RIO – A eleição do novo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), reacendeu a discussão sobre a possibilidade de análise do projeto de lei encabeçado pela oposição para anistiar os condenados pelos ataques ocorridos em 8 de janeiro de 2023.
O projeto de lei que prevê anistia estava na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), mas, depois de muita polêmica, foi transferido por Arthur Lira (PP-AL), então presidente da Câmara, para uma comissão especial, no fim do ano passado. A tática teve o objetivo de esfriar a temperatura dos debates no momento em que o governo Lula corria contra o tempo para aprovar medidas do pacote fiscal.
Até hoje, no entanto, a comissão especial para examinar o projeto de anistia não foi formalmente instalada. Como mostrou o Estadão, embora Motta diga que esse assunto não está entre suas prioridades, a qualquer momento o tema pode voltar, dependendo do cenário político e do que o Centrão vai querer de Lula.
O caminho para que o projeto se torne lei e beneficie os condenados pelos atos antidemocráticos é longo e deverá ser analisado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em caso de aprovação nas duas Casas legislativas.

A Constituição Federal prevê, nos artigos 21 e 48, que a concessão de anistia é uma prerrogativa do presidente da República e do Congresso Nacional. O artigo 5, no entanto, ressalta algumas condições para a concessão do perdão. Crimes inafiançáveis, como tortura, tráfico de drogas e terrorismo, e hediondos não podem ser alvo do perdão.
“A lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem”, diz a Carta Magna.
Especialista em Direito Constitucional, Vera Chemin explica que crimes de natureza política são suscetíveis à anistia e, excepcionalmente, crimes comuns. Segundo Vera, apesar de a Constituição prever como crimes inafiançáveis e imprescritíveis “a ação de grupos armados civis ou militares contra a ordem constitucional e o Estado Democrático”, os ministros do STF interpretaram o artigo para considerar que os envolvidos no ataque em Brasília atentaram contra a democracia.
“O artigo 5.º da Constituição, no inciso 43, diz que um crime inafiançável é insuscetível à graça e à anistia. Já o inciso 44, do mesmo artigo, diz que ‘constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados civis ou militares contra a ordem constitucional e o Estado Democrático’”, disse.
“Aí vem a observação. Como o STF continua considerando que aquelas pessoas que estavam no 8 de Janeiro cometeram crime contra o Estado Democrático de Direito, elas não estão sujeitas à anistia. No entanto, constitui crime inafiançável e imprescritível (que não estão sujeitos a perdão) a ação de grupos armados civis. Esse pessoal não estava armado”, explicou.
Discussão sobre anistia no STF
A possibilidade de anistia a condenados por tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito, crimes cometidos pelos envolvidos nos atos de 8 de Janeiro, deverá ser avaliada pelos ministros do STF, caso o projeto seja aprovado no Congresso. A maioria dos ministros entende que há uma “limitação constitucional implícita” para a concessão de perdões a crimes atentatórios ao Estado Democrático.
O entendimento foi firmado, por seis votos a dois, no julgamento para derrubar a graça concedida pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ao ex-deputado Daniel Silveira, em maio de 2023. Na ocasião, os ministros Alexandre de Moraes e Dias Toffoli destacaram que os atos golpistas do 8 de Janeiro são insuscetíveis de perdão.
“Seria possível o Supremo aceitar um indulto a todos os eventualmente condenados pelos atos de 8 de Janeiro, atentados contra a democracia?”, questionou Moraes.

De acordo com Antonio Carlos de Freitas Jr, doutor em Direito Constitucional pela USP e professor do Centro Universitário Fundação Santo André, é mais razoável e mais condizente com as técnicas do Direito uma interpretação mais restrita do texto constitucional. Para ele, a discussão sobre alterações legislativas devem ocorrer no Congresso.
“Quando se afirma sobre coerência interna, é dizer que deveria estar escrito mas não está. É uma linha argumentativa muito perigosa. Se de um lado, alguns podem dizer isso, de outro, pode-se dizer que foi um silêncio eloquente que a Constituição não disse querendo realmente não dizer. O fato é que me parece muito mais razoável e mais condizente com as técnicas do Direito compreender que restrições e vedações devem ser interpretadas de maneira mais exata ou restrita e não extensiva ou ampliativa”, explica.
Para ele, a “antecipações de linhas jurisprudenciais não impedem a discussão legislativa, muito menos a própria aprovação de um projeto de lei”.