Articuladores do PRTB de Pablo Marçal trocam carros de luxo por cocaína para o PCC, diz polícia

Polícia Civil investiga a participação de dois antigos homens de confiança do presidente nacional da legenda do ex-coach em operações da facção criminosa, como financiamento do tráfico, fraudes imobiliárias e até mesmo controle de uma casa de prostituição; acusados alegam inocência

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Foto do author Heitor Mazzoco
Foto do author Marcelo Godoy
Atualização:

Antigos aliados do presidente nacional do Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB) e articuladores informais da legenda de Pablo Marçal são acusados de trocar carros de luxo por cocaína para o Primeiro Comando da Capital (PCC), financiando o tráfico de drogas e dividindo os seus lucros. É o que revela uma investigação da Polícia Civil que envolve Tarcísio Escobar de Almeida, ex-presidente estadual do PRTB, partido pelo qual o influenciador digital disputa a Prefeitura de São Paulo, e Júlio César Pereira, o Gordão, sócio de Escobar que também participou de eventos do PRTB.

No dia 22 de maio deste ano, Escobar aparece ao lado de Marçal, em Marília, interior paulista. Na ocasião, eles se encontraram com o então pré-candidato a prefeito da cidade João Pinheiro.  Foto: Reprodução / Redes Sociais

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Escobar e Gordão eram homens de confiança de Leonardo Alves Araújo, o Leonardo Avalanche, presidente nacional do PRTB e fiador da candidatura de Marçal. No dia 18 de março, Avalanche nomeou Escobar para ocupar a presidência estadual da legenda em São Paulo, mas ele ficou apenas três dias no cargo, sendo afastado, oficialmente, porque “não tinha título de eleitor”. Mesmo assim, Escobar continuou a se apresentar como presidente estadual do partido em reuniões políticas até o caso ser revelado pelo Estadão em maio. Escobar chegou a participar de eventos com a presença de Marçal, que se filiou ao PRTB em 5 de abril e teve sua pré-candidatura confirmada pela legenda em 24 de maio.

Apesar da atuação nos bastidores, Escobar e Gordão não foram vistos em agendas públicas do candidato do PRTB na campanha eleitoral, como debates, sabatinas e caminhadas pela cidade.

Procurados pela reportagem, os acusados negaram qualquer ligação com a facção criminosa. Avalanche disse ter rompido com Escobar após as primeiras reportagens do Estadão. Depois da publicação da reportagem, Marçal comentou pelas redes sociais não pedir “certidão negativa de ninguém. Já tirei 20 mil fotos nessa campanha”. Em entrevista recente, antes do debate na TV Band, ele disse que Avalanche é quem devia explicações.

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Escobar, ex-presidente estadual do PRTB, e Leonardo Avalanche, presidente nacional, durante evento na Assembleia Legislativa de São Paulo  Foto: Reprodução via @presidentetarcisioescobar /instagram

Escobar e Gordão foram indiciados pela polícia em 2023. As investigações continuam. Tudo começou em 6 de agosto de 2020, quando os policiais apreenderam com Francisco Chagas de Sousa, o Coringa, dono de uma adega na zona leste de São Paulo, uma arma, drogas, um telefone celular e um pendrive. Segundo a polícia, no pendrive havia “material relacionado ao controle de integrantes do PCC”.

A 1.ª Vara de Crimes Tributários, Organização Criminosa e Lavagem de Bens e Valores da Capital autorizou a continuidade das investigações, que acabaram revelando que Coringa atuava “diretamente” no tráfico interestadual. Ele usava automóveis como forma de pagamento de drogas que adquiria no Paraná e para transportar entorpecentes aos seus “clientes”, traficantes “em larga escala” na Paraíba e em São Paulo. Nas conversas telefônicas de Coringa os policiais acharam ligações para Gordão.

Trecho do inquérito que trata de Gordão e de Escobar em que ambos são acusados de financiar o tráfico de drogas de integrantes do PCC Foto: Reprodução / Estadão

Em 30 de julho de 2020, surge o nome de Escobar. Naquele dia, Gordão pede a Coringa ajuda para vender uma BMW X5. E diz que Escobar lhe explicaria o negócio. Segundo os investigadores do caso, o lucro do tráfico de drogas obtido por Coringa seria dividido com Gordão e Escobar.

“Nos diálogos mantidos entre ambos (Coringa e Gordão), ficou evidente tratar-se de negociação de veículos com o fim de que sejam trocados por drogas”, escreveram os investigadores chefiados pelo delegado Alex Endo, da Delegacia Seccional de Mogi das Cruzes.

