O Conselho de Ética da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) decidiu, por unanimidade, acatar o relatório que pede a cassação do mandato do deputado estadual Arthur do Val (União Brasil) nesta terça-feira, 12, como resultado de áudios machistas em que depreciava a condição de refugiadas ucranianas.
O parecer agora segue ao plenário. Para ser aprovado, é necessário que 48 dos 94 parlamentares votem pela perda de mandato. A cassação também impede que Arthur se candidate a cargo público nos próximos oito anos.
Votada em regime de urgência no conselho, a punição foi sustentada pelo relator, deputado Delegado Olim (PP), com base em três denúncias: captação irregular de recursos para uma entidade civil; confecção de coquetéis molotov e o envio de áudios depreciativos às mulheres ucranianas.
O conselho considerou que as mensagens divulgadas nos áudios configuram quebra de decoro parlamentar. Sobre a captação de recursos realizada por Arthur e pelo Movimento Brasil Livre (MBL), Olim defendeu que houve indícios de vantagens indevidas. Já a preparação de explosivos, divulgada pelo acusado, foi tomada como “questão que envolve a segurança nacional”.
Foram favoráveis os deputados Enio Tatto (PT), Barros Munhoz (PSDB), Wellington Moura (Republicanos), Delegado Olim (PP), Erica Malunguinho (PSOL), Campos Machado (Avante), Marina Helou (Rede) Adalberto Freitas (PSDB), o corregedor Estevam Galvão (União) e Maria Lúcia Amary (PSDB).
As acusações estavam em 21 representações protocoladas por ao menos 40 parlamentares contra Arthur. Olim indicou que, com a reincidência do parlamentar em advertências na Casa, a punição cabível seria a perda de mandato.
As gravações foram divulgadas no início de março de 2022, quando Arthur estava na Ucrânia representando o MBL. Nos áudios com teor machista, o parlamentar compara a fila de refugiadas à entrada de uma balada, focando na beleza das mulheres, além de incitar a prática de turismo sexual ao afirmar que voltará ao país após a guerra.
Votação
Na Alesp, a votação se deu em meio a tumultos entre os membros do conselho, outros parlamentares, a defesa de Arthur do Val e presentes que acompanhavam a votação. No início da sessão, a deputada estadual Isa Penna (PCdoB) tentou impedir que os membros do conselho se reunissem de forma privada com o parlamentar antes da votação. Os conselheiros decidiram por não realizar a reunião.
Do lado de fora, o MBL organizou uma manifestação com dezenas de pessoas. Com um carro de som, os presentes gritavam contra a cassação de Arthur e podiam ser ouvidos ao longo da sessão. Em entrevista ao canal do Youtube Inteligência Ltda publicada na segunda-feira, o deputado convocou os apoiadores a acompanharem a reunião do conselho e disse que vai “cair atirando”. “Se cortarem a minha cabeça, vão nascer três no lugar”, afirmou. Policiais se posicionaram no corredor da Alesp para impedir os manifestantes de se aproximarem da sessão.
Mulheres ucranianas presentes na Alesp gravaram um vídeo exibido pela deputada Mônica Seixas (PSOL). Uma das representantes listou diversas cenas de mulheres em meio à guerra que assola o país. “Será que as mulheres ucranianas são fáceis? A tragédia que está acontecendo agora na Ucrânia pode responder essa pergunta", disse.
Em sua defesa, Arthur do Val reiterou o pedido de desculpa às mulheres, se disse odiado por não usar a verba de gabinete e o fundo eleitoral, entre outras ações na Alesp, e defendeu que não está sendo cassado por seus defeitos, mas por suas virtudes.
O caso da decisão do conselho sobre o deputado Fernando Cury (União Brasil) foi relembrado diversas vezes na reunião, assim como tinha sido usado como argumento da defesa de Arthur. Cury foi flagrado apalpando os seios de Isa Penna no plenário da Alesp em dezembro de 2020, e recebeu pena mais branda, de suspensão de mandato por seis meses.
“Isso aqui claramente não é um processo sobre machismo. Se fosse o deputado Fernando Cury que tivesse falado o que eu falei, eu duvido que ele seria cassado”, disse Arthur. O parlamentar também elencou o que considerou contradições dos membros do conselho, que teriam agido de forma mais branda no processo de Cury.
