Anderson Torres diz à CPMI do 8 de Janeiro que minuta do golpe é ‘aberração jurídica’; acompanhe

Parlamentares devem cobrar esclarecimentos sobre relatório da Polícia Civil que mostra repasse de R$ 55 mil a empresário; defesa diz que era pagamento por passagens para os EUA

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Atualização:

BRASÍLIA – O ex-ministro da Justiça Anderson Torres disse nesta terça-feira, 8, à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos atos golpistas de 8 de janeiro que a minuta de decreto golpista, apreendida em sua casa pela Polícia Federal no dia 10 de janeiro, é uma “aberração jurídica” e fantasiosa que não foi descartada por “mero descuido”. Torres compareceu à CPMI usando tornozeleira eletrônica, que faz parte das medidas cautelares a que está submetido após ser solto da prisão.

“A Polícia Federal encontrou um texto apócrifo, sem data, uma fantasiosa minuta, que vai para a coleção de absurdos que chegam aos detentores de cargos públicos”, disse Torres. “Basta uma breve leitura para que se perceba ser imprestável para qualquer fim, uma verdadeira aberração jurídica, que não foi para o lixo por mero descuido”, prosseguiu. “Sequer cogitei encaminhar ou mostrar para alguém”, afirmou.

Veja a primeira parte do depoimento

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O ex-ministro disse não se lembrar quem o entregou o documento e que desconhece as condições em que o material foi produzido. Torres alegou que costumava levar documentos do Ministério da Justiça para ler em casa por causa da sobrecarga de trabalho. Segundo ele, os materiais considerados relevantes eram devolvidos à pasta, já as informações sem pertinência eram descartadas, o que não ocorreu com a minuta golpista.

Torres era Secretário de Segurança Pública do Distrito Federal quando criminosos romperam uma barreira de proteção à Praça dos Três Poderes e depredaram o Palácio do Planalto, além das sedes do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF).

TORRES BRASÍLIA DF 08.08.2023 ANDERSON TORRES/DEPOIMENTO CPMI 8 DE JANEIRO POLÍTICA E - O ex-secretário de segurança pública do Distrito Federal e ex-ministro da Justiça do ex-presidente da República Jair Messias Bolsonaro (PL), Anderson Torres (Foto) presta depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito Mista (CPMI) do 8 de janeiro, na manhã desta terça-feira (08), no Senado Federal em Brasília. FOTO: WILTON JUNIOR / ESTADÃO Foto: WILTON JUNIOR / ESTADÃO

Um dos aliados mais próximos do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), Torres virou um dos principais investigados pela Polícia Federal sobre as articulações políticas para tentativa de golpe. Torres viajou para os Estados Unidos no dia 6 de janeiro, com a justificativa de que sairia de férias apesar dos alertas de inteligência para os riscos de tumulto nos atos convocados para Brasília no dia 8 de janeiro. As férias de Torres só estavam marcadas para o dia 9 de janeiro e nos Estados Unidos ele ainda se encontrou com Bolsonaro, que estava lá desde o penúltimo dia do seu mandato.

Torres alegou ter deixado o País porque estava “tranquilo” com as informações recebidas pelos relatórios de inteligência e com as fotos apresentadas pelo general Gustavo Dutra sobre a situação dos acampamentos em frente ao Quartel General do Exército na véspera do 8 de janeiro. O ex-ministro, então secretário de Segurança Pública do DF no dia 8 de janeiro, chegou a dizer que se o protocolo de operações integradas tivesse sido “cumprido à risca” os ataques golpistas não teriam ocorrido.

Torres responsabilizou a Polícia Militar do DF pelo envio do efetivo menor do que o necessário à Esplanada dos Ministérios no dia da invasão, sob o argumento de que a Secretaria não tinha ingerência sobre questões operacionais da instituição. Ele defendeu durante todo o depoimento o plano de operações elaborado pela Secretaria de Segurança Pública sob sua gestão.

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O ex-ministro também foi questionado sobre fatos anteriores ao dia 8 de janeiro, como as operações realizadas pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) na região Nordeste no segundo turno das eleições de 2022.

