Assessor que teria sido presenteado com moto por pastores foi escolha de presidente do FNDE

João Elício Terto foi escolhido para cargo na presidência de Marcelo Ponte, e era um dos responsáveis por receber prefeitos e organizar eventos. Veículo elétrica chega a R$ 25 mil

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O ex-assessor do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) que teria sido presenteado com uma moto elétrica pelo pastor Arilton Moura chegou ao órgão por indicação do presidente da autarquia, Marcelo Ponte. João Elício Nogueira Terto foi nomeado para a Assessoria de Relações Institucionais da Presidência do FNDE em julho de 2020, na mesma época em que Marcelo Ponte chegou ao comando do órgão. Ele substituiu um servidor de carreira da autarquia no posto.

O suposto “presente” de Arilton Moura a João Elício Nogueira Terto foi mencionado no relatório da Controladoria-Geral da União (CGU) sobre a atuação dos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura no Ministério da Educação (MEC) e no FNDE. “O atual ministro da Educação, sr. Victor Godoy, em depoimento no âmbito desta investigação afirmou que, conforme lhe foi relatado por Marcelo Lopes da Ponte, presidente do FNDE, um servidor daquela autarquia de nome ‘João’ teria recebido uma motocicleta do pastor Arilton Moura. Em decorrência, teria sido exonerado do cargo”.

Presidente do FNDE, Marcelo Ponte, em depoimento na Comissão de Educação do Senado em abril deste ano Foto: Pedro França/Agência Senado

O nome completo de Terto não é mencionado no relatório: a identidade dele foi revelada ao Estadão por servidores do FNDE, sob anonimato. A moto supostamente presenteada por Arilton Moura a Terto é da marca brasileira Voltz, do modelo EVS, de cor preta. O veículo custa entre R$ 19,9 mil e R$ 24,5 mil, dependendo das configurações. Tem autonomia de 180 km e atinge a velocidade de 120 km/h. Uma investigação sobre o caso está em curso na Secretaria de Combate à Corrupção (SCC) da Controladoria-Geral da União (CGU). Ao Estadão, a mulher de Terto disse que ele não recebeu qualquer presente e que adquiriu a moto com recursos próprios, conforme documentos que ele teria apresentado à CGU. O ex-assessor, demitido do FNDE no fim de março, não quis falar à reportagem.

João Elício Nogueira Terto, ex-assessor do FNDE Foto: Reprodução

Segundo servidores da autarquia, Terto foi uma das primeiras escolhas de Marcelo Ponte – ele foi trazido do Senado Federal para “melhorar a comunicação com o Congresso”. Assim como Ponte, Terto também trabalhou para a bancada piauiense no Senado: ele foi assessor do senador Elmano Férrer (PTB-PI). Ponte, por sua vez, foi chefe de gabinete do atual ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, quando este exerceu o mandato de senador pelo Progressistas do Piauí.

Solenidade de entrega de ônibus escolares no Piaui com a presença do ministro da Casa Civil Ciro Nogueira e do então ministro da Educação Milton Ribeiro e do presidente do FNDE Foto: Divulgação/MEC

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Ainda de acordo com os servidores do FNDE, os pastores tinham interesse em manter uma boa relação com Terto pelo fato de ele trabalhar na organização dos eventos da autarquia e do MEC com os prefeitos em vários Estados brasileiros. No Portal da Transparência, há registros de pelo menos 28 viagens de Terto a diversos Estados brasileiros para eventos da autarquia, sempre em companhia de Marcelo Ponte.

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Notas espalhadas por sites de prefeituras mostram que Terto também tinha como função atender os dirigentes municipais que vinham a Brasília em busca de recursos do FNDE para a educação. O site da prefeitura de Presidente Prudente (SP) registra um encontro de Terto com o prefeito Ed Thomas (PSB) em fevereiro deste ano, para tratar da conclusão das obras de duas escolas na cidade paulista. Em dezembro passado, Terto participou de uma reunião do deputado federal Alan Rick (Republicanos-AC) com o presidente do FNDE sobre a construção de um colégio de aplicação em Rio Branco.

Em abril de 2021, Terto recebeu no FNDE um secretário municipal da cidade de São Sepé (RS) para tratar da conclusão de uma creche no município gaúcho. “Estaremos acompanhando esse projeto para que o município não fique, mais uma vez, parado na burocracia”, teria dito Terto, conforme um site de notícias local.

O então ministro da Educação, Milton Ribeiro, durante atendimento a prefeitos do Pará na presença dos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura Foto: Divulgação/MEC

Marcelo Ponte, que preside o FNDE desde meados de 2020, não é alvo de investigação da CGU ou da Polícia Federal. Indicado por Ciro Nogueira, ele é visto como uma espécie de interventor do “Centrão” dentro do FNDE – a autarquia é considerada o banco do Ministério da Educação, responsável por financiar obras e aquisições da área educacional nos municípios.

