O Movimento dos Sem Terra (MST) ampliou a lista de exigências ao governo Luiz Inácio Lula da Silva enquanto mantém áreas rurais produtivas e de pesquisa sob o controle de seus militantes. Após ter cedido e feito nomeações em órgãos federais, a gestão petista se mobilizou nesta quinta-feira, 20, para receber mais demandas. De Londres, o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, abandonou um evento e foi chamado de volta ao Brasil por Lula para tratar da crise. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, abriu as portas do gabinete da pasta na capital paulista a líderes dos sem-terra e se dispôs a ouvir novos pedidos.
O governo já havia nomeado 19 superintendentes do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para tentar pôr fim à onda de invasões deflagradas no chamado “Abril Vermelho”. Em contrapartida, áreas invadidas em Petrolina (PE) e Aracruz (ES), pertencentes à Embrapa e à Suzano, deveriam ser desocupadas, o que não se concretizou. Setores do agronegócio, governadores e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), criticam a investida do MST.
O movimento passou a pedir a nomeação de mais sete superintendentes do Incra, a instalação de uma mesa de negociação com a participação do governo federal para deixar terras invadidas da Suzano, além de cobrar de Haddad mais verbas públicas para a compra de terras destinadas à desapropriação. De acordo com o MST, os recursos são insuficientes para atender às necessidades da reforma agrária.
Após o encontro com o ministro, o coordenador nacional do MST, João Paulo Rodrigues, afirmou que Haddad vai estudar um aumento da verba destinada à obtenção de terras para a reforma agrária para R$ 400 milhões. “O Incra herdado de (Jair) Bolsonaro teve um orçamento de R$ 200 milhões. A necessidade para assentar todas as famílias acampadas hoje é de R$ 1,3 bilhão. O ministro disse que é muito difícil recompor o orçamento neste ano”, disse Rodrigues.
Ainda segundo o líder do MST, Haddad também estuda criar dois grupos de trabalho. Um seria dedicado a avaliar a viabilidade de devedores da União pagarem a dívida entregando suas terras, e outro, a analisar crédito para financiamento da agricultura familiar. Questionado pelo Estadão, o Ministério da Fazenda disse apenas que vai “estudar” a pauta de reivindicações recebidas.
De acordo com Rodrigues, o movimento se comprometeu a desocupar as duas áreas invadidas até o fim de semana. “O ministro fez o pedido que é importante a desocupação e nós falamos que vamos desocupar a Embrapa assim que acharmos um local para colocar as 800 famílias que estão lá e que vamos desocupar a área da Suzano”, disse.
Rodrigues disse que não há motivos para o MST criar “constrangimento com o governo Lula”. “O MST é parceiro do governo. Está com uma agenda de produção de alimento. Mas nós achamos justo que, no mês de abril, o MST possa apresentar a nossa pauta, que é o assentamento imediato de 60 mil famílias acampadas, na sua grande maioria, desde o governo Dilma (Rousseff)”, afirmou.
Crise
Apesar da fala de Rodrigues, há uma crise no governo Lula. O titular da Agricultura, por exemplo, já classificou a ação do MST em suas redes sociais como “crime” e “inaceitável”. Fávaro tem destoado do restante da gestão petista no que diz respeito à atuação dos sem-terra.
O ministro chegou a Londres na terça-feira, após as primeiras invasões do fim de semana, e embarcou de volta ao Brasil na noite desta quinta-feira, 20. Fávaro cancelou a palestra que faria a empresários hoje no Lide Brazil Conference, em Londres, e voltou às pressas ao Brasil. O Estadão apurou que o ministro informou ao evento que retornaria por causa das invasões e a pedido de Lula.
Reunidos no mesmo seminário, governadores e Pacheco, presidente do Senado, condenaram duramente as invasões. Em entrevista ao Estadão, Pacheco, que abriu o seminário em Londres, cobrou a repressão às invasões. “Invasões são contrárias à lei e tudo que for contrário a lei deve ser coibido e evitado”, disse. “O governo tem o compromisso de reprimir esse tipo de atitude. Se a reivindicação é ter a titularidade da terra, que se adote o procedimento adequado sem o uso arbitrário das suas próprias razões”, afirmou.
O governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), fez coro à repercussão negativa: “Na hora que o movimento invade uma área da Embrapa, uma sede do Incra e propriedades produtivas, ele perde apoio político. O momento exige uma reflexão do movimento e um processo mais acelerado de políticas públicas no setor agrário”, disse o chefe do Executivo capixaba.
Ilegalidade
Também aliado de Lula, o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), saiu na mesma linha. O “Abril Vermelho” é alusivo ao massacre de Eldorado dos Carajás (PA), quando 18 sem-terra foram mortos por policiais em 1996, enquanto ocupavam uma rodovia. “É fundamental que o Brasil possa ter tranquilidade no campo e segurança jurídica da propriedade de terra. Deve-se combater toda ilegalidade. Desejo que se construa uma pacificação desse ambiente e que possa valer a Justiça para coibir toda e qualquer ilegalidade”, disse Helder.
Filiado ao PL de Bolsonaro, o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, definiu os objetivos do movimento como estritamente políticos: “Que bom o governo estar criticando a ação do MST de áreas públicas produtivas. Eles têm de rever o que querem. Não pode acontecer uma invasão dessa só para terem apoio político. Me parece muito mais uma ação política. Esse movimento é estritamente político. Quem faz balbúrdia perde a razão”, disse Castro.
Comemoração
Enquanto meios empresarial e político alertam para a legalidade e a segurança jurídica no campo, militantes dos sem-terra comemoram o resultado das ações. “A nossa avaliação é que a jornada foi vitoriosa”, afirmou Ceres Hadich, da direção nacional do MST. “Nossa impressão geral é de abertura do governo para atender nossa pauta, com o governo abrindo negociação e criando grupos de trabalho para atendê-la.”
Em nota, o MST definiu a mais recente onda de invasões como “jornada vitoriosa”, destacando que realizou “29 ocupações desde o início do ano” e que o governo abriu canais de negociação para atender às demandas. Agora, o grupo quer mais nomeações no governo Lula “Sete Estados ainda seguem sem um novo responsável: Rondônia, Roraima, Alagoas, Tocantins, Amazonas e Amapá e Minas Gerais”, afirma.
O ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, tem evitado usar termos mais duros desde o início da crise. Nesta quinta-feira, 20, em entrevista ao Broadcast/Estadão, ele afirmou que o governo aguarda o cumprimento do acordo, que prevê as desocupações. “O acordado foi que o MST iria desocupar a área da Embrapa e da Suzano. Isso é condição do governo para retorno do diálogo.”/COLABOROU ISADORA DUARTE
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