A relatora Eliziane Gama (PSD-MA) citou um documento produzido pela ex-diretora de inteligência do Ministério da Justiça Marília Alencar que elencou locais em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Bolsonaro tiveram mais de 70% dos votos para checar se foram realizadas operações nessas cidades e seus eventuais impactos.

De acordo com o ex-ministro, o documento foi produzido para fomentar discussões na pasta, mas que ele tomou a decisão de não dar encaminhamento ao caso por considerar que não foram identificadas irregularidades.

“Não houve interferência do Ministério da Justiça no planejamento da PRF e que a informação recebida do diretor-geral (Silvinei Vasques) era de um planejamento seguro semelhante ao primeiro turno e que foi executado sem alterações. Ninguém deixou de votar e o próprio TSE (Tribunal Superior Eleitora) reconheceu isso. Eu não tinha atribuição de vetar o planejamento operacional de qualquer institucional”, disse Torres em sua fala inicial.

Ainda durante a oitiva, a relatora Eliziane apresentou requerimento para que seja feita uma acareação entre Torres e o delegado da PF Leandro Almada, atual superintendente da corporação no Rio de Janeiro, que chefiava a Superintendência da Bahia durante as eleições de 2022. Almada afirmou em depoimento que recebeu um pedido do então ministro da Justiça para reforçar o policiamento do Estado nas ruas em 30 de outubro.

Quando questionado por parlamentares governistas sobre a sua participação na live organizada por Bolsonaro, em 2021, para atacar as urnas eletrônicas, Torres alegou ter sido “convocado” pelo então chefe e argumentou que a sua “participação se deu nos minutos finais” por meio da leitura de um relatório da Polícia Federal (PF).

Direito ao silêncio

Na manhã desta terça-feira, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes decidiu que Torres será ouvido na condição de testemunha, “tendo o dever legal de manifestar-se sobre os fatos e acontecimentos relacionados ao objeto da investigação”. Moraes, contudo, assegurou o direito do ex-ministro de Bolsonaro de se manter em silêncio quando for questionado sobre fatos que possam incriminá-lo. A liminar garante ao depoente a mesma condição dada ao ex-ajudante de ordens da Presidência Mauro Cid, que optou pelo silêncio absoluto durante todo o seu depoimento à comissão no mês de julho.

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TORRES BRASÍLIA DF 08.08.2023 ANDERSON TORRES/DEPOIMENTO CPMI 8 DE JANEIRO POLÍTICA E - O ex-secretário de segurança pública do Distrito Federal e ex-ministro da Justiça do ex-presidente da República Jair Messias Bolsonaro (PL), Anderson Torres (Foto) presta depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito Mista (CPMI) do 8 de janeiro, na manhã desta terça-feira (08), no Senado Federal em Brasília. FOTO: WILTON JUNIOR / ESTADÃO Foto: WILTON JUNIOR / ESTADÃO

A decisão de Moraes ainda impõe a Torres a proibição de contato pessoal e individual com os senadores Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e Marcos do Val (Podemos-ES) por também figurarem como alvos de investigações que miram a atuação do ex-ministro da Justiça.

A senadora Damares Alves (PL-DF), que trabalhou com Torres no período em que ambos eram ministros do governo Bolsonaro, elogiou a atuação do colega e pediu desculpas por não tê-lo visitado na prisão. A parlamentar ainda afirmou que daria um abraço em Torres. Outros parlamentares bolsonaristas também fizeram gestos de apoio ao ex-ministro, como o líder da oposição no Senado, Rogério Marinho (PL-RN), que foi cumprimentá-lo. Marinho não integra a comissão

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Movimentação financeira

Chegou na CPMI na última quinta-feira, 3, um relatório da Polícia Civil do Distrito Federal que analisa a movimentação financeira de Torres e outros investigados. De acordo com o documento, o ex-ministro repassou R$ 220 mil para sua irmã, R$ 40 mil para sua mãe e R$ 30 mil para sua esposa. Os policiais destacaram ainda a transferência de um total de R$ 55,7 mil também para o empresário Julio Carlos Correia, sócio da PH Recursos Humanos, uma empresa que possui diversos contratos com o governo federal.

