A estratégia deu certo em 2006, quando o PT deixou o PSDB tonto ante a inesperada retomada do discurso ideológico no segundo turno da disputa entre o presidente Luiz Inácio da Silva e Geraldo Alckmin. Conseguiu rapidamente dar a volta por cima na frustração da expectativa de vitória em primeiro turno e pôs o adversário a reboque da agenda que lhe foi mais conveniente durante as três semanas de campanha. Uma arquitetura realmente digna de constar em manual. Tão bem-sucedida que é adotada agora em São Paulo, na tentativa de virar o jogo em favor de Marta Suplicy. No ato de apoio à candidata petista, quinta-feira, isso ficou nítido. Bem instruídos a traçar uma risca de giz entre o campo dos "progressistas" e o terreno freqüentado pelos "conservadores" adeptos da candidatura de Gilberto Kassab, ministros, governadores, intelectuais e sindicalistas bateram no mesmo ponto: a construção de um cenário de luta entre mocinhos e bandidos. Estes, de "direita", aqueles, de "esquerda". Pode dar certíssimo de novo, como pode resultar no chamado tiro no pé. A grande vantagem de Marta agora é justamente o que foi o trunfo de Kassab no primeiro turno: em condição de franca inferioridade, não tem nada a perder. Portanto, em tese, qualquer risco vale a pena. Quem precisa tomar todos os cuidados é o prefeito, para não perder a dianteira. A administração da superioridade - conforme demonstraram os principais resultados do primeiro turno - é uma tarefa bem mais difícil e perigosa. A subida de Kassab é prova viva, bem como as ultrapassagens de Fernando Gabeira no Rio e Leonardo Quintão em Belo Horizonte. Os três largaram no prejuízo, foram deixados de lado, tidos desde o início como fora do páreo até pelos próprios correligionários e cresceram na base do que vier é lucro, contrastando com a soberba e a tensão dos favoritos. Agora é deles o compromisso maior com a gerência do inesperado sucesso. Marta, porém, tem uma situação peculiar, porque joga no terreno da sucessão presidencial, onde a distância entre uma derrota e uma derrota estrondosa fará uma enorme diferença. Levar o debate para o campo da briga entre conservadores e progressistas em São Paulo, para um eleitor atento a questões municipais, pode ter o efeito inverso ao obtido por Lula em 2006, quando os ataques à "herança maldita" ocorreram sob o olhar aparvalhado de um adversário incapaz de apontar a incoerência do discurso de quem rezara quatro anos pela mesma cartilha. Aqui já não existe o elemento surpresa. Por isso, não há um oponente tão desprevenido que não possa rebater com fatos do cotidiano do governo federal as acusações de alianças com as "forças do atraso", com a "elite", os "fisiológicos", os "oportunistas que mudam de lado", o "uso da máquina administrativa". A tentativa de mostrar intimidade com o grupo de Mario Covas pode soar excessiva no que tange ao senso de oportunidade, bem como talvez pareça incongruente dizer que a prefeitura será comandada pelo "pefelê" e, ao mesmo tempo, acusar Kassab de ser comandado por José Serra. Ademais, quem garante ao PT que "conservador" é insulto para o paulista? Paulo Maluf não caiu do pedestal onde se manteve anos a fio por sua posição no campo ideológico. Caiu pelo conjunto da obra que o levou à cadeia, acusado de corrupção. Fiel depositário O ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, não se alia - ao contrário, repudia - à interpretação de que o PMDB estaria condicionando sua posição na aliança nacional com Lula à atuação do presidente no segundo turno das campanhas municipais. No caso do ministro, a neutralidade em Salvador, onde patrocina a reeleição do prefeito João Henrique contra a eleição do petista Walter Pinheiro. "Não defendo candidatura própria em 2010 e, pessoalmente, sou a favor da manutenção da aliança com Lula em qualquer circunstância." Afinal, reconhece, o partido cresceu nos municípios em virtude da adesão total ao governo federal no segundo mandato. Depende A decisão de enviar o secretário particular do presidente Lula, Gilberto Carvalho, para "reforçar" a campanha de Marta Suplicy deu margem a duas leituras. A otimista vê o gesto como sinal do grande empenho do presidente. A pessimista enxerga a intenção de Lula de manter relativa distância. Os adeptos da segunda hipótese lembram que Marta só queria sair do Ministério do Turismo para ser candidata depois que o presidente lhe fizesse um pedido público. Lula enviou o marqueteiro João Santana para cuidar da campanha e considerou que, assim, pontuava a identificação na medida certa. O apelo pessoal o faria responsável pela candidatura tornando quase obrigatória a volta de Marta ao ministério, em caso de derrota. Se ela perder, pode até voltar. Mas não necessariamente.
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