BRASÍLIA – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou que “não há perdão para quem atenta contra a democracia”. A declaração ocorreu no ato Democracia Inabalada, convocado por ele e realizado pelos Três Poderes, nesta segunda-feira, 8. Ele defendeu que aqueles que financiaram, planejaram e executaram a tentativa de golpe em 8 de janeiro de 2023 sejam “exemplarmente punidos”. O ministro Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), criticou a política de apaziguamento e disse que ignorar o “grave” atentado ao Estado de Direito seria equivalente a encorajar grupos extremistas à prática de novos atos criminosos e golpistas.
O evento pró-democracia, no Congresso Nacional, para marcar um ano da invasão e da depredação das sedes dos principais prédios públicos do País, durou pouco mais de uma hora.
“Não há perdão para quem atenta contra a democracia, contra seu País e contra o seu próprio povo. O perdão soaria como impunidade. E a impunidade, como salvo conduto para novos atos terroristas”, disse Lula.
“Se a tentativa de golpe fosse bem-sucedida, a vontade soberana do povo brasileiro teria sido roubada. E a democracia, destruída. A esta altura, o Brasil estaria mergulhado no caos econômico e social. O combate à fome e às desigualdades teria voltado à estaca zero”, afirmou o presidente da República.
A democracia é imperfeita, porque somos humanos, e, portanto, imperfeitos. Mas temos, todas e todos, o dever de unir esforços para aperfeiçoá-la”
Luiz Inácio Lula da Silva, presidente da República
Lula disse que a democracia foi “salva”, mas “nunca está pronta” e precisa ser “construída e cuidada todos os dias”. “A democracia é imperfeita, porque somos humanos, e, portanto, imperfeitos. Mas temos, todas e todos, o dever de unir esforços para aperfeiçoá-la”, afirmou o presidente, e acrescentou em seguida que é preciso reconhecer que “democracia para poucos não é democracia” e que “não há democracia plena enquanto persistirem as desigualdades”.
Moraes critica política de apaziguamento e defende regulação das redes
Em seu discurso no ato, Alexandre de Moraes afirmou que a impunidade não representa paz ou união e que todos aqueles que pactuaram “covardemente” com a quebra da democracia serão investigados, processados e responsabilizados na medida de suas culpabilidades.
“Hoje é momento de reafirmar para os presentes que somos um único País, somos um único povo e que a paz e a união de todos os brasileiros devem estar no centro das prioridades dos Três Poderes e de todas as instituições. Mas o fortalecimento da democracia não permite confundirmos paz e união com impunidade, apaziguamento ou esquecimento”, disse Moraes durante seu discurso no ato.
O ministro reforçou que a democracia brasileira não permitirá a “ignóbil” política de apaziguamento e disse que ignorar o “grave” atentado ao Estado de direito seria equivalente a encorajar grupos extremistas à prática de novos atos criminosos e golpistas.
O fortalecimento da democracia não permite confundirmos paz e união com impunidade, apaziguamento ou esquecimento”
Alexandre de Moraes, ministro do STF e presidente do TSE
Moraes disse ainda que a democracia venceu a “tentativa de golpe” e o Estado constitucional prevaleceu, e homenageou a ministra aposentada Rosa Weber, presidente do STF na ocasião dos ataques antidemocráticos. O magistrado também defendeu a regulamentação das redes sociais.
“Hoje também é o momento de olharmos para o futuro e reafirmarmos a urgente necessidade de neutralização de um dos grandes perigos modernos à democracia: a instrumentalização das redes sociais pelo novo populismo digital extremista. A necessidade de uma moderna regulamentação, como vem sendo discutido no mundo todo democrático”, disse.
Barroso: ‘Ódio, mentiras e golpismo nunca mais’
O ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou desejar “que todos os brasileiros – liberais, progressistas e conservadores – possam se unir em torno dos denominadores comuns da Constituição”. “Ódio, mentiras e golpismo nunca mais.”
Barroso afirmou o ataque não foi “fato isolado ou mero acidente de percurso, foi meticulosamente preparado”. “O dia da infâmia foi precedido de anos de ataques às instituições, ofensas a seus integrantes, disseminação de ódio e mentiras”, disse o ministro. “Passamos a ser mal vistos globalmente, um Brasil que deixou de ser Brasil.”
Apesar disso, destacou Barroso, “as instituições venceram e a democracia prevaleceu”. De acordo com o ministro, a reação da sociedade e das instituições mostrou que “já superamos os ciclos do atraso” e que “já não há espaço para quarteladas ou descumprimento das regras do jogo”.
Que o momento de tristeza, de desalento e de destruição do dia 8 de janeiro de 2023 marque, também, o início de uma nova era”
Luís Roberto Barroso, presidente do STF
O presidente do Supremo voltou a falar que o que mais o impressionou foi a mistura entre ódio e religião nos atos golpistas. Barroso já havia mencionado o assunto nesta segunda, durante a cerimônia de lançamento da exposição “Pontos de Memória”, que relembra o ataque sofrido pela Corte durante os atentados golpistas do dia 8 de Janeiro.
“Que desencontro espiritual pode ser esse, que não é capaz de mínima distinção entre o bem e o mal, que tipo de inspiração terá empurrado essas pessoas para uma ribanceira moral?, questionou. “A violência, intolerância e extremismo só levam à decadência e à infelicidade”, prosseguiu o ministro.
