Depois de uma semana turbulenta no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em que a permanência da ministra do Meio Ambiente e da Mudança do Clima, Marina Silva, foi colocada em xeque, a ambientalista segue sem sinais claros do governo e do Congresso de que sua Pasta não vai perder poderes. Ela própria disse que sua continuidade no cargo é decisão de Lula e não esteve presente no churrasco promovido pelo petista no Palácio da Alvorada na última sexta-feira, 26.
O embate político que minou a Pasta de Marina, que contou até com votos do Partido dos Trabalhadores de Lula para esvaziar o ministério, não é, no entanto, o primeiro conflito entre Marina e o PT.
Petista desde 1985, a ex-senadora pelo Acre foi a ministra do Meio Ambiente do primeiro governo Lula a partir de janeiro 2003, mas enfrentou sérios desafios em sua atuação, além de um confronto aberto com Dilma Rousseff nas eleições de 2014.
Veja os principais momentos em que a relação entre Marina e PT foi tensionada — ou rompida.
Transgênicos
Marina sofreu sua primeira grande derrota na pasta ainda em 2003, quanto o governo chancelou texto que liberou o plantio de soja transgênica no Brasil. A ministra havia pedido ao presidente que vetasse dois artigos, incluídos em uma MP pelo Congresso. Um trecho isentava de punições os produtores que plantaram soja modificada antes da aprovação da medida, enquanto o outro liberava empresas de sementes a multiplicarem os grãos transgênicos em escala comercial. Ambos foram aprovados, à revelia da postura do Ministério do Meio Ambiente.
Marina continuou a discutir o assunto em seus anos à frente da pasta, com participação ativa em momentos chave, como na aprovação de uma nova MP em 2004. Suas pautas foram, principalmente no sentido do licenciamento e identificação dos produtos desse tipo.
Em 2005, sofreu outra derrota no mesmo campo, com a aprovação da Lei de Biossegurança pelo Congresso. A nova legislação deu competência à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) para liberar os transgênicos. Marina defendia que a liberação fosse decidida em conjunto com diferentes ministérios, mas perdeu a disputa.
PAC
A principal desavença de Marina dentro do PT foi com a ex-presidente Dilma Rousseff. O conflito, que se acirraria nas eleições de 2014, começou ainda durante o primeiro governo de Lula, quando a ministra do Meio Ambiente foi escanteada por Lula em favor do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) de Dilma, então ministra da Casa Civil.
Os interesses do PAC contrariavam parte da política ambiental defendida por Marina e as pressões da Casa Civil de Dilma acabaram forçando a ministra a ceder ao licenciamento de obras de infraestrutura na região amazônica, principalmente as licenças para as usinas de Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira.
À época, Marina chegou a negar que existiam divergências com Dilma, dizendo que a discussão entre conservação do meio ambiente e desenvolvimento seria “um falso dilema” e que ambas fariam parte da “mesma equação”.
PAS
Lula impôs uma nova derrota a Marina em 2008, no lançamento do Plano Amazônia Sustentável (PAS), ao negar ao Ministério do Meio Ambiente a gestão do novo programa. O coordenador escolhido foi o ministro de Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira Unger, que disse que a Amazônia é “mais do que uma floresta” e que o “Ministério de Meio Ambiente carece dos instrumentos para lidar com todos os muitos problemas de transporte, energia, educação e indústria que são necessários para formular e implementar um programa abrangente de desenvolvimento”, como noticiado pelo Estadão à época.
Cinco dias depois, em 13 de maio de 2008, Marina entregou sua carta de demissão do ministério e deixou o governo, alegando falta de sustentação à política ambiental. Na mesma ocasião, os presidentes do Instituto Chico Mendes e do Ibama também deixaram o governo .
Belo Monte
Uma das principais disputas entre Marina e governo, enquanto ela era ministra do Meio Ambiente no primeiro mandato de Lula, foi a respeito da construção da usina de Belo Monte, no rio Xingu. Em 2006, o empreendimento chegou a ser suspenso enquanto não houvessem estudos sobre o impacto da usina nas tribos indígenas da região. Três anos depois, a Justiça Federal suspendeu o licenciamento.
Mas em 2010 a licença foi concedida novamente e as obras começaram. Marina, então candidata do PV à Presidência, declarou que “foi dada a licença sem resolver problemas sociais e ambientais”. A usina entrou em funcionamento em 2016, à despeito das demandas de entidades ambientais.
