Os protestos contra as instituições democráticas e a favor do governo têm intensificado os discursos do presidente Jair Bolsonaro, expondo uma "radicalização" dentro do próprio bolsonarismo. "À medida que perde apoio social, ele passa por um processo de depuração, uma purificação na leitura desses grupos, quando somente os mais radicais bolsonaristas permanecem apoiando o presidente", observa o especialista em neofascismo e professor da Universidade Federal de Juiz de Fora, Odilon Caldeira Neto.
Na visão do professor, as últimas manifestações têm passado a impressão de um discurso cada vez mais totalitário, contra a imprensa livre e, por vezes, com atos violentos. Segundo ele, esse processo está em curso há alguns meses e ocorre, em boa parte, de acordo com a gravidade da pandemia do novo coronavírus no Brasil, como forma de desviar o foco da crise provocada pela covid-19.
No último domingo, 31, Bolsonaro participou, mais uma vez, de manifestação em frente ao Palácio do Planalto que pedia o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF), além da instauração de uma nova ditadura militar. Primeiro observando o ato de um helicóptero e depois montado em um cavalo, o presidente cumprimentou os manifestantes, que entoavam gritos de ordem contra seus adversários.
Caldeira Neto coloca os protestos bolsonaristas em um panorama global de movimentos da extrema direita, com o uso de símbolos em comum e pautas similares. Ele cita, por exemplo, o uso de tochas e capuzes - ou máscaras - pelo grupo 300 do Brasil, organizado pela militante bolsonarista Sara Winter, que na madrugada de domingo marchou em direção ao prédio do STF, em Brasília. Segundo o professor, o grupo tem inspiração direta nas manifestações ocorridas em Charlottesville, nos Estados Unidos, em 2017, quando protestantes da direita radical norte-americana se aproveitaram da estética dos supremacistas da Ku Klux Klan.
Além das inspirações estadunidenses, Caldeira Neto destaca a utilização de bandeiras de grupos neofascistas da Ucrânia, como foi visto em ato bolsonarista na Avenida Paulista, em São Paulo. Segundo ele, há uma razão para que os manifestantes brasileiros escolham a Ucrânia como exemplo ideal, país que passou pela destituição de seu ex-presidente Viktor Yanukovich em 2014 e, a partir disso, viu a entrada de figuras da extrema direita na política nacional. "Eles olham para a Ucrânia como um laboratório de sucesso que deve ser aplicado no Brasil", explica o especialista.
O professor atenta, porém, que esses grupos radicais ainda são minoria nas manifestações. Sobre os 300 do Brasil, por exemplo, ele afirma que deve-se "levar em consideração que não eram 300, mas algumas dezenas de pessoas". Para ele, não é a quantidade de radicais de extrema-direita o que mais preocupa, mas sim o espaço que ganham com Bolsonaro na Presidência da República. "Desde o começo do bolsonarismo, antes de 2014, as tendências mais radicais da extrema direita convivem com outras, como as armamentistas, ultraliberais, religiosas, etc., mas hoje eles conseguem pautar as suas discussões, porque já não estão marginalizadas dentro deste campo político", avalia o professor.
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