“O futuro por aqui se atrasou, mas ainda está no horizonte. Que o momento de tristeza, de desalento e de destruição do dia 8 de janeiro de 2023 marque, também, o início de uma nova era.”
Pacheco diz que aceitar resultado das eleições é ‘dever cívico’
O presidente do Senado e do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disse que aceitar o resultado das eleições “é dever cívico de todos nós”, mesmo que as discordâncias com um governo sejam naturais. “Desqualificar e desacreditar o processo eleitoral não ofende apenas as instituições republicanas, mas ofende também – e de forma ainda mais grave – o povo brasileiro”, afirmou.
Pacheco disse que os criminosos que invadiram o Congresso em 8 de janeiro do ano passado, “sob premissas falsas (...), desejavam invalidar o resultado das urnas”. “Para além dos prejuízos materiais, para além das depredações e da violência praticadas, a turba de criminosos que invadiu estas mesmas dependências desrespeitou a vontade popular manifestada pelo voto. Isso é absolutamente inaceitável”, disse Pacheco.
“Este ato não é político comezinho, tampouco ato de força, não é ato meramente simbólico”, afirmou. Pacheco classificou os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023 como “abjetos” e disse que o evento de hoje serve para “celebrar a democracia brasileira”.
Desqualificar e desacreditar o processo eleitoral não ofende apenas as instituições republicanas, mas ofende também – e de forma ainda mais grave – o povo brasileiro”
Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado e do Congresso Nacional
O presidente do Senado anunciou que as grades que estão ao redor do Congresso Nacional serão retiradas em breve para simbolizar o acesso da população ao Legislativo.
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), também discursaria na cerimônia. No entanto, na noite de domingo, 7, avisou ao presidente Lula que não participaria do ato, por problemas de saúde na família.
Preço da liberdade é a ‘eterna vigilância’, diz Gonet
O procurador-geral da República, Paulo Gonet, em discurso, disse que o preço da liberdade é a “eterna vigilância” e que, para o Ministério Público Federal (MPF), é “reagir ao que se fez no passado para que se recorde que atos contra democracia hão de ter consequências penais”.
“Não deve causar surpresa, mas deve ser visto como sinal de saúde da democracia que pessoas, não importa que status social, venham a ser responsabilizadas”, disse Gonet. “É o próprio povo, por meio das leis, que impõe que sejam tratadas como crime as inadmissíveis insurgências contra a democracia”, completou.
De acordo com Gonet, o papel do MP é “o que já vem sendo feito há um ano: apurar a responsabilidade de todos e propor ao Judiciário os castigos merecidos”. De acordo com o PGR, essa é a forma de “prevenir que o passado que se lamenta não ressurja”.
Governadora do RN diz que data simboliza ‘volta à normalidade’
A governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra (PT), afirmou que a data de 8 de janeiro simboliza a “volta à normalidade” do Brasil, um ano após os atos golpistas às sedes dos Três Poderes em Brasília. “O dia de hoje simboliza a volta da normalidade democrática, respeito às instituições, a retomada do pacto federativo, a valorização da soberania popular e o repúdio ao autoritarismo, fascismo e barbárie”, disse.
A governadora exigiu a responsabilização e punição dos participantes dos ataques do 8 de Janeiro. Segundo ela, é preciso punir os que financiaram, organizaram e incitaram a tentativa de golpe, sem anistia.
O dia de hoje simboliza a volta da normalidade democrática, respeito às instituições, a retomada do pacto federativo, a valorização da soberania popular e o repúdio ao autoritarismo, fascismo e barbárie”
Fátima Bezerra (PT), governadora do Rio Grande do Norte
Fátima Bezerra foi a única chefe de uma unidade federativa a discursar, por ser suplente do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), no Fórum de Governadores, que ele preside. Ibaneis está de férias nos Estados Unidos. O governador chegou a ser afastado das suas funções após os ataques do 8 de Janeiro pelo ministro Alexandre de Moraes.
Além de Ibaneis, outros governadores alinhados ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) não compareceram ao ato no Congresso nesta segunda. O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) está na Europa. Os governadores de Santa Catarina, Jorginho Mello (PL); Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL); Paraná, Ratinho Júnior (PSD); e Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), não foram ao evento. Zema chegou a confirmar presença de última hora nesta segunda, mas após sofrer pressão, desistiu de ir à cerimônia.
O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), compareceu ao ato Democracia Inabalada. No Congresso, disse que sua presença no evento não é pelo governo Lula ou por qualquer conotação política. “E, sim, porque o Estado Democrático de Direito sofreu um ataque no Brasil, uma tentativa de golpe.”
A governadora de Pernambuco, Raquel Lira (PSDB), minimizou a ausência de outros governadores no evento organizado pelo Palácio do Planalto para relembrar os atos golpistas de 8 de janeiro do ano passado. “Acredito que não nenhum deles é contra a democracia. Todos foram legitimamente eleitos pelo povo. Tenho certeza que também prezam por esses valores”, afirmou.
De acordo com a governadora, o evento promovido pela gestão Lula não se tratou de uma discussão “partidária, ideológica”, pois a presença das instituições de diversos poderes demonstrou que o tema do encontro eram os “valores democráticos”.
No início do evento, o Hino Nacional foi cantado pela ministra da Cultura, Margareth Menezes. Em seguida, foi exibido um vídeo sobre os ataques antidemocráticos. /SOFIA AGUIAR, IANDER PORCELLA, GIORDANNA NEVES, GABRIEL HIRABAHASI, LAVÍNIA KAUCZ E WESLLEY GALZO
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