonstram apenas que as autoridades não estão preparadas para enfrentar situações adversas e delas tirar proveito. Alinhamento caudatário não é estratégia. Não fortalecerá a soberania nacional. Os países precisam saber navegar em oceanos de incertezas, instabilidade e imprevistos que tornam as agendas atuais de negociação mais complexas. Então, os temas a serem tratados são relativos a desafios globais: clima, paz sustentável, segurança coletiva e inclusiva, segurança alimentar.
O País deve reconhecer o seu papel no mundo, de protagonista da segurança climática e alimentar em escala global. E, a partir daí, promover agendas multilaterais construtivas e construir uma agenda robusta. O Brasil também deve passar a mensagem de que não está desconectado do resto do planeta. Em tempos de agendas extremamente complexas, pensar nas formas de conexão entre diferentes temas e parceiros estratégicos é vital. Há muito trabalho pela frente em nome da “governança da sustentabilidade” para as futuras gerações. Trocar farpas e se furtar de negociações necessárias não interessam a ninguém.
Fernando Schüler, cientista político e pesquisador do Insper
O Brasil tem dois grandes desafios: primeiro, afirmar o seu compromisso com a questão ambiental, desfazendo esse problema dos desmatamentos, dos incêndios, que trouxe um grande desgaste ao País. É um tema global e vai ser centro de preocupações na Assembleia-Geral da ONU. Em segundo, reafirmar sua posição de compromisso com a questão de direitos humanos, mas também com o tema da abertura comercial, da retomada do desenvolvimento, da abertura para o exterior, mostrar algumas conquistas que o País vem obtendo, como o acordo Mercosul-União Europeia.
(É preciso destacar) A compatibilização da agenda social de direitos, da agenda ambiental, com a agenda econômica. Por último, reafirmar uma visão global do Brasil como um país comprometido com a democracia global, com o multilateralismo, com questões de direitos humanos, com a paz, e firmar uma posição histórica que sempre teve no sentido de ser comprometido com uma visão multilateral, de promoção de democracia e direitos humanos a nível global.
*O repórter viajou a convite da Organização das Nações Unidas
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