BRASÍLIA - O ex-ministro da Justiça Anderson Torres atuou para obrigar um órgão público a manter contrato de locação de R$ 14,5 milhões ao ano. Quando era secretário de Segurança do Distrito Federal em 2019, Torres alegou até mesmo risco de tragédia para impedir que a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) pudesse retornar ao prédio de sua antiga sede, revogando um contrato de aluguel com empresa do ex-governador do DF, o empresário e político Paulo Octávio.
Torres alegou que havia riscos demais para a ocupação do edifício público de propriedade da Funasa. Corpo de Bombeiros e Defesa Civil, vinculados ao então secretário, foram acionados para produzir laudos contra a ocupação do prédio. Ao travar a volta da Funasa para seu prédio original, acabou obrigando o órgão federal a se manter no edifício alugado da empresa de Paulo Octávio.
Anderson Torres está preso por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Sua conduta em relação aos atos golpistas de 8 de janeiro que resultaram na invasão e depredação dos prédios do STF, do Palácio do Planalto e do Congresso está sob investigação.
Delegado de carreira, Torres comandou a Secretaria de Segurança do DF em dois períodos entre 2019 e 2023. Durante a primeira passagem, em agosto de 2019, a Defesa Civil e o Corpo de Bombeiros, órgãos subordinados ao então secretário, iniciaram uma série de fiscalizações na antiga sede da Funasa, para onde a fundação desejava retornar, interrompendo o contrato de locação.
A Funasa havia deixado o local, em 2017, e transferido seus serviços administrativos para três andares do edifício “PO 700″, alugado por R$ 14,5 milhões ao ano, no bairro da Asa Norte. Na sede antiga, um edifício da década de 1960 com 10 andares, permaneceram em funcionamento uma coordenação, o museu e a biblioteca da fundação.
O contrato de aluguel foi fechado pela Funasa durante a gestão de Ricardo Barros (PP-PR) à frente do Ministério da Saúde. Sem licitação, a fundação se acertou diretamente com a Paulo Octavio Hoteis e Turismo, controlada pelo empresário e político Paulo Octavio, que já foi filiado ao PP.
O acordo se tornou alvo do Tribunal de Contas da União (TCU) e da Controladoria-Geral da União (CGU), que apontaram irregularidades. Segundo a auditoria da CGU, a Funasa havia alugado a garagem do prédio “a preços superiores aos de mercado”, com perdas de até R$ 420 mil mensais. Amparada nas análises, a fundação decidiu voltar à sua sede para evitar “maiores prejuízos aos cofres públicos”.
Em uma ação movida em 2019 contra o Distrito Federal, a Funasa relatou que, mesmo após a mudança, parte de seus serviços permaneceu na antiga sede. Segundo a fundação, “durante todo o período em que o edifício-sede esteve parcialmente desocupado, não houve quaisquer contestações dos órgãos de segurança pública” do DF.
Em 5 agosto de 2019, a Defesa Civil notificou a Funasa e afirmou que não haviam sido encontradas “patologias estruturais” no edifício antigo. Dois dias depois, um relatório fotográfico do Corpo de Bombeiros indicou 45 alterações que deveriam ser feitas em 30 dias, como recarregar extintores, regular o comprimento da mangueira de incêndio, proteger fiações expostas e incluir a sinalização “Em caso de incêndio não use o elevador”.
“Os corrimãos devem ser projetados de forma a poderem ser agarrados fácil e confortavelmente, permitindo um contínuo deslocamento da mão ao longo de toda a sua extensão, sem encontrar quaisquer obstruções, arestas ou soluções de continuidade”, cobraram os bombeiros.
Anderson Torres chegou a enviar um alerta ao então presidente da Funasa, Ronaldo Nogueira de Oliveira, em 14 de agosto de 2019, citando a vistoria dos Bombeiros. Afirmou que a ocupação do antigo prédio era “totalmente insegura” e “com potencial risco à sociedade” do DF. Segundo Torres, a fundação precisava adotar “providências” para “evitar uma eventual tragédia na região central de Brasília”.
Onze dias depois da primeira notificação, a Defesa Civil interditou o prédio da Funasa para “ocupação funcional”, permitindo apenas obras e testes de sistemas de combate a incêndio e pânico e instalações elétricas. A fundação contestou o laudo e afirmou que seus sistemas estavam conservados e aptos a serem utilizados.
Em maio de 2020, a Justiça Federal afirmou que a interdição era “medida extrema” e não havia um “dispositivo legal justificador” para tanto. O juiz Waldemar Claudio de Carvalho, da 14ª Vara Federal, liberou o funcionamento do prédio da Funasa e a fundação retornou à sua sede naquele ano. O DF entrou com um recurso contra a decisão, que é analisado pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1).
A empresa Paulo Octávio Hotéis e Turismo informou que o contrato “já foi há bastante tempo extinto, não restando qualquer discussão pendente”. Segundo a empresa, cabe ao ex-secretário explicar o sentido de suas declarações. Procurada, a defesa de Anderson Torres não retornou.
8 de janeiro
O ex-secretário e ex-ministro foi preso pela Polícia Federal em 14 de janeiro, ao desembarcar no Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek, em Brasília. Ele estava nos Estados Unidos, quando teve a prisão preventiva – por prazo indeterminado – decretada pelo ministro do STF, Alexandre de Moraes.
Torres havia reassumido a secretaria de Segurança do DF no dia 2 de janeiro e, logo em seguida, saiu de férias. Em 8 de janeiro, apoiadores radicais de Bolsonaro marcharam do Quartel-General do Exército até a Esplanada, furaram, sem resistência da Polícia Militar, um bloqueio e invadiram o Congresso, o Palácio do Planalto e o Supremo.
Antes de ser preso, o delegado estava com a família na Florida, mesmo Estado para onde Bolsonaro viajou antes da posse de Luiz Inácio Lula da Silva. O ex-presidente está hospedado na casa do ex-lutador de MMA, José Aldo, em um condomínio fechado em Orlando desde 30 de dezembro do ano passado.
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