Anistia tem aval de mais de um terço da Câmara, mas apoio cai ao incluir Bolsonaro; veja cada voto

Levantamento exclusivo do ‘Estadão’ ouviu 405 dos 513 deputados, 79% da Câmara; atual número garante apresentação de requerimento de urgência para votação no plenário

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Atualização:

BRASÍLIA – Mais de um terço dos 513 parlamentares da Câmara dos Deputados apoia a anistia aos presos do 8 de Janeiro, principal pauta movida pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus apoiadores no Congresso, segundo o Placar da Anistia do Estadão — levantamento exclusivo para identificar como cada um dos deputados se posiciona sobre o tema.

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Já são 187 votos a favor da anistia. Esse número é mais do que o suficiente para garantir a apresentação da urgência do projeto de lei no plenário da Casa, ideia apresentada pelo PL, e está a 70 votos de atingir a maioria absoluta da Câmara.

Para um projeto de lei ser votado na Casa legislativa, é preciso haver pelo menos 257 deputados na sessão. O texto é aprovado com votos da maioria simples, ou seja, maioria dos presentes.

Do total de entrevistados, 405 (79% da Casa) responderam às três perguntas sobre o tema. Os deputados podiam escolher as opções “sim”, “não” ou “não quero responder” à principal questão: se eram a favor ou contra a anistia (entenda a metodologia do levantamento e quais foram as três perguntas mais abaixo). O levantamento é dinâmico, e será atualizado constantemente caso os parlamentares que não responderam se manifestem ou se houver mudança de posição.

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O tema da anistia começou a ganhar tração no Congresso Nacional no ano passado, quando Bolsonaro começou a defender uma anistia aos presos do 8 de Janeiro, que, segundo ele, não o beneficiaria.

O projeto de lei 2.858/2022, de autoria do deputado federal Major Vitor Hugo (PL-GO), é o texto sobre o tema com a tramitação mais avançada no Legislativo hoje.

Além de propor o “perdão” das pessoas responsabilizadas pela invasão em Brasília, ele abre brecha para favorecer o ex-presidente, já que pode abranger pessoas que participaram de eventos antes ou depois de 8 de janeiro de 2023, que tenham conexão com os atos daquele dia.

O projeto foi retirado da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara em outubro do ano passado pelo então presidente da Casa Arthur Lira (PP-AL). A medida atrasou sua tramitação. Sem isso, o texto poderia ter sido votado pela comissão ainda naquele mês.

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O Estadão mostrou que juristas viam o texto apresentado na CCJ como “muito amplo” e com brechas que poderiam favorecer o ex-presidente.

O ex-presidente Jair Bolsonaro, durante manifestação em Copacabana, no dia 16; principal pauta do ato foi o pedido de anistia. Foto: Pedro Kirilos/Estadão

Dados do Placar da Anistia do Estadão mostram que quem é contra a anistia é irredutível na punição aos golpistas, com a exceção de poucos deputados, que entendem que quem cometeu infrações menores na invasão poderia receber penas mais proporcionais.

O entendimento dos parlamentares pró-anistia varia. A ala mais radical na Câmara defende, em sua maioria, uma anistia total para todos os envolvidos nos atos golpistas e que o indulto se estenda até para Bolsonaro.

No grupo pró-anistia, quem não defende um perdão completo a todos os envolvidos no 8 de Janeiro argumenta que o que aconteceu naquele dia não foi uma “tentativa de golpe de Estado” e, sim, um “ato de vandalismo” e, para sustentar o argumento, diz ser injusta a pena para a cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos, mulher acusada de pichar a estátua da Justiça, na frente do STF, com a frase “perdeu, mané”. Em depoimento, ela afirmou ter feito isso usando um batom.

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Nesta sexta-feira, 21, o ministro do STF Alexandre de Moraes votou para condenar Débora a 14 anos de prisão em regime inicial fechado. O julgamento continua e a votação segue aberta até 28 de março. A Procuradoria-Geral da República (PGR) atribui cinco crimes a Débora — golpe de Estado, tentativa de abolição violenta do estado democrático de direito, associação criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.