Procurado, o FNDE reafirmou que Marcelo Ponte avisou o ministro da Educação ao saber do suposto presente dos pastores ao assessor. “Informamos que, assim que tomou conhecimento da suposta irregularidade, o presidente do FNDE comunicou ao então ministro interino, Victor Godoy, sobre o relato recebido. Após deliberação conjunta, foi adotada a providência imediata de solicitar a exoneração do servidor”, disse o órgão, em nota. ”Considerando que as investigações preliminares conduzidas pela CGU acerca das denúncias concluíram que não haveria envolvimento de servidores do FNDE/MEC, após adotar providências imediatas, a autarquia aguarda a conclusão das investigações pelos órgãos competentes para adoção de medidas adicionais, caso seja necessário”. “O FNDE segue alinhado com o Ministério da Educação contribuindo com os órgãos de controle em toda e qualquer investigação”, diz o texto.

Ônibus escolar do Programa Caminho da Escola financiado com recursos do FNDE Foto: Catarina Chaves/MEC

Além da suposta doação da motocicleta elétrica para João Terto, a Controladoria-Geral da União também está investigando servidores do FNDE cuja atuação foi mostrada em reportagens do Estadão. Há apuração em curso sobre a compra de veículos de luxo por parte de diretores do FNDE. Como revelado pelo Estadão, os diretores Garigham Amarante (da Diretoria de Ações Educacionais) e Gabriel Vilar (Gestão, Articulação e Projetos Educacionais) compraram carros de luxo com valores elevados depois de começar a trabalhar na autarquia. Mesmo recebendo cerca de R$ 10 mil, ambos compraram veículos utilitários esportivos com valor estimado em R$ 330 mil e R$ 250 mil, respectivamente.

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Ex-chefe de gabinete do PL na Câmara dos Deputados, Amarante adquiriu uma Mercedes-Benz GLB 200 Progressive. Financiado, o veículo pode ter prestações que alcançam o salário de Amarante no FNDE, de acordo com a estimativa de um simulador online do fabricante. O último contracheque de Amarante, de maio deste ano, é de R$ 10.302,16 líquidos. A prestação mensal do veículo, em condições similares às usadas por Amarante, é de R$ 10.299,35 – o que significa um comprometimento de 99,97% de sua renda. Além disso, o IPVA tem um custo de R$ 9.748 por ano. Já Gabriel Vilar emplacou um Volkswagen Tiguan Allspace R-Line, avaliado em R$ 250 mil. À época, ele disse ter adquirido o veículo na troca de outro SUV anterior – a informação, segundo pessoas que o conhecem, é falsa: seu carro anterior seria um modelo popular, de valor bem inferior.

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”Quanto a esse assunto, encontra-se em curso na DIE/SCC (Diretoria de Pesquisas e Informações Estratégicas da Secretaria de Combate à Corrupção da CGU) investigação patrimonial sobre os agentes mencionados e seus eventuais relacionamentos. Tais informações subsidiarão a decisão quanto à eventual abertura de procedimento patrimonial específico em seu desfavor”, diz um trecho do relatório da CGU sobre o assunto.

Em nota, o advogado de Garigham Amarante, Robson Halley, disse que todos os bens do diretor “estão devidamente declarados à Receita Federal”. “Não há qualquer incompatibilidade entre rendimentos pessoais e familiares com patrimônio pessoal. O servidor tem mais de 25 anos de carreira no serviço público e não há qualquer irregularidade em sua atuação, que seguiu estritamente os ditames técnicos”, diz o texto.

Outra investigação em curso é sobre o caso do consultor Darwin Einstein de Arruda Nogueira Lima - como mostraram as reportagens do Estadão, ele era ao mesmo tempo consultor do FNDE e dono de uma empresa que prestava consultoria a prefeituras do Maranhão interessadas em obter recursos públicos da autarquia. Uma primeira “nota informativa” da CGU encontrou “fatos aparentemente anômalos” que chamaram a atenção dos técnicos, entre eles o fato da empresa de Darwin Einstein ter recebido R$ 2,4 milhões de prefeituras que receberam recursos do FNDE.

A CGU descobriu ainda que Darwin Einstein estava registrado desde 2017 como servidor da prefeitura de Zé Doca / MA, embora vivesse em Brasília. Outra prefeitura, a de São Benedito do Rio Preto (MA), “devolveu” ao consultor Darwin Einstein R$ 24 mil de recursos repassados pelo FNDE. A tentativa de superfaturamento na aquisição de ônibus escolares, em abril deste ano, também está sendo investigada pela Secretaria Federal de Controle Interno da CGU.

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Como mostrou a reportagem, diretores do FNDE ignoraram recomendações da área técnica do próprio órgão e tentaram elevar o preço máximo aceitável pelos ônibus escolares. O valor máximo admitido para a compra sofreu aumento de 55% – ou R$ 732 milhões. O limite máximo aceitável só foi reduzido após a publicação. A reportagem não conseguiu contato com Darwin Einstein.

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