Eleições de 2014
O ápice do desagravo entre Marina e PT ocorreu nas eleições de 2014. À época, Dilma Rousseff disputava a reeleição e Marina aparecia em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto a pouco mais de um mês no pleito. Para coibir o crescimento da ex-ministra, o marqueteiro João Santana, então contratado pelo PT, promoveu uma dura campanha contra ela, inclusive com alegações apontadas como falsas.
Como apurado pelo Estadão, 10% do tempo de horário eleitoral de Dilma na TV foi usado para atacar adversários. Marina foi o principal alvo. Em um dos programas, o PT aponta que a base de apoio dela teria apenas 33 deputados, insuficientes para aprovar um projeto de lei ou uma emenda constitucional. O programa ainda questiona se Marina tem “jeito para negociar”.
O PT também acusou a ex-ministra de ser “chefe do partido do eu sozinho” e comparou-a a Jânio Quadros, ex-presidente que renunciou, e Fernando Collor, que sofreu impeachment. “Sonhar é bom, mas eleição é hora de botar o pé no chão e voltar à realidade”, diz o programa.
Em outro vídeo, Dilma diz que Marina era uma ameaça à “riqueza nacional” da exploração de petróleo no pré-sal e o próprio Lula aparece ao lado da companheira de partido afirmando que “tem gente que quer acabar com o pré-sal”, mas sem mencionar a ambientalista.
A propaganda do PT ainda menciona que Marina prometia fazer a autonomia do Banco Central, que acabou instituída por lei em 2021 e criticada por Lula depois de eleito. O vídeo de campanha dá a entender que isso significaria tirar a comida da mesa do trabalhador e entregar aos banqueiros.
As acusações do PT minaram a campanha de Marina e levaram o tucano Aécio Neves ao segundo turno.
E as cicatrizes permaneceram. “Uma campanha cinematográfica e mentirosa. Nunca pensei que uma mulher fosse capaz de fazer isso com outra mulher como a presidenta Dilma fez. Mas eu entreguei, não guardo mágoa. A verdade aparece, mais cedo ou mais tarde”, disse Marina cinco anos depois, em 2019, em entrevista à Folha de Pernambuco.
A disputa foi, inclusive, um dos empecilhos a serem superados pela campanha de Lula ao tentar buscar apoio de Marina para a campanha de 2022.
Foz do Amazonas
De volta ao Ministério do Meio Ambiente em 2023, Marina já enfrenta seus primeiros desafios depois de um curto período de lua de mel. O destaque vai para a proposta da Petrobrás em explorar petróleo na Foz do Rio Amazonas.
Tanto Marina quanto o Ibama se posicionaram em oposição à exploração, o que gerou um confronto com o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, que atua para conseguir a licença ambiental.
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Em meio ao embate, Lula já sinalizou que pode contrariar Marina. Segundo ele, se forem identificados riscos reais, haverá veto à exploração, mas o presidente acha“difícil” que isso ocorra.
“Se extrair petróleo na Foz do Amazonas, que é a 530 quilômetros, em alto mar, se explorar esse petróleo tiver problema para a Amazônia, certamente não será explorado. Mas eu acho difícil, porque é a 530 quilômetros de distância da Amazônia, sabe?”, declarou após encerrar sua passagem pela cúpula do G-7 no Japão.
Reestruturação da Esplanada
Pouco depois das declarações de Marina sobre a exploração de petróleo, a Comissão especial do Congresso que trata da Medida Provisória da reestruturação dos ministérios aprovou uma nova versão do texto que retira poderes do Ministério do Meio Ambiente.
O texto votado sinaliza com uma retaliação à Marina, retirando a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) e a Política Nacional de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente e passando-os ao Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional. O Cadastro Ambiental Rural (CAR), por sua vez, deixaria a área de influência de Marina e iria para o Ministério da Gestão. Quatro parlamentares do PT votaram a favor da mudança.
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“Ganhou o governo do presidente Lula e estão querendo instituir a governança do governo que perdeu, que é um Ministério do Meio Ambiente que não cuida do Meio Ambiente, um Ministério dos Povos Indígenas, que não cuida dos povos indígenas”, reclamou Marina.
Em meio às mudanças, o governo corre contra o tempo para aprovar a MP. Isso porque se o texto não for votado até o dia 1º de junho, ela perde a validade e a estrutura do governo federal voltará a ser do tamanho do que era no governo de Jair Bolsonaro, com 23 ministros. Isso faria Lula perder 17 ministérios.
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