“Esse negócio está muito nebuloso”, diz o deputado João Leão (PP-BA), que preferiu não se posicionar, mas que diz que há excessos cometidos pelo Supremo e que, se Bolsonaro for condenado, defenderia uma anistia para ele. “Se você tiver comprovação real que foi o cara que quebrou vidro, eu acho que esse cara tem que sofrer uma pena. mas a mulher que escreveu com o batom na estátua, tomar 14 anos de prisão, aí não.”

Veja as respostas dadas para cada uma das perguntas:

Pergunta 1: É a favor da concessão de anistia aos envolvidos nos atos de 8 de Janeiro?

A maioria entre os deputados que responderam à enquete do Estadão diz ser favorável à anistia. Até a publicação desta reportagem, 187 deputados responderam “sim”, enquanto outros 119 disseram “não” e outros 99 não quiseram responder.

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Enquanto líderes do PL, de Bolsonaro, e do PT, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, são incisivos em seus posicionamentos, lideranças do Centrão ainda preferem não se posicionar abertamente, por considerar a pauta desagregadora e de difícil diálogo.

“Como líder de bancada, eu tenho que escutar e eu nunca levei esse tema. É um tema que não converge, então tem que dialogar bastante”, afirma Pedro Lucas Fernandes, líder do União Brasil. Alguns deles – como Adolfo Viana (BA), líder do PSDB – dizem que pretendem levar a discussão da proposta à bancada já na próxima semana (veja mais sobre o levantamento do Estadão com os deputados sobre a anistia abaixo).

Há o caso de um casal de deputados em que é um a favor e o outro é contra a anistia mesmo estando no mesmo partido, o Republicanos. Silas Câmara (AM) diz ser favorável à anistia, que “cada caso é um caso” e que defende que o benefício atinja Bolsonaro. Já Antônia Lucia (AC) diz que o 8 de Janeiro foi um “golpe”. “Sou contra aquele golpe”, afirmou.

Com a exceção do PL, o União Brasil é o partido com mais deputados que mais apoiam abertamente a anistia — 24 deles defendem o perdão a quem esteve na Praça dos Três Poderes durante os atos golpistas que vandalizaram os prédios do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Palácio do Planalto.

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A bancada tem 59 parlamentares no total e tem três ministérios no governo Lula, mas também possui bolsonaristas. Alguns deles defendem a anistia para Bolsonaro. “Se aparecer a anistia para Bolsonaro, eu defendo”, disse Alfredo Gaspar (União-AL).

Sete deputados do PL preferiram não se posicionar: Antonio Carlos Rodrigues (SP), Detinha (MA), Emidinho Madeira (MG), Junior Lourenço (MA), Marcio Alvino (SP), Pastor Eurico (PE) e Soraya Santos (RJ). Entre os petistas, três fizeram o mesmo: Alexandre Lindenmeyer (RS), Carol Dartora (PR) e Flávio Nogueira (PI).

A convicção majoritária entre os petistas é que quem participou dos atos golpistas precisa pagar pelo que fez.

“Não foi um ato espontâneo, mas uma tentativa articulada de golpe de Estado. Quem financiou, mobilizou e arquitetou essa tentativa deve ser responsabilizado”, diz Carlos Veras (PT-PE), primeiro-secretário da Câmara. “A anistia seria um incentivo à impunidade e um convite para novos ataques à democracia. Cada envolvido deve responder por seus atos, conforme a lei.”

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Na tabela abaixo, você pode ver como cada deputado se posicionou sobre a anistia, podendo filtrar os dados por nome, partido e Estado. É possível também enviar um e-mail pedindo explicação ao deputado sobre o posicionamento dele.

Pergunta 2: Concorda com proposta de anistia total (isenção da pena e processo) ou redução da pena aos envolvidos?

Entre os defensores da anistia, a maior parte deles quer que o benefício atinja a todos os envolvidos nos atos golpistas, segundo levantamento feito pelo Estadão. A pesquisa aponta que 114 deles querem uma anistia total, 51 deles a redução da pena, enquanto 120 não querem nenhuma das duas coisas. Fazem parte desse grupo os contrários a anistia. Mais de uma centena (120) de parlamentares não quis responder a essa pergunta.

O PP e o MDB tiveram 22 e 17 deputados, respectivamente, favoráveis à anistia. Fazem parte desse grupo uma ala mais ideológica dessas duas siglas, próxima a Bolsonaro. O MDB tem três ministérios no governo Lula; o PP tem um.

Alceu Moreira (MDB-RS) diz que a anistia precisa ser total porque os punidos responderam criminalmente pela tentativa de golpe de Estado e, para ele, não houve golpe. “A motivação da privação de liberdade é por golpe de Estado. O golpe não houve. Se tem que identificar o crime para fazer dosimetria, tem que fazer o crime. Dar 17 anos para quem passou batom numa estátua não tem sentido”, afirma.

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Na tabela abaixo, você pode ver como cada deputado se posicionou sobre o modelo da anistia, podendo filtrar os dados por nome, partido e Estado. É possível também enviar um e-mail a algum parlamentar.

Pergunta 3: Considera que a anistia também deve atingir os denunciados ao STF no processo que envolve o ex-presidente Jair Bolsonaro e outras 33 pessoas?

Os votos “não” são maioria entre os deputados que responderam ao último questionamento — se eles consideram que a anistia deveria beneficiar Bolsonaro e os outros 33 denunciados pela PGR por tentativa de golpe.

Há aqui uma mescla entre todos os grupos. São parlamentares que escolheram essa opção por entender que a anistia só vale para quem esteve na Praça dos Três Poderes, bolsonaristas que dizem que o ex-presidente não foi condenado, sequer cometeu crime e que apoiariam uma nova anistia unicamente para Bolsonaro e também deputados contrários à anistia em qualquer hipótese.

Uma ala do PL defende que Bolsonaro deveria ser também anistiado. Desse grupo, há alguns que votaram contra o benefício ao ex-presidente, ressalvando que se um outro projeto voltado unicamente a Bolsonaro aparecer, ai sim apoiariam.

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“Não que eu seja contra ou a favor, óbvio que se fosse pautado para poder, acredito, ampliar para ele, seria favorável. Mas vejo que o foco do presidente é anistiar o pessoal do 8 de Janeiro”, diz Nikolas Ferreira (PL-MG).

Na tabela abaixo, você pode ver como cada deputado se posicionou sobre a extensão da anistia, podendo filtrar os dados por nome, partido e Estado. É possível também enviar um e-mail ao parlamentar, manifestando opinião sobre o posicionamento dele na pesquisa.

Saiba como foi feito o levantamento

O Estadão contatou todos os 513 deputados presencialmente, por telefone, via assessoria de imprensa e por e-mails enviados aos gabinetes. Os parlamentares foram abordados durante sessões do plenário da Câmara e do Congresso, nas comissões da Casa e em seus gabinetes.

Até a publicação deste texto, três em cada quatro (78%) parlamentares responderam ao questionário. Outros 108 deputados não deram retorno.

Foram feitas três perguntas:

  • O sr/sra. é a favor da concessão de anistia aos envolvidos nos atos de 8 de Janeiro? Possíveis respostas: Sim - Não - Não quis responder
  • O sr/sra. concorda com proposta de anistia total (isenção da pena e processo) ou redução da pena aos envolvidos? Possíveis respostas: Anistia total - Redução da pena - Nenhuma das duas
  • O sr/sra. considera que a anistia também deve atingir os denunciados ao STF no processo que envolve o ex-presidente Jair Bolsonaro e outras 33 pessoas? Possíveis respostas: Sim - Não

Reportagem: Levy Teles, Weslley Galzo e Gabriel de Sousa. Colaboraram Adriana Victorino e Gabriela Carvalho, especiais para o Estadão; Infografia e desenvolvimento: Lucas Thaynan; Editora de infografia: Regina Elisabeth Silva; Editores-assistentes de infografia: Adriano Araujo e William Mariotto; Editores de Política: Francisco Leali e Samanta Nogueira; Editor Executivo em Brasília: Murilo Rodrigues Alves