BRASÍLIA - O discurso de André Mendonça sinalizando compromisso com a defesa dos direitos conquistados pela comunidade LGBTQIA+, durante a sabatina na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado, deve ser submetido a um teste de fogo logo nos primeiros meses de trabalho no Supremo Tribunal Federal (STF). O futuro ministro, indicado à vaga na Corte pelo presidente Jair Bolsonaro como alguém "terrivelmente evangélico", dará o voto de desempate no julgamento que analisa se detentas transexuais e travestis têm direito de optar por cumprir a pena em presídios masculinos ou femininos.
A ação apresentada pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros pedia inicialmente a obrigatoriedade de que as detentas travestis e transexuais cumprissem pena em presídios femininos, mas o relator, Luís Roberto Barroso, decidiu que cabe à infratora optar pelo tipo de unidade prisional em que deseja ficar reclusa. O caso foi encaminhado ao plenário virtual do Supremo, onde o julgamento foi suspenso após empate em 5 a 5. O presidente da Corte, Luiz Fux, aguardava a nomeação do 11º ministro para marcar a data de retomada da votação, que deverá ser incluída no calendário de 2022. A posse de Mendonça está marcada para o próximo dia 16, mas, no dia seguinte, o STF entra em recesso.
Na sabatina no Senado, ao ser confrontado pelo senador Fabiano Contarato (Rede-ES) sobre sua abertura às pautas progressistas no campo dos costumes, Mendonça, que é pastor evangélico, garantiu que deixaria de lado sua ideologia para, por exemplo, votar a favor do casamento gay, reconhecido em 2011 pelo STF, mas que é rejeitado pela maior parte do segmento religioso. “Na vida, a Bíblia. No Supremo, a Constituição”, afirmou o futuro ministro. O julgamento das detentas transexuais e travestis será, portanto, um termômetro inicial se os argumentos de abrandamento do discurso religioso em virtude de minorias políticas vão prevalecer.
“Ainda que eu seja genuinamente evangélico, entendo não haver espaço para manifestação pública ideológica durante as sessões do Supremo Tribunal Federal”, declarou logo na primeira fala na sabatina. "Me comprometo com o estado laico. Considerando as discussões havidas em função da minha condição religiosa, faz-se importante ressaltar a minha defesa do estado laico. A igreja presbiteriana, à qual pertenço, nasceu no contexto da reforma protestante, tendo como uma de suas marcas justamente a defesa da separação entre igreja e Estado."
A religião do mais novo ministro ganhou atenção do Congresso nos quatros meses em que a sabatina ficou travada na CCJ, sobretudo, por carregar consigo a pecha de “terrivelmente evangélico” colocada por Bolsonaro. Mendonça frequenta a Igreja Presbiteriana Esperança de Brasília, uma tendência sem templo próprio e “mais progressista”, na qual assuntos como política são evitados e a emancipação da mulher é estimulada. A denominação também manifestou reservas à pauta armamentista do governo, outro tema a ser analisado pelo Supremo.
A despeito da corrente doutrinária do novo ministro, Bolsonaro afirmou nesta quinta-feira, 2, que a mais alta Corte do Poder Judiciário tem agora "20%" do que o governo gostaria que fosse decidido. A declaração faz eco ao que ele já havia dito no mês passado a respeito do ministro Kassio Nunes Marques, sua primeira indicação ao Supremo: “Hoje eu tenho 10% de mim dentro do Supremo”.
“Foram aprovados dois nomes, duas pessoas que marcam renovação do Supremo. Todas as instituições devem ser renovadas”, declarou o presidente durante a cerimônia de lançamento do auxílio-gás, no Palácio do Planalto. “Não mando nos votos no Supremo, mas são dois ministros que representam, em tese, 20% daquilo que nós gostaríamos que fosse decidido e votado.”
Marco temporal e outros temas
O novo ministro terá ainda papel determinante em votações de interesse do governo, como o marco temporal para demarcação de terras indígenas e a derrubada dos decretos de flexibilização armamentista. Mendonça vai herdar o acervo de 991 processos deixados pelo ex-ministro Marco Aurélio Mello, que se aposentou em julho deste ano.
Ao Congresso, interessa a posição que o magistrado vai assumir no julgamento do chamado quadrilhão do MDB e da ação remanescente sobre a condenação do ex-deputado André Moura (PSC-SE), que também devem ser pautados em 2022. O caso do ex-parlamentar está empatado e caberá a Mendonça decidir se ele acumulará mais uma condenação. Esses processos devem ditar o compromisso do novo ministro com posições sinalizadas aos senadores: não criminalizar a política e não compor a ala considerada mais punitivista da Corte. Procurado pela reportagem, Mendonça não se manifestou.
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