Em campos opostos da política desde a década de 1990, os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Fernando Henrique Cardoso (PSDB) almoçaram juntos, no último dia 12, em São Paulo, na casa do ex-ministro Nelson Jobim, amigo dos dois. O encontro, promovido por Jobim e tornado público ontem, ocorreu após Fernando Henrique dizer que, num eventual segundo turno entre o presidente Jair Bolsonaro e Lula, na eleição de 2022, não teria dúvida em votar no petista.
A aproximação incomodou o PSDB, no momento em que tucanos organizam prévias para a escolha do concorrente à Presidência, e causou preocupação no Palácio do Planalto. Diante das dificuldades para a construção da chamada terceira via, Lula se apresenta como um candidato moderado, que deseja atrair o centro político, faz acenos à direita e tenta quebrar resistências no empresariado.
A ideia do PT é criar uma frente que reúna vários partidos e setores da sociedade contra Bolsonaro. Na conversa de três horas, Lula e FHC abordaram a gravidade da crise provocada pelo coronavírus, que resultou na CPI da Covid no Senado, o “descaso do governo no enfrentamento da pandemia” – frase usada pelo petista – e os problemas na seara econômica.
“A convite do ex-ministro Nelson Jobim, o ex-presidente Lula e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso se reuniram para um almoço com muita democracia no cardápio”, postou Lula nas redes sociais, referindo-se a ele mesmo na terceira pessoa. A foto mostra que os dois ex-presidentes usavam máscara de proteção.
O Estadão apurou que o momento de divulgar o encontro e até o texto postado nas mídias digitais foram combinados entre FHC e Lula. A reunião estava sendo articulada há mais de um mês e foi considerada “amistosa” pelas duas partes. Na terça-feira, 18, seis dias depois do encontro, FHC classificou Lula como “um democrata”, em entrevista ao programa Conversa com Bial, da TV Globo. Ao jornal Valor Econômico, no dia 14, e à Rádio Eldorado, nesta semana, FHC reiterou a disposição de votar em Lula, caso ele dispute o segundo turno contra Bolsonaro.
“Continuo buscando uma terceira via entre Bolsonaro e Lula. Se possível, no PSDB. Se essa não acontecer, não vou deixar meu voto em branco”, disse FHC à Coluna Direto da Fonte.
Sinais trocados
A reunião na casa de Jobim foi criticada pela cúpula do PSDB. O partido tem quatro pré-candidatos à sucessão de Bolsonaro: os governadores João Doria (São Paulo) e Eduardo Leite (Rio Grande do Sul), o senador Tasso Jereissati (CE) e o ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio. As prévias para escolher quem representará a sigla estão marcadas para 17 de outubro, mas há um movimento para adiá-las.
“Esse encontro ajuda a derrotar Bolsonaro, mas não faz bem a um potencial candidato do PSDB. Nossa característica é saber dialogar, inclusive com adversários políticos”, avaliou o presidente do PSDB, Bruno Araújo. “De toda forma, precisamos evitar sinais trocados a nossos eleitores. O partido segue firme na construção de uma candidatura distante dos extremos que se estabeleceram na democracia brasileira.”
Sem citar os ex-presidentes, Bolsonaro aproveitou uma cerimônia no Maranhão, ontem, para dirigir xingamentos aos rivais. “Falando em política, para o ano que vem já tem uma chapa formada: um ladrão candidato a presidente e um vagabundo como vice”, afirmou ele. “Só mesmo Bolsonaro é incapaz de aceitar que dois ex-presidentes podem conversar civilizadamente sobre os graves problemas do país”, rebateu a presidente do PT, Gleisi Hoffmann.
Adversários, mas não inimigos, FHC e Lula vinham se estranhando há tempos. O tucano nunca perdoou o petista por dizer que encontrou uma “herança maldita” quando assumiu a Presidência, em 2003. Lula, por sua vez, nunca se conformou com o fato de o PSDB ter apoiado o impeachment da então presidente Dilma Rousseff e de FHC não ter saído em sua defesa quando ele foi alvo da Lava Jato.
Desde que o Supremo Tribunal Federal anulou as condenações impostas a Lula, interlocutores do PSDB e do PT tentam aproximar os dois líderes, sob o argumento de que é preciso construir um campo de “democratas” para enfrentar Bolsonaro. Um dos entusiastas da ideia é justamente Jobim, ex-presidente do Supremo e ex-ministro da Justiça no governo de FHC, além de ter sido titular da Defesa nas gestões de Lula e Dilma.
“Conversar com todos é premissa de quem deseja o fim do ‘nós contra eles’, algo que foi, inclusive, muito incentivado pelo PT, mas eu não aceito que o Brasil ande para trás. Confio que o ex-presidente Fernando Henrique também não”, observou Eduardo Leite. Aliados de Doria disseram ao Estadão que ele ficou aborrecido ao saber do encontro. O governador de São Paulo, porém, não quis se manifestar.
“Nossa principal missão hoje, talvez a mais importante, é parar o clima de ódio nesse País. O diálogo e a aceitação da divergência devem ser permanentes. Entendo o gesto do ex-presidente Fernando Henrique nessa direção”, destacou Tasso Jereissati. Arthur Virgílio foina mesma linha. “Achei uma tempestade em copo d’água essa polêmica toda. Política a gente faz com calma, frieza e a objetividade de chegar ao poder. O partido tem de se encontrar”, insistiu Virgílio.
O simbolismo do gesto dos dois ex-presidentes dividiu os tucanos . Na avaliação do ex-chanceler Aloysio Nunes Ferreira, o movimento foi acertado. “Já estava na hora de começar a quebrar o gelo acumulado ao longo dos últimos anos entre democratas de todos os matizes para fazer frente à barbárie bolsonarista e construir uma plataforma comum em defesa da democracia, do meio ambiente e da inclusão social”, argumentou Aloysio.
Na outra ponta, o prefeito de São Bernardo, Orlando Morando, integrante da Executiva Nacional do PSDB, classificou como "trágica" a declaração feita por Fernando Henrique. "Antecipar seu voto no segundoturno mostra que ele não tem compromisso com o PSDB", protestou.
Para o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM), um dos articuladores da terceira via, o encontro entre FHC e Lula reflete a “falta de clareza” do PSDB. “Mas a visão de país do Fernando Henrique não é de quem vai para esses polos populistas”, ressalvou Mandetta, que conversou com o tucano recentemente. “Acho que isso foi um recado para o Doria.”
Desafeto do governador de São Paulo, o deputado Aécio Neves (MG) disse que o PSDB está cada vez mais “em busca” de um reforço ao centro para a corrida de 2022. “Há sinais claros de que o senador Tasso começa realmente a considerar uma candidatura. Lula nunca foi, e não acredito que será, uma opção para o PSDB”, constatou. Mesmo assim, Aécio saiu em defesa de FHC. “O presidente Fernando Henrique, aos 90 anos, tem o direito de almoçar, jantar e tomar seu vinhozinho com quem ele escolher”.
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