Ato de Bolsonaro na Paulista é teste para medir forças na polarização com Lula e pressionar STF

Ex-presidente vê cerco se fechar contra ele e quer mostrar capacidade de agregar apoio, mas estratégia é arriscada e pode até levá-lo à prisão

PUBLICIDADE

Foto do author Vera Rosa
Atualização:

BRASÍLIA – A manifestação convocada por Jair Bolsonaro para este domingo, 25, na Avenida Paulista, servirá como teste de força do bolsonarismo após as investigações da Polícia Federal apontarem o ex-presidente como mentor da tentativa de golpe no País, em 8 de janeiro de 2023. Bolsonaro aposta na foto de uma multidão diante de seu palanque para pressionar o Supremo Tribunal Federal (STF), fustigar o Palácio do Planalto e mandar recados de que sua eventual prisão não será aceita sem convulsão social.

PUBLICIDADE

Trata-se de uma estratégia arriscada, que pode agravar sua situação na Justiça. O ex-presidente está inelegível até 2030 e é alvo de oito inquéritos na Corte: de fake news sobre urnas eletrônicas a ataques golpistas; da venda de joias do acervo da Presidência a denúncias de interferência na Polícia Federal.

Organizadores do ato na Paulista preveem o comparecimento de 500 mil a 700 mil pessoas. Desde sexta-feira há caravanas de ônibus fretados saindo de várias regiões do País.

Propaganda convocando para a manifestação deste domingo nas redes sociais. Foto: Reprodução/@ricardomolina

No Planalto, auxiliares do presidente Luiz Inácio Lula da Silva avaliam que a manifestação será grande e acham fundamental definir, o mais rápido possível, uma série de ações para derrotar o bolsonarismo nas disputas deste ano das principais capitais, como São Paulo. O movimento é visto como decisivo para impulsionar a campanha da reeleição de Lula, em 2026.

Ministros do STF não vão tolerar ofensas

Embora Bolsonaro diga que o protesto vai ser pacífico, “em defesa do estado democrático de direito”, até mesmo seus aliados temem o acirramento dos ânimos e o tom de revanche na avenida. Ministros do STF, por sua vez, afirmam nos bastidores que todos os discursos ali serão escrutinados e nenhuma ofensa à Corte passará em branco, sem punição.

A ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro abrirá o ato político com uma oração. Evangélica, Michelle pedirá proteção ao Brasil, do alto do carro de som. Dois trios elétricos ocuparão a Paulista.

Pelo script traçado, haverá execução do Hino Nacional e o único governador a falar será Tarcísio de Freitas (Republicanos), de São Paulo, possível herdeiro do ex-presidente na eleição de 2026 ao Planalto. Além de Tarcísio estarão presentes os governadores de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), de Santa Catarina, Jorginho Mello (PL), e de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo).

Publicidade

Apoiado por Bolsonaro na campanha por um novo mandato, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), também comparecerá, apesar de secretários municipais e dirigentes do MDB não esconderem a preocupação com a vinculação da imagem dele a pronunciamentos antidemocráticos. A lista das confirmações de presença inclui, ainda, 106 deputados federais, 17 senadores e mais de 100 deputados estaduais, prefeitos e vereadores.

“É uma vergonha ver governadores e prefeitos, que têm responsabilidade institucional, participando de uma manifestação contra a democracia e a legalidade. Que medo eles devem ter do Bolsonaro, das coisas erradas que só ele deve saber, para obedecer ao comando do inelegível”, escreveu a presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann, em seu perfil no X (antigo Twitter). “O ato de domingo não tem nada de defesa do estado democrático de direito. É mais uma ameaça de Bolsonaro às instituições e uma afronta à Justiça, a quem ele está prestes a ter de prestar contas”, completou.

O último discurso do dia caberá ao ex-presidente, que vê o cerco se fechar contra ele e militares do seu círculo de amizades depois de diligências da Polícia Federal indicarem sua participação na trama golpista. Bolsonaro falará sobre seu governo, baterá na tecla de que sofre “implacável perseguição” do Judiciário e, de acordo com interlocutores, traçará um futuro sombrio para o País sob o comando de Lula.

Bolsonaro promoveu outro ato na Avenida Paulista, em 7 de Setembro de 2021 (foto), e chamou Moraes de "canalha". Foto: Danilo M. Yoshioka/Futura Press

Em 7 de setembro de 2021, Bolsonaro aproveitou um ato de comemoração da Independência do Brasil, na Paulista, para chamar de “canalha” o ministro do STF Alexandre de Moraes – relator das ações contra ele – e avisar que não cumpriria mais suas ordens. Se esse tom for usado agora, com ataques ao Supremo, o ex-presidente poderá ser preso.

‘Democracia não é paz de cemitério’, diz Caiado

“Eu não vejo afronta à democracia com o povo na rua”, disse Caiado ao Estadão. “Democracia não é paz de cemitério. Não estamos avalizando nada no sentido de agressão. Se o ex-presidente consegue fazer essa mobilização para dar as suas explicações, é importante que o faça.”

Caiado quer ser candidato à Presidência em 2026 e deseja o apoio de Bolsonaro, embora muitos o vejam como um cabo eleitoral tóxico. “Não há qualquer desconforto. O meu eleitor é e sempre vai ser conservador”, resumiu o governador, que prega a união da direita.

Caiado quer ser candidato à sucessão de Lula, em 2026, e está de olho no apoio de Bolsonaro. Foto: Wilton Junior/Estadão

Informado de que ministros do STF vão monitorar os discursos do protesto na Paulista, o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), mostrou estar pronto para o embate. “Quer dizer que vivemos numa ditadura?”, provocou.

Publicidade

Aliado do pastor Silas Malafaia – um dos organizadores do protesto deste domingo ­–, Sóstenes afirmou que “ponderações” feitas por convidados a usar o microfone “devem servir para os magistrados refletirem, deixando de atacar” o estado democrático de direito.

‘Eles são deuses?’, pergunta Sóstenes

“Quem disse que falar de ministros do STF vai tirar o caráter pacífico da manifestação? Eles são deuses? Não podem ser criticados?”, perguntou o deputado, que compõe a cúpula da Frente Parlamentar Evangélica.

O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, chegou a dizer que o Brasil viveu uma “assombração do golpismo” no governo passado, mas não quis fazer nenhum comentário sobre o ato.

“A democracia tem lugar para conservador, liberal, progressista e para a divergência de pessoas que põem seus argumentos à mesa, sem se exaltar”, ressalvou ele. “Caminhamos para a recuperação da civilidade, mas na vida é preciso virar a página da história. Não se pode arrancar a página.”

Em 2021, Bolsonaro xingou várias vezes Barroso – à época presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – por achar que ele trabalhava contra o voto impresso, derrotado pela Câmara. Numa dessas ocasiões, chamou o magistrado de “filho da p...”.

Siqueira ficou ‘chocado’ com frases de Lula

Na avaliação do presidente do PSB, Carlos Siqueira, um outro ingrediente vai temperar a manifestação convocada por Bolsonaro, com o reforço de evangélicos. Siqueira apoia o governo Lula, mas disse ter ficado “chocado e triste” quando ele comparou o ataque de Israel na Faixa de Gaza ao Holocausto, que exterminou 6 milhões de judeus.

“Se o governo pretendia se aproximar dos evangélicos, encontrou um tema que o separa”, reagiu Siqueira. “Os evangélicos possuem uma ligação profunda com a cultura judaica e com Israel, em particular. A oposição estava acuada e essas declarações desastrosas do presidente ajudam os adversários, podendo ter consequências até eleitorais.”

Publicidade

O presidente do PSB, Carlos Siqueira (centro), entre Lula e Alckmin: para ele, declarações do petista sobre Israel podem ter impacto na campanha. Foto: Wilton Junior/Estadão

O PSB tem o vice-presidente Geraldo Alckmin, que também é ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. O partido perdeu a Justiça – pasta que estava nas mãos de Flávio Dino, hoje ministro do STF –, mas comanda o novo Ministério do Empreendedorismo.

Apesar do pedido de Bolsonaro para que seus apoiadores não levem para a Paulista faixas e cartazes com insultos ao Supremo e apelos de intervenção militar, ninguém arrisca prever como será a condução do ato deste domingo.

Padilha afirma que ex-presidente é ‘líder de barro’

“Não sou eu que vou ser tutor de quem quer ir a uma manifestação convocada um dia depois que a Polícia Federal trouxe evidências claras de que Bolsonaro estava articulando um golpe”, afirmou o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, no programa Roda Viva, da TV Cultura, na segunda-feira, 19. “Se alguém quer estar ao lado do líder de barro na Paulista, que esteja.”

O ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, afirma que não dá orientação para manifestante porque não é "tutor". Foto: Wilton Junior/Estadão

Para o cientista político e professor do Insper Carlos Melo, mesmo que o ato convocado pelo ex-presidente tenha muita gente, nada servirá como anistia a crimes. “Novos fatos tendem a surgir da apuração da Polícia Federal, independentemente do silêncio nos últimos depoimentos”, observou Melo.

Além disso, o barulho provocado pela reaparição de Bolsonaro na Paulista não fará o Supremo nem a Procuradoria-Geral da República (PGR) engatarem a ré nas investigações.

“A intenção desse ato é nitidamente intimidatória, mas Bolsonaro não dispõe dos mesmos instrumentos que dispunha, por exemplo, no 7 de Setembro de 2021″, destacou Melo. “Então, fico me perguntando: “Se com muito mais poder nas mãos ele não pôde ir muito longe, será que agora, sem esse poder, ele irá?”

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.