Os resultados da eleição em primeiro turno, no Brasil, fazem relembrar, inevitavelmente, uma percepção que já é velha conhecida para os que acompanham política internacional: a direita radical chegou para ficar, e não se restringe mais a meros personalismos. Basta olhar para o cenário que se desenhou nos pleitos estaduais e, principalmente, no Congresso Nacional da eleição brasileira.
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Sabemos que as comparações entre Trump e Bolsonaro têm sido recorrentes e inevitáveis. Tomando essa motivação como base, há uma dimensão sobre o day after, nos Estados Unidos, que, de fato, merece muita atenção. Ainda que Trump tenha perdido a eleição para Biden em 2020, o trumpismo dá sinais, todos os dias, até hoje, de que tem vida longa na política do país. O paralelo, no Brasil, é igualmente plausível.
Nos Estados Unidos, tal movimento, que teve início sob forte resistência das lideranças republicanas, inclusive, não apenas capturou o partido com o passar dos anos, como também fez dele refém. Embrenhou-se em estruturas institucionais, contaminou a percepção do eleitorado tradicional sobre uma série de questões, e, claramente, tem dificultado a ascensão de novos quadros e lideranças que busquem espaço para além dessa bolha. Deixou de ser voz minoritária para consolidar-se como tendência dominante. Deu origem a novos paradigmas de análise e categorias que se tornaram compulsórias na política norte-americana.
Um dos recortes mais interessantes desde a última eleição presidencial foi aquele proposto pelo Pew Research Center, que dividiu a coalização republicana em quatro grupos: os “conservadores da fé e da bandeira”, os “conservadores comprometidos”, a “direita populista” e a “direita ambivalente”. O primeiro grupo é aquele em que se concentram os trumpistas mais radicais, predominantemente brancos e cristãos, com fortes convicções sobre o papel da religião na vida pública. O segundo grupo, mais afeito a Reagan do que a Trump propriamente, acaba alinhado ao trumpismo em função de outros consensos, como o debate sobre o tamanho do Estado e a agenda econômica.
O terceiro grupo é definido por sua sensibilidade às pautas identitárias e questões imigratórias, além de propenso ao discurso “anti-establishment”. O quarto grupo, por fim, é o que costuma se mover pela orientação pró-business, mas que é mais moderado quanto à agenda de costumes. O primeiro e o terceiro são os grupos mais conservadores. A maioria esmagadora é altamente consciente da necessidade de manter maiorias legislativas para garantir a alavancagem de seus interesses. Todos eles, por razões diferentes, estariam propensos a votar em Trump, mesmo diante de adversidades.
O resumo deste material em questão e a lição que vem com a experiência do Norte é: mesmo em uma era de evidentes polarizações, existem divisões complexas que precisam ser estudadas e compreendidas, seja pelos próprios candidatos, seja por quem pretende analisar a vida política do país. No caso do Brasil, o resultado de 02/10 mostra que é preciso trabalhar a sério numa tipologia renovada do bolsonarismo, afinal, ainda que Bolsonaro perca a eleição presidencial - o que pode acontecer, tal qual como ocorreu com Trump - está claro que o “cercadinho” é maior do que se imagina e que teremos sérias questões de governabilidade para discutir nos próximos anos.
*Fernanda Magnotta é doutora em Relações Internacionais pelo PPGRI San Tiago Dantas (UNESP/UNICAMP/PUC-SP), professora e coordenadora do curso de Relações Internacionais da FAAP.
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