‘Antes tarde do que nunca’, diz filho de piloto de avião sequestrado sobre agradecimento de Sarney

Após 35 anos, ex-presidente José Sarney agradeceu publicamente, em entrevista ao ‘Estadão’, comandante de voo que o salvou de atentado em 1988

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Foto do author Tácio Lorran
Atualização:

BRASÍLIA - Fernando Alves de Lima e Silva passou longos anos sabendo do desejo do pai, o piloto Fernando Murilo, de receber um agradecimento pessoal do ex-presidente José Sarney, depois de livrar o Palácio do Planalto de um atentando em 1988. 35 anos depois, o ex-presidente afirmou ao Estadão reconhecer o ato de heroísmo. A manifestação de Sarney, ainda que tardia, agradou o filho do piloto falecido em agosto de 2020.

“Eu fico feliz com o agradecimento. Antes tarde do que nunca”, respondeu Fernando, arquiteto de software de 49 anos. O filho do piloto fez, no entanto, um pedido adicional: “Sarney também poderia fazer um reconhecimento maior e não ficar só nas palavras. Talvez colocar o nome do meu pai em uma rua ou num aeroporto, por exemplo”, acrescenta.

Fernando Alves ao lado do pai, o piloto de avião Fernando Murilo, que livrou o Palácio do Planalto de um atentado em 1988 Foto: Arquivo pessoal

O piloto Murilo comandou o voo 375 da Vasp que foi sequestrado por um homem armado em 29 de setembro de 1988. Inicialmente, a aeronave tinha como destino o Rio de Janeiro, mas teve a rota alterada para Brasília a mando do criminoso. Desempregado e insatisfeito com a gestão Sarney, o maranhense Raimundo Nonato Alves da Conceição botou uma arma na cabeça do comandante e o obrigou a ir à capital federal com o objetivo de atingir o Palácio do Planalto. O plano fracassou graças a manobras de Murilo.

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O comandante foi condecorado no dia seguinte com uma medalha da Força Aérea Brasileira (FAB), mas não recebeu um agradecimento pessoal de Sarney. Murilo relatou a insatisfação em entrevistas. O fato também é registrado no filme O Sequestro do Voo 375, lançado no fim do ano passado no Brasil.

“Meu pai não tinha político preferido, mas a ligação do Sarney era importante por ele ter sido um chefe de Estado”, relata o filho Fernando, em conversa com o Estadão. “Meu pai ficou feliz com a insígnia da FAB que recebeu, mas não tinha muito apreço por ela. A maior condecoração que ele poderia ter recebido mesmo seria o Sarney ligar para ele em vida.”

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Foto do piloto Fernando Murilo em cerminônia no Sindicato dos Aeronautas em 2001 Foto: Otávio Magalhães/AE

Ao conversar com o Estadão nessa terça-feira, 9, Sarney afirmou que, na época, não tinha muitas informações sobre o caso do atentado. “Você conhece o meu temperamento, eu jamais deixaria de ter o maior carinho com ele, agradecimento e gratidão. Mas essa fato, eu não tinha até hoje... fui ver agora o que foi que se passou. Nem naquele dia me comunicaram”, disse, ao chamar o comandante Murilo de “herói”.

Fernando acredita que o caso foi abafado pelo governo por motivos políticos. “Naquele momento, ele [Sarney] poderia ter ficado mesmo sem saber o que aconteceu, mas depois tivemos muitas notícias”.

Sarney também destacou que a condecoração do piloto Murilo é a mais alta da Aeronáutica. O comandante recebeu uma medalha de cavaleiro da Ordem do Mérito Aeronáutico.

O ex-presidente José Sarney Foto: Dida Sampaio/Estadão

O filme ‘O Sequestro do Voo 375′ mostra que, além de ter ajudado Raimundo a desistir da ideia de atingir o Planalto, o piloto Murilo fez manobras arriscadas para desestabilizar o sequestrador. Em um primeiro momento, realizou a acrobacia em que o avião executa uma rotação completa em torno do seu eixo, conhecida como Tonneau Barril; em seguida, deixou o avião cair em parafuso numa queda livre.

Lançado nos cinemas brasileiros no fim do ano passado, o filme tem produção de Joana Henning e foi escrito por Lusa Silvestre e Mikael de Albuquerque e dirigido por Marcus Baldini.

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O filho do comandante disse ter ficado satisfeito com o resultado da produção, mas lamentou que o País não sabe reconhecer heróis nacionais. “Não falo aqui só do meu pai, mas também de outros tantos casos, como daquela professora de Goiânia”, conta, referindo-se à coordenadora Simone Elteto, que conseguiu convecer um adolescente de 14 anos a parar de atirar durante um atentado na capital de Goiás.

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