Com a derrota de Jair Bolsonaro (PL) nas eleições presidenciais de 2022, o Brasil e o mundo esperam pelo discurso de concessão do atual presidente brasileiro. Bolsonaro, no entanto, não parece disposto a admitir derrota e, até o momento, não se manifestou sobre os resultados do segundo turno. Desde a vitória de Lula (PT) no último domingo, 30, manifestantes bolsonaristas têm contestado o resultado das urnas eletrônicas, bloqueando rodovias e estradas de todo o País enquanto alegam uma suposta “fraude” no pleito e pedem intervenção militar, com base no artigo 142 da Constituição.
O artigo 142 da Constituição de 1988 é uma das mais fortes alternativas antidemocráticas para a manutenção do poder de Jair Bolsonaro e um dos principais argumentos citados por ele próprio e por seus apoiadores, antes mesmo do fim das eleições. Nos últimos anos, o presidente alimentou uma série de fantasias e discursos autoritários e antidemocráticas, afirmando em mais de uma ocasião que não aceitaria uma derrota nas urnas.
Citado pelo presidente em mais de uma ocasião, o dispositivo legal, que versa sobre a função das Forças Armadas no País, é entendido pela extrema-direita como uma autorização constitucional para que Exército, Marinha e Aeronáutica atuem como um “poder moderador”, se convocados a uma “intervenção militar”. Tal entendimento, entretanto, é rechaçado por juristas.
O artigo 142 é responsável pela regulamentação dos fins e da estrutura das Forças Armadas em sua atuação em solo brasileiro. Ele afirma que as Forças Armadas - Marinha, Exército e Aeronáutica - são instituições “permanentes e regulares” que respondem à “autoridade suprema do Presidente da República” e se destinam “à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.
Para bolsonaristas, o fato de o dispositivo constitucional dizer que os militares respondem à autoridade presidencial significa que o presidente teria a prerrogativa de convocar as Forças Armadas para destituírem outros Poderes, caso considere tal ato necessário para a manutenção da lei e da ordem no País.
Ao Estadão, juristas brasileiros afirmaram que o artigo 142 não pode ser utilizado para destituir outro Poder, visto que, no texto, as Forças Armadas devem proteger as instituições democráticas. “O legislador não termina o texto na (parte que versa sobre a) autoridade suprema do presidente”, defende o professor de direito penal Alexandre Wunderlich. “O 142 não permite um golpe das Forças Armadas a pedido do presidente, justamente porque garante os poderes constitucionais. Até porque, em um processo de interpretação de toda a Constituição, o texto jamais permitiria um autogolpe, que as forças pudessem golpear as instituições democráticas.”
Já o ex-ministro da Justiça Miguel Reale Junior, que atuou na Comissão Constituinte, entende que o artigo 142 é uma evolução da Constituição de 1967, pois agora versa que a garantia da lei e da ordem pelas Forças passa por uma “subordinação clara” ao poder político. Segundo ele, o novo texto tentou “se livrar para sempre” da possibilidade de os militares intervirem por iniciativa própria.
“No artigo não tem nenhuma base constitucional e nenhuma base na experiência histórica (para um possível golpe). Porque as Forças Armadas, quando intervieram, não fizeram com um meio de mediação, pelo contrário, sempre foi uma intervenção dura, de cessação de direitos e ordens de cima para baixo”, argumentou.
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