O Brasil enfrenta uma verdadeira corrida de obstáculos para mobilizar e direcionar recursos para custear as emergências provocadas pelo coronavírus. Políticos de todos os partidos se desdobram para encontrar saídas: destinação de recursos do fundo eleitoral, verbas de gabinete, reorientação de emendas parlamentares e até transferência de salários.
Como é costume, quando o assunto é dinheiro público, ‘limitações jurídicas’ não demoram a aparecer. Afinal, as verbas públicas carregam consigo, desde o nascimento, uma série de parâmetros que comprometem seu gasto. O objetivo é garantir o controle e evitar desvios.
Um político não é livre para despedir assessor e doar o salário para um hospital, por nobre que a medida seja. Assim como um partido hoje não pode doar fundo eleitoral para combater o câncer. Há regras, prestações de conta, órgãos de controles, que até pouco tempo, o país tratava com prioridade absoluta.
Nenhuma dessas regras e instituições, contudo, são inscritas em pedra. Nenhuma delas é necessária ou imutável. Ao contrário, são fruto da experiência e da escolha coletiva. E todas elas foram criadas em situações de normalidade institucional.
Na antevéspera da maior crise de saúde do século, os velhos padrões podem e devem ser revistos. Os dogmas orçamentários e rigores fiscais, neste momento, devem ser a menor de nossas preocupações. Para viabilizar financiamento de emergência e salvar vidas, o estadista deve ajustar o direito, se necessário.
Perguntaram a Heidegger, o filósofo do século XX, que sugestão daria às novas gerações. “Visitem os cemitérios”—respondeu. Sentir de perto o limite da vida nos revela as verdadeiras prioridades. Se o direito obstruir a salvação do povo, ele já não é mais nosso direito.
*Daniel B. Vargas, Professor da Escola de Economia da FGV em São Paulo e da FGV Direito Rio
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