A defesa de Arthur do Val já tinha sustentado que o áudio sexista não é "suficientemente grave" para cassação do mandato. Afirmou ao longo do processo que o parlamentar não abusou das prerrogativas constitucionais, não houve vantagem indevida e prática de irregularidades.
“A cassação (de Arthur do Val) vai lavar a minha alma porque essa Assembleia Legislativa vai abrir um precedente. Violência contra a mulher é um ato que é passível para cassação”, defendeu Isa Penna, ouvida pelo conselho.
Os áudios sobre as mulheres ucranianas não são a única polêmica em que o parlamentar já se envolveu.
Confira um histórico:
Manifestações secundaristas
Arthur passou a ser conhecido a partir do final de 2015, quando criou o canal no YouTube chamado “Mamãe Falei” para expor suas ideias. Hoje, conta com 2,69 milhões de inscritos.
Em outubro de 2016, Arthur decidiu viajar ao Paraná para gravar uma manifestação secundarista em protesto contra a PEC 241. O estilo do vídeo, posteriormente, chegou a virar uma marca do parlamentar: ele com a câmera em mãos abordando manifestantes e os confrontando sobre as motivações do movimento. Logo de início, por entrevistar menores, chegou a receber críticas e ameaças de processos.
Sua entrada em um colégio estadual do Paraná acabou lhe rendendo também uma denúncia por importunação ofensiva ao pudor, registrada por uma adolescente de 17 anos, que acusou Arthur de ter filmado os jovens presentes sem autorização.
Ele chegou a repetir o mesmo formato de vídeo em 2018, mas dessa vez com apoiadores do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Esse viria a ser um dos seus vídeos mais populares.
Vida política
Mamãe Falei, como ficou conhecido após a popularidade do canal, decidiu iniciar sua carreira política filiando-se ao Democratas para concorrer a uma vaga na Assembleia Legislativa. Durante a campanha eleitoral, Arthur protagonizou um conflito com Ciro Gomes (PDT), na época candidato a presidente. Segundo o youtuber, Ciro teria lhe agredido durante a gravação de um vídeo; o pedetista negou agressões físicas à imprensa.
Nas eleições de 2018, Arthur foi o segundo parlamentar mais votado na Casa, com quase 480 mil votos, ficando atrás apenas da deputada estadual Janaina Paschoal (PRTB), popular na época por ser uma das autoras do pedido de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT).
O parlamentar foi expulso do DEM um ano depois de vencer a eleição após críticas em plenário e nas redes sociais a filiados da sigla, como o senador Davi Alcolumbre, presidente da Casa na época, e ao então vice-governador de São Paulo, Rodrigo Garcia. Sem partido, Do Val filiou-se ao Patriota para dar continuidade ao seu mandato no Legislativo.
Em 2020, o parlamentar disputou a Prefeitura de São Paulo, pelo Patriota, e ficou na quinta posição, com 522.210 votos (9,78%). Arthur do Val passou ainda pelo Podemos, partido pelo qual pretendia se candidatar a governador de São Paulo antes da divulgação do áudios sexistas, e se filiou ao União Brasil no fim de março.
Ataques
Quando era candidato à Prefeitura, Arthur do Val direcionou ataques ao Padre Júlio Lancellotti, chamando-o de "uma das maiores farsas do Brasil". A declaração do parlamentar foi feita após o padre divulgar um vídeo em que comentava sobre as ameaças que estava recebendo, sem citar o nome do youtuber.
O deputado chegou a publicar vídeos em suas redes sociais chamando o padre de "cafetão da miséria", fazendo referência ao trabalho do religioso na Cracolândia. Esse conteúdo foi removido após determinação da Justiça Eleitoral. Na decisão, o juiz classificou a publicação como propaganda eleitoral antecipada e afirmou que era uma forma de "calúnia, difamação e injúria" contra Lancellotti.
Correções
Diferentemente do informado em versão anterior deste texto, a presidente do Conselho de Ética também Maria Lúcia Amary (PSDB) também registrou voto favorável à cassação.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.