Área técnica do TCU vê ‘erro grosseiro’ de general em revogação de normas para rastreamento de armas

Auditores da Corte de Contas querem multar em R$ 17 mil o general Laerte de Souza Santos por entenderem que ele agiu com desvio de finalidade ao revogar três portarias que regulamentavam o rastreamento de armas e munições em 2020; Exército diz que ‘acompanha as diligências’, mas ‘não se manifesta sobre processos conduzidos por outros órgãos’

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Foto do author Vinícius Valfré
Atualização:

SÃO PAULO e BRASÍLIA - A Secretaria-Geral de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (TCU) emitiu uma recomendação de responsabilizar e multar um general do Exército pela revogação de três portarias que tinham o papel de regulamentar o rastreamento de armas e munições nas mãos de civis.

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Em parecer publicado na última segunda-feira, 23, o órgão fiscalizador considerou que Laerte de Souza Santos, Comandante Logístico do Exército durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), agiu com desvio de finalidade ao editar a Portaria Colog 62/2020, que revogou, em 17 de abril de 2020, três diretrizes que auxiliavam a identificação de armas e munições e permitia o rastreio delas.

Em nota, o Exército informa que acompanha as diligências realizadas pela Corte de contas, e que “não se manifesta sobre processos conduzidos por outros órgãos”, em “respeito do Exército Brasileiro com as demais instituições da República” (leia mais abaixo).

Segundo o documento, Laerte não apresentou motivação para revogar as normas vigentes, e, quando questionado, apresentou justificativas diferentes para três órgãos distintos – Ministério Público Federal (MPF), Supremo Tribunal Federal (STF) e à própria Corte de contas. Os técnicos do TCU também citam que o então comandante afirmou ter tido assessoramento técnico para a formulação e publicação da revogação, porém, não apresentou documentos comprovando que tenha buscado ou recebido tal assessoria.

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Conforme mostrou oEstadão, o total de CACs registrados no País saltou de 117.467 em 2018 para 673.818 em 2022. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

“A cada um dos mencionados órgãos o gestor apresentou motivos diferentes para justificar decisão adotada. Conforme denota a análise registrada nesta instrução, muitos motivos elencados pela autoridade se referem a erros de redação que poderiam ser facilmente corrigidos ou de insatisfação dos administrados com o prazo concedido para que se adaptassem às novas regras impostas pela Administração, o que poderia ser sanado com expansão no prazo para a sua entrada em vigência. Outros motivos, como aqueles apresentados ao TCU, simplesmente não encontram respaldo na realidade [...]”, diz trecho do parecer.

As normativas revogadas pelo general, hoje na reserva, dispunham sobre os procedimentos administrativos relativos ao acompanhamento e rastreamento de produtos controlados pelo Exército, sobre a identificação e marcação das armas de fogo fabricadas no País, exportadas ou importadas, bem como das embalagens e cartuchos de munição. Para a auditoria do TCU, o gestor “incorreu em erro grosseiro, pois decorreu de grave inobservância do dever de cuidado”.

Em nota, o Exército informou que “acompanha as diligências” realizadas pelo TCU e que sempre “atende às demandas do tribunal em todos os processos relacionados à Força”. Destacou, ainda, que não se manifesta sobre processos conduzidos por outros órgãos e que “este procedimento tem pautado a relação de respeito do Exército Brasileiro com as demais instituições da República”.

Durante o governo Bolsonaro, a liberação de registros de CACs (Caçadores, Atiradores e Colecionadores de armas) concedidos pelo Exército foi facilitada por meio de portarias e decretos, na mesma medida em que a Força não reforçou ações de fiscalização, cuja responsabilidade também lhe compete. Na esteira da facilitação, os CACs se tornaram o maior grupo armado do País, ultrapassando as polícias e ganhando espaço como uma importante base de apoio do ex-presidente.

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A responsabilização do ex-comandante por “retardar injustificadamente” o “aprimoramento de políticas públicas” que versam contra a fabricação e o tráfico ilícitos de armas de fogo, munições, explosivos e outros materiais correlatos, disposto inclusive em convenções internacionais sobre o tema, inclui sugestão de uma multa de R$ 17 mil.

O valor poderá ser parcelado e deve começar a ser pago em 15 dias a partir do recebimento da notificação. Atualmente na reserva, o general tem vencimento bruto de R$ 37.988,22, que após os descontos vai para cerca de R$ 29 mil.

O documento, entretanto, não é definitivo. Ele é analisado pelos ministros do TCU, em plenário, o que ainda não tem data para ocorrer. O processo é um “monitoramento” para verificar se uma decisão anterior para aprimoramento dos controles internos do sistema de fiscalização do Exército sobre os produtos controlados pela Força está sendo cumprida. O caso tramita sob relatoria do ministro-substituto Marcos Bemquerer.

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