TORRES BRASÍLIA DF 08.08.2023 ANDERSON TORRES/DEPOIMENTO CPMI 8 DE JANEIRO POLÍTICA E - O ex-secretário de segurança pública do Distrito Federal e ex-ministro da Justiça do ex-presidente da República Jair Messias Bolsonaro (PL), Anderson Torres (Foto) presta depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito Mista (CPMI) do 8 de janeiro, na manhã desta terça-feira (08), no Senado Federal em Brasília. Anderson Torres, o senador Rogério Marinho e o presidente da CPMI deputado Arthur Maia FOTO: WILTON JUNIOR / ESTADÃO Foto: WILTON JUNIOR / ESTADÃO

Procurado pelo Estadão, o advogado de Torres, Eumar Novacki, informou que o ex-ministro pode esclarecer esses pagamentos aos parlamentares e que não há nenhuma preocupação quanto a isso. A defesa de Torres pediu ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), para que o ex-ministro tenha o direito de não responder a perguntas que possam incriminá-lo, mas também foi solicitada autorização para que Torres possa falar sem descumprir as restrições impostas pela corte. Não havia ainda decisão de Moraes.

A defesa de Torres alega que esses R$ 55,7 mil repassados para o sócio da PH Recursos Humanos foram gastos pela compra de passagens de avião para os Estados Unidos.

“Foram compras de passagens da viagem ele fez para os Estados Unidos. Estamos com os bilhetes impressos. O repasse para a irmã foi por uma sala que ele comprou com ela. Para a mãe, foi uma cirurgia. Não há nada atípico na movimentação financeira dele. Todo o dinheiro que entrou nas contas dele veio do governo, através de conselho de administração, ou do trabalho como delegado ou ministro”, afirmou Novacki ao Estadão.

Torres foi preso no dia 14 de janeiro, assim que pousou no Aeroporto de Brasília, quando voltava das férias nos Estados Unidos. Ele ficou encarcerado até o dia 14 de maio, quando foi solto por decisão do ministro Alexandre de Moraes.

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TORRES BRASÍLIA DF 08.08.2023 ANDERSON TORRES/DEPOIMENTO CPMI 8 DE JANEIRO POLÍTICA E - O ex-secretário de segurança pública do Distrito Federal e ex-ministro da Justiça do ex-presidente da República Jair Messias Bolsonaro (PL), Anderson Torres (Foto) presta depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito Mista (CPMI) do 8 de janeiro, na manhã desta terça-feira (08), no Senado Federal em Brasília. FOTO: WILTON JUNIOR / ESTADÃO Foto: WILTON JUNIOR / ESTADÃO

‘A CPMI não será tolerante com mentiras’

A senadora Eliziane Gama (PSD-MA), relatora da CPMI, diz que Torres “tem muitas explicações a dar ao País”. Ao Estadão, ela afirma que o principal ponto em torno do qual o ex-ministro da Justiça deve ser questionado é a minuta do golpe, que foi encontrada na residência dele após os atos do 8 de janeiro. “É preciso que ele mostre a verdade dos fatos como por exemplo os detalhes e circunstâncias do caso que envolve uma minuta de uma GLO encontrada na sua casa.”

“Esperamos que ele traga respostas detalhadas sobre o dia 8 de janeiro. A expectativa é que ele o faça sem tergiversar, não seja evasivo e principalmente cumpra com a verdade. A CPMI não será tolerante com mentiras, porque vulgarizam os trabalhos da comissão”, disse a senadora.

Integrantes da CPMI pretendem analisar toda a participação de Torres nos atos antidemocráticos que buscavam favorecer Bolsonaro. Isso envolve também apurar sua atuação em outros atos de vandalismo em Brasília e no segundo turno da eleição presidencial, quando a Polícia Rodoviária Federal criou uma série de operações concentradas no Nordeste, sob o argumento de que supostamente combateria o transporte irregular de eleitores. Na prática, a polícia e o Ministério da Justiça foram acusados de terem promovido as operações para tentar impedir eleitores de votar em áreas onde Bolsonaro teria desvantagem.

A CPMI também analisa a relação de Torres com os comandantes da Polícia Militar do Distrito Federal, que falharam na prevenção do vandalismo e permitiram que os golpistas entrassem na Praça dos Três Poderes sem contenção. O objetivo é investigar não só o papel de Torres na articulação com Bolsonaro, mas também como suas decisões na Secretaria de Segurança Pública facilitaram a depredação.


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