BRASÍLIA - O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), é o autor da indicação de R$ 32,9 milhões do orçamento secreto para a compra de kits de robótica em municípios de Alagoas investigados por desvios de recursos públicos. O ex-assessor de Lira Luciano Ferreira Cavalcante é suspeito de participar do esquema e foi alvo da Polícia Federal.
A PF deflagrou uma operação na semana passada após apontar fraude nas licitações e apreendeu R$ 4,4 milhões em dinheiro vivo, incluindo um cofre cheio de notas de reais e dólares em Maceió. O motorista do ex-assessor de Lira é suspeito de receber dinheiro do esquema em Brasília.
A investigação envolve a distribuição de verbas do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) para a compra de equipamentos de robótica em 43 municípios de Alagoas entre 2019 e 2022. A PF aponta superfaturamento e favorecimento para uma única empresa fornecedora. O presidente da Câmara é o “padrinho” dos recursos em pelo menos nove cidades, conforme o Estadão constatou.
Lira apadrinhou R$ 32,9 milhões do orçamento secreto no FNDE durante o ano de 2021. Desse total, o governo liberou R$ 29,7 milhões para pagamento. O Estadão localizou pagamentos no valor R$ 17 milhões para os municípios indicados pelo presidente da Câmara até o momento - o restante ainda está “pendurado”, à espera de quitação pelo governo federal. O Tribunal de Contas da União (TCU) determinou a anulação de todos os contratos que ainda não foram finalizados.
Só em Canapi (AL), um município de 17,7 mil habitantes, Lira emplacou R$ 5,8 milhões para a compra dos equipamentos de robótica. Em União dos Palmares (AL), cidade de 66 mil habitantes, a indicação do presidente da Câmara foi maior, de R$ 9,2 milhões. O dinheiro efetivamente liberado pelo governo para esse município foi de R$ 7,4 milhões.
As duas prefeituras, que ficam a mais de 200 quilômetros de distância, contrataram a mesma empresa para fornecer os produtos: a Megalic LTDA. Um dos sócios da companhia é o empresário Edmundo Catunda, pai do vereador de Maceió João Catunda (PSD), aliado de Lira.
De acordo com a PF, a Megalic nunca forneceu os kits diretamente, mas comprava de outro fornecedor, que fica em São Paulo. A suspeita é que a empresa depositava o dinheiro que recebia das prefeituras em diversas contas bancárias, em nome de pessoas que não tinham capacidade financeira para movimentar aqueles valores. Em seguida, operadores faziam saques em dinheiro e entregavam a investigados.
Após a operação da PF, Lira procurou se afastar de qualquer irregularidade e afirmou que há decisões judiciais negando o superfaturamento. “O que eu posso dizer é que eu, tendo a postura que tenho, em defesa das emendas parlamentares que levam benefícios para todo o Brasil, para toda a população, eu não tenho absolutamente nada a ver com o que está acontecendo”, afirmou o presidente da Câmara em entrevista à Globo News. Questionado pelo Estadão sobre as emendas que apadrinhou, ele não respondeu.
Após a publicação da reportagem, a assessoria do presidente da Câmara enviou uma nota negando que Lira fosse o padrinho das emendas, contrariando um documento assinado por ele ao assumir a autoria das indicações, em abril do ano passado. “Cabia a Mesa Diretora da Câmara o encaminhamento das emendas de relator referentes ao conjunto de deputados que formam a casa. Portanto, é equivocada a informação de que essas emendas foram destinadas pelo deputado Arthur Lira”, afirma a nota.
O documento assinado pelo presidente da Câmara no ano passado, no entanto, cita as verbas do FNDE como indicações pessoais dele. O ofício foi enviado ao presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), após o Supremo Tribunal Federal (STF) exigir a informação de todos os deputados e senadores. Os recursos indicados por Lira são os mesmos citados em investigações do Tribunal de Contas da União (TCU) e que entraram na mira da PF.
Sacola cheia
O assessor Luciano Ferreira Cavalcante trabalhava na liderança do PP da Câmara, gabinete controlado por Arthur Lira, e foi exonerado após a operação. No domingo, 4, imagens que fazem parte da investigação, reveladas pela TV Globo, mostraram o motorista de Cavalcante, que não teve o nome divulgado, recebendo sacolas - supostamente cheias de dinheiro - de um casal apontado como operador do esquema.
Luciano Cavalcante mora em Maceió e recebia R$ 14,7 mil por mês para trabalhar na liderança do PP na Câmara. Em 2018, quando Lira era líder do partido na Casa, ele foi nomeado como secretário particular do gabinete. Cavalcante é presidente do União Brasil em Maceió e esteve ao lado de Arthur Lira na campanha de 2022. Segundo a Controladoria-Geral da União (CGU), as fraudes geraram prejuízo de R$ 8,1 milhões para os cofres públicos.
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