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Embora a droga não passasse diretamente pelas mãos dos acusados, afirmam os policiais, eles tinham pleno conhecimento de que os valores que entregavam a Coringa, “seja em espécie ou por meio de automóveis” seriam usados para a aquisição de drogas, “gerando lucro exorbitante, ou seja, que jamais aufeririam se houvesse uma mera comercialização de carros”.

De acordo com a polícia, o esquema funcionaria da seguinte forma: Escobar e Gordão, investidores no tráfico, entregavam veículos a Coringa, que os enviava ao Paraná para serem trocados por grandes quantidades de drogas. Esses entorpecentes eram então revendidos a compradores em larga escala e o lucro obtido era dividido entre os três.

Escobar era ativo em eventos do PRTB

Apesar de ter figurado oficialmente como presidente estadual do PRTB por apenas três dias, Escobar participou de diversos eventos e encontros partidários da legenda depois de seu afastamento ainda em março. Nessa lista há, inclusive, uma reunião na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) ao lado de Avalanche. Segundo o advogado Joaquim Pereira de Paulo Neto, que se tornou presidente da legenda em São Paulo, o verdadeiro comandante da sigla ainda era Escobar pelo menos até o Estadão revelar sua relação com o PCC.

Uma semana depois de deixar oficialmente a presidência partidária, Tarcísio Escobar teve um encontro com o vice-prefeito de Santo André, Luiz Zacarias (PL), como representante do PRTB. Zacarias disputa a eleição deste ano e nega conhecimento sobre as investigações envolvendo Escobar. Em abril, o ex-presidente do PRTB paulista também participou de um evento de apoio ao pré-candidato Marcelo Lima (Podemos), em São Bernardo do Campo, também no ABC Paulista. Tarcísio Escobar aparece em fotos publicadas nas redes sociais do vereador Ivan Silva.

A assessoria de imprensa de Lima afirmou que a construção da aliança com o PRTB, para a eleição de prefeito em São Bernardo do Campo, passou por um contato direto com a Executiva Nacional do PRTB, sem influência do Diretório Estadual. “Salientamos ainda que nunca existiu qualquer associação direta com a pessoa mencionada na matéria”.

Tarcísio Escobar, de roupa preta, aparece cercado por Leonardo Avalanche (esquerda) e Marcelo Lima (direita) Foto: Reprodução via @ivansilva.vereador / Facebook

Há registros de locação de aeronave para participação de reuniões políticas em Marília, interior paulista, em viagem feita em maio deste ano por Marçal e Escobar, entre outros. Na ocasião, eles se encontraram com João Pinheiro, então pré-candidato pelo PRTB na cidade. Escobar também participou de encontros nas regiões de São José do Rio Preto, Olímpia e Catanduva, sempre se apresentando e sendo apresentado como presidente do partido.

A atuação pública de Gordão no partido foi mais discreta. Ele aparece apenas em uma reunião política em Pindamonhangaba. O encontro ocorreu em abril e reuniu o então pré-candidato Ricardo Piorino (PL) para discutirem alianças para o pleito deste ano. Por nota, Piorino afirmou que não há relação entre os integrantes do PRTB da cidade com os investigados. “Temos a informar que nossa coligação ‘Pinda Pra Frente’ é integrada pelo PRTB, todavia não existe nenhum outro vínculo que não seja político partidário. Tal esclarecimento se faz necessário pois estamos num período eleitoral e os fatos estão sendo deturpados por oportunistas concorrentes”, disse.

Ricardo Piorino, candidato a prefeito de Pindamonhangaba, entre Escobar e Gordão, em reunião política na pré-campanha Foto: Reprodução via Facebook

Em junho deste ano, após o Estadão revelar o indiciamento de Escobar por associação ao PCC, uma “ruptura” ocorreu entre Escobar e Avalanche. O motivo, porém, teria sido político. As divergências partidárias em âmbito nacional aumentaram com acusações feitas por ex-aliados de Avalanche. Em vídeo, Joaquim Pereira de Paulo Neto e Tarcísio Escobar de Almeida quebraram o silêncio e afirmaram que Avalanche não cumpriu acordos e se sentiam traídos. O trio de ex-aliados, que ainda conta com Michel Winter, do PRTB de Minas Gerais, fez diversas acusações contra o presidente nacional do PRTB.

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Escobar afirmou em vídeo que Avalanche “enganou, fingiu e atrapalhou” o PRTB em São Paulo. Winter disse no vídeo que a “família do PRTB não vai mais aceitar você”, em referência a Avalanche. “Nosso grupo empenhou muito em fazer o presidente do partido achando que você era homem de caráter.” Em resposta, Avalanche disse que a responsabilidade era do advogado Joaquim Pereira de Paulo Neto. “Após a convenção, Joaquim Neto insistiu para que o presidente nomeasse Tarcísio Escobar para conduzir o partido em São Paulo, o que foi um grande erro, corrigido rapidamente, três dias depois, ao se verificar que Tarcísio já cumpriu pena, responde por vários crimes, e não possui nem mesmo quitação eleitoral”, afirmou Avalanche. O advogado nega que tenha feito o pedido.

Empresa, boate e tráfico: os dados da investigação

Em buscas feitas na casa de Gordão, os policiais encontraram um telefone celular onde conseguiram recuperar conversas relacionadas ao PCC. Em um dos áudios, Gordão conversa com Rafael Silva Peixoto, o Buchecha. Este disse que tinha uma lista com “nomes completos, quebrada e batismo”. Ao que Gordão responde: “Não teve tanto batismo assim”. A frase seria uma referência ao controle feito por líderes da facção, os integrantes das chamadas Sintonias, dos membros sob seu comando.

“As informações estavam no pendrive usado pela facção criminosa como forma de controle de inclusão e exclusão de membros, bem como devedores das mensalidades, conhecidas como ‘cebolas’ e também controle de punições determinadas pelos ‘disciplinas’. Esse pendrive é conhecido no interior da facção como robô do raio X”, escreveram os investigadores. A conversa entre os dois aconteceu no dia 18 de agosto de 2020, às 16 horas. No dia seguinte, às 22h13, os dois voltam ao mesmo tema.

Trecho do inquérito que trata dos supostos negócios de Gordão e de Escobar feito pela polícia em Mogi Foto: Reprodução / Estadão

Nas conversas, os dois afirmam que controlam membros da facção não só em Mogi, mas também na baixada Santista. Em 5 de dezembro de 2020, eles decidem “disciplinar” um integrante do grupo. “Tá por ai ainda, pra dar um puxão de orelha nesse comédia aí? pergunta Buchecha. Ao que Gordão responde: “Então, pede pro Magrão (outro membro do grupo) sair da área de conforto dele, e ir cuidar do que é dele, truta!”

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Em outra situação, os dois comentam ter agredido um indivíduo “sem visão”, que os acusava de terem se aliado à outra facção, a Família do Norte. Por fim, relatam um possível “acerto” com policiais, quando em 7 de janeiro de 2021, eles detiveram um gerente do ponto de tráfico. Gordão perguntou se teve “ideia” (acerto). Buchecha responde não saber como resolveram, porém os policiais haviam “deixado as ‘caminhadas’ (drogas), mas levaram a matraca (metralhadora)”.

De acordo com a polícia, Gordão é sócio de Escobar na empresa TJ Consultoria e Intermediação de Negócios. Eles teriam constatado o envolvimento da empresa na venda de lotes de forma irregular para pessoas humildes, que “não possuem conhecimento para verificar a ilegalidade dos atos”, “conforme contratos e imagens apostas no relatório de investigações”.

Fachada da boate Lua de Mel, em São Matheus, que teria sido 'tomada' por Escobar Foto: Reprodução / Estadão

“Encontrou-se áudio no telefone do investigado Gordão onde terceira pessoa não qualificada discorre sobre a atuação de Escobar durante a análise da conduta de um indivíduo por ‘disciplinas’ da organização criminosa”, escreveram os policiais.

Em outro caso, a investigação mostrou que a comerciante Bruna Couto Almeida, proprietária da boate Lua de Mel foi ameaçada de morte em 15 de julho de 2021 por Escobar em uma disputa pelo controle de uma casa de prostituição em São Matheus, na zona leste de São Paulo.

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Segundo ela, Escobar entrou na boate acompanhado por outras dez pessoas, “proferindo ameaças a Bruna e expulsando-a de seu comércio, bem como substituiu as máquinas de cartão que existiam no caixa por outras que trouxera consigo”. Na Junta Comercial de São Paulo, a boate passou a constar como de propriedade de Buchecha, um acusado apontado pela polícia como “membro ativo da facção criminosa, PCC, na qual exerce função de comando, considerando as responsabilidades e tarefas”. (COLABOROU ADRIANA VICTORINO).