O Brasil poderia ter poupado a vida de até 89,7 mil idosos se a primeira proposta de vacinas feita pelo Instituto Butantan tivesse sido aceita pelo governo federal, mostra estimativa feita pelo Estadão com base nos dados da base Sivep-Gripe, sistema federal que traz registros de internações e óbitos por covid-19 e outras doenças respiratórias.
Em depoimento à CPI da covid nesta quinta, 27, o presidente do órgão, Dimas Covas, revelou que a oferta inicial de vacinas foi feita em julho de 2020, com a previsão de entrega de 60 milhões de doses da Coronavac até dezembro do mesmo ano, o que seria suficiente para imunizar com duas doses os cerca de 29 milhões de brasileiros com 60 anos ou mais.
Mas diante da recusa do presidente Jair Bolsonaro em fazer o acordo com o Butantan, as negociações atrasaram e o contrato só foi assinado em 7 de janeiro, o que impactou a encomenda dos insumos da China e o cronograma. Com isso, só foi possível entregar 8,7 milhões de vacinas no primeiro mês do ano.
Considerando que o aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ao uso emergencial da Coronavac ocorreu em 17 de janeiro, mesma data em que a campanha foi iniciada, e que a capacidade do Programa Nacional de Imunizações (PNI) é de aplicação de 2 milhões de doses por dia, o País poderia ter concluído o esquema vacinal de todos os idosos do País até o final de fevereiro se as 60 milhões de doses da proposta inicial tivessem sido contratadas antes.
Como a imunidade conferida pela vacina é alcançada duas semanas após a administração da segunda dose, o Estadão considerou, nessa estimativa, as mortes de idosos ocorridas a partir do meio de março, mais especificamente da semana epidemiológica 11, que teve início no dia 14 daquele mês. Foram exatos 89.772 óbitos de idosos desde então.
O período coincidiu com a pior fase da pandemia no País. Só no mês de abril, foram 41.765 maiores de 60 anos que perderam a vida para a covid no Brasil. O número pode ser ainda maior já que há um atraso de ao menos duas semanas na notificação de casos no sistema federal e milhares de registros de morte por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) que ainda estão em investigação para estabelecer se a causa foi infecção por coronavírus. Estas não foram considerados nesse cálculo.
Importante lembrar que a taxa de proteção da Coronavac contra hospitalizações e mortes entre idosos ainda está sendo estudada, mas pesquisas preliminares no Chile demonstram efetividade superior a 80% contra casos graves e óbitos na população geral. Os dados indicam que, mesmo que nem todos os idosos vacinados desenvolvam proteção com a vacina, ao menos a maioria dos óbitos pode ser evitada com a imunização.
Terceira proposta do Butantan previa entrega 100 milhões de doses até maio
Em seu depoimento à CPI, Covas detalhou ainda mais duas propostas recusadas pelo governo federal. A segunda foi feita em agosto, com os mesmos quantitativos propostos em julho. Na terceira, feita em outubro, o Butantan aumentou a oferta para 100 milhões de doses até maio, sendo 45 milhões de doses até dezembro de 2020, 15 milhões até fevereiro de 2021 e outras 40 milhões de doses até o fim de maio.
A proposta chegou a ser aceita e anunciada pelo então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, mas o general foi desautorizado por Jair Bolsonaro no dia seguinte. O presidente declarou que não compraria nenhuma vacina chinesa.
Se a terceira proposta do Butantan tivesse sido acatada, poderíamos ter o dobro de brasileiros completamente vacinados hoje. Até quarta, 26, o total de pessoas que tinham tomado as duas doses da vacina (somando Coronavac e Oxford/AstraZeneca) era de 21 milhões. Se tivéssemos as 100 milhões de doses que seriam entregues até maio, estaríamos perto dos 50 milhões de vacinados.
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