O general Augusto Heleno paga o preço imposto pelo bolsonarismo à sociedade. O movimento se notabilizou por derrubar a barreira entre os comentários privados e as declarações públicas. Os auxiliares mais próximos do presidente veem transparência em Jair Bolsonaro onde a sociedade – exceto apoiadores mais empedernidos – reconhece insultos e impropérios diários. Desde o começo do governo, Heleno era a sombra do chefe. É visto nas lives aconselhando e corrigindo o amigo. “É Down, presidente”, disse a Bolsonaro quando ele errou a pronúncia da síndrome. Mas Heleno sempre foi mais tradutor do que corregedor.
O general ecoou as declarações de Eduardo Bolsonaro sobre o AI-5. E, depois, tentou se explicar. Agora alega que sua investida contra o Congresso aconteceu em conversa privada. É lugar comum dizer que nenhum homem público sobreviveria à publicação de suas conversas particulares. Nem Bolsonaro.
Quem lê os Diários da Presidência, de Fernando Henrique Cardoso, encontra dezenas de reclamações e ataques a jornalistas e a jornais. A diferença é que FHC só as publicou como memórias, após sair da Presidência. O tucano respeitou a institucionalidade do cargo e não usou o peso de sua cadeira para ameaçar a imprensa, o Congresso ou o STF. Enfim, FHC não expunha as entranhas da Esplanada no Twitter sem que ninguém lhe perguntasse.
Eis por que o comportamento de Heleno dificilmente será entendido como manifestação privada. Maquiavel dizia que o fundamento do Estado estava nas boas armas e nas boas leis. Estas devem ser produzidas por meio do consenso. Quando ele falta, apela-se à força ou à corrupção.
Heleno e o chefe se negam a produzir consenso. Também dizem recusar aderir à corrupção. Sobra-lhes a força. É essa a tentação que a fala de Heleno revela.