Ao saber dos planos de golpe e não punir os envolvidos, Bolsonaro aderiu ao ato, dizem especialistas

‘Estadão’ ouviu magistrados, procuradores e advogado criminalista que explicaram por que a conduta do ex-presidente pôde ser enquadrada como criminosa mesmo que não tivesse dado a ordem para o golpe de estado; defesa do ex-presidente só vai se manifestar quando tiver acesso

PUBLICIDADE

Foto do author Marcelo Godoy
Atualização:

Ao tomar conhecimento dos planos golpistas e não determinar a prisão ou investigação dos fatos que poderiam beneficiá-lo, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) aderiu à “empreitada criminosa” e “concorreu para que os delitos acontecessem”. Essa é a opinião de especialistas em direito penal ouvidos pelo Estadão. O ex-presidente foi indiciado pela Polícias Federal no inquérito do golpe por três crimes: organização criminosa, tentativa de abolição do estado democrático de direito e golpe de estado.

O criminalista Paulo Amador da Cunha Bueno, que representa Bolsonaro, diz que só irá se manifestar quando tiver acesso ao relatório final da Polícia Federal, para fazer “uma manifestação mais segura”.

O então presidente da República, Jair Bolsonaro é cumprimentado pelo comandante de Operações Especiais, o general Mário Fernandes, na sede do COpEsp, em Goiânia Foto: Isac Nóbrega/PR

PUBLICIDADE

De acordo com eles, ainda que Bolsonaro não tenha dado a ordem final, assinado o papel para a intervenção no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a prisão ou morte do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), ou para o assassinato dos integrantes da chapa vencedora da eleição – Luiz Inácio Lula da Silva e Geraldo Alckmin –, ele ocupava uma função pública – a Presidência da República – e como tal não poderia se omitir.

“Uma pessoa comum não tem a obrigação de agir, como nós, que exercemos funções públicas. O funcionário público em cargo de poder e decisão responde pelo que fez errado e responde pelo que deixou de fazer quando a lei determina que ele deveria agir”, afirmou a desembargadora Ivana David, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP).

Ex-juíza corregedora da Polícia Judiciária, Ivana é conhecida pelo peso de sua caneta. De acordo com ela, como presidente e Chefe Supremo das Forças Armadas, mesmo não tendo dado a ordem para a execução do golpe, ao tomar conhecimento de que a ação de militares como o general Mário Fernandes estava em andamento e, mesmo que ele somente tivesse se omitido sem determinar a prisão de todos, Bolsonaro já teria, em tese, concorrido para que o crime fosse cometido.

Publicidade

“Teria teoricamente prevaricado. Como o chefe, sabendo de um ‘movimento’ criminoso, tinha a obrigação legal de agir. No silêncio, tendo conhecimento, concorreu para os delitos, teoricamente”, afirmou. Ainda que a defesa do ex-presidente alegue desconhecimento dos fatos, a questão que permanece é quem se beneficiaria do golpe?

Para o procurador de Justiça, Mário Sérgio Christino, do Ministério Público de São Paulo, “o problema é que ele (Bolsonaro) é o beneficiário da ação; logo, tomou conhecimento e se aproveitou da situação, ao ato aderiu”. Ou seja, de acordo com ele, as provas colhidas pela PF e tornadas já públicas mostram no entendimento do procurador que o ex-presidente se omitiu “em benefício próprio, de forma que assim fazendo aderiu” à empreitada criminosa.

Professor livre-docente do Departamento de Direito Penal, Criminologia e Medicina Forense da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), o criminalista Pierpaolo Bottini afirmou que, de acordo com o que foi divulgado até agora das provas colhidas pela PF, a conduta de Bolsonaro passou da omissão diante dos fatos. “A questão não é mais verificar qual o grau de ciência e capacidade dele de impedir os fatos. Mais do que tomar ciência, as provas indicam que ele participou com apoio intelectual que pode ser equiparado à instigação do ato criminoso”.

O desembargador aposentado do TJ-SP Walter Maierovitch afirmou que mesmo Bolsonaro negando qualquer tipo de participação, os indícios têm lastro suficiente para uma condenação, pois “a prova é contundente, é muito forte”. Apesar disso, Maierovitch lança um alerta: é necessário que o ministro Alexandre de Moraes, que presidiu o inquérito do caso, afaste-se do processo, caso haja acolhimento de uma futura denúncia criminal da Procuradoria-Geral da República.

“È como o juiz de garantia. Se ele participou do inquérito policial, ele não deveria julgar o processo. Esse é um princípio universal do devido processo legal. Vimos o que aconteceu com o Sérgio Moro, na Lava Jato. O magistrado que, além de tudo, é vítima no processo, deveria se afastar”, afirmou. A solução no caso seria o Supremo convocar um ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para analisar